A conversa na padaria ia animada:
- É trinta milhão que o senador levou!!! Já pensou, mano? Trinta milhão!! Dava prá se arrumar bonito! - exclamava, empolgado, Turúbio.
Os outros só escutando e balançando a cabeça, como quem concorda.
Mas na expressividade de Turíbio não havia revolta. Havia nítida inveja. Quem dera Turíbio estivesse "lá" também:
- Ah, meu, todo mundo rouba! Não tem santo lá, não! É um comendo o outro!
E a audiência concordando com Turíbio. Todos eles, de classe-média. Paulistanos. Curtindo uma cervejinha, uma porção de calabreza e um futebolzinho na TV da padaria. Domingo à tarde.
- Por quê você não vai então? - alguém indaga a Turíbio.
- "Por quê não"? - ele respondeu - Oras, sei lá.
- E se a gente te ajudasse?
- Como assim?
- Você é bastante conhecido no bairro. A gente conhece bastante gente. Você sabe falar bem, tem diploma, tem boa apresentação.
- Ah, não tá falando sério... - tentou desconversar Turíbio.
- Não, insistiu o interlocutor. Falo sério. Você faz campanha para vereador, dá prá levar. É assim que começa. Os caras não nascem "lá". Quer dizer, muitos "deles" até nascem.
- Mmmm...
- Que tal, Turíbio?, perguntou outro. Os outros botaram pilha:
- Vai lá, Turíbio. "Nosso candidato", Turíbio.
- Qual é seu sobrenome, Turíbio?
- "Lobato", respondeu Turíbio Lobato.
- Aí, dá até o slogan: "Turíbio Lobato. O nosso candidato."
- EHHHHHHHHHH! JÁ GANHOU!, gritaram, ao mesmo tempo, fazendo uma espécie de coro, e chamando a atenção dos frequentadores da padaria.
Um desses frequentadores quis saber:
- "Já ganhou" o quê?
O balconista do café expresso é quem respondeu:
- O Turíbio tá se lançando candidato a vereador.
- O Turíbio? Eu voto nele.
- Eu também, respondeu o balconista. Vai roubar, mas é conhecido.
( *** )
Os amigos de Turíbio tinham seus próprios objetivos:
- Com você lá, a gente tá arrumado, Turíbio!
- Éééééhh!, fez Turíbio, já sonhando com o gabinete e a verba do auxílio-paletó. Tá bom, eu topo! Se for pra felicidade geral da nossa turma...
- EHHHHHHHH!
- Esse Turíbio, ele é o cara!
- E nós seremos "os caras".
- É só me arrumar uma vaguinha numa subprefeitura, que o resto é comigo...
( *** )
O próximo passo foi Turíbio filiar-se a um partido. De preferência desses sem identidade nem ideologia, e isso foi o mais fácil. O resto ficava por conta do agregado do Turíbio.
( *** )
Tanto fizeram que Turíbio foi um dos candidatos mais votados na Zona Norte e, pra resumir, foi eleito. Os amigos exultaram:
- Tamo feito!
- Ó nobre colega, não esqueça de nós!
- Pode deixar - respondeu Turíbio, o novo vereador de São Paulo.
( *** )
Turíbio tomou posse. Como novato, teve grande dificuldade para aprender o ofício na Casa.
Aprendeu a propor leis e emendas e a recusá-las e a fiscalizar as ações da Prefeitura; frequentou comissões e denunciou irregularidades; acompanhou licitações. Foi um vereador esforçado.
E os amigos não foram contemplados:
- Pô, e o Turíbio, heim?
- Falei com ele outro dia.
- O cara deixou a gente na mão...
- Ele confessou que quer se lançar candidato a deputado federal.
- Ahhhhh, mas o cara é pilantra!, comemorou um. Ele tá pensando grande...
- É meu. Vereador é dinheiro de pinga, de merenda escolar.
- EHHHHHHH! TU-RI-BIO! TU-RÍ-BIO!, ecoou na padaria o grito de guerra dos correligionários de Turíbio.
( *** )
Com ajuda dos amigos, com a verba eleitoral maior e com a cobertura simpática que a imprensa fez da performance dele como vereador, Turíbio conseguiu ir pra Brasília, apesar de ter feito promessas vagas e vazias e seu partido ser um reconhecido valhacouto.
- Câmara, aí vamos nós!, exclamou um dos colegas de Turíbio.
- Éhhhhhhhhh, concordaram os outros.
- Eu quero a chave do cofre!
- E eu vou catar um saco de dinheiro, igual aqueles cartuns que saem na capa do jornal!
- Uma licitaçãozinha, e eu tô nadando na grana! Viva o Turíbio!
- VIVAAAAAAA!
( *** )
Como deputado, Turíbio foi reconhecidamente um dos mais atuantes e honestos que o Congresso já recebeu. Propôs leis e projetos que realmente ajudaram o povo. Ajudou a elevar a verba para a educação, a saúde, o saneamento básico, a reforma agrária. Fiscalizou o Poder Executivo. Debateu. Brigou com a própria bancada e saiu do partido, tornando-se independente. Tornou-se querido pelo povo e uma quase-unanimidade. Ganhou a fama de sábio, coerente e honesto. Jamais pegou um centavo dos cofres públicos e fez botar na cadeia emissários de empresários que desejavam corrompê-lo e os empresários. Denunciou esquemas e roubalheiras. Participou de CPIs e não permitiu que elas servissem às demagogias eleitoreiras. Foi um bom deputado e depois que seu mandato terminou, abandonou a política. Recebeu homenagens.
Seus amigos não chegaram perto da grana.
Assistindo ao noticiário político, estes ( ex- ) amigos de Turíbio lamentavam:
- O filhadaputa ganhou e virou a cara prá gente!
- É o que eu vivo dizendo: o cara vira político, ele entra prá política e muda completamente.
- ÉÉÉHHHHHH, concordaram todos.
...
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