Segundo sexo, sexo frágil, mulherzinha, feminazi. Olhem só como nos tratam. Eu diria que nenhuma dessas denominações atendem com eficiência o que eu costumo ser. Não quero que com isso fique parecendo que sou do tipo que tem vergonha das bandeiras que levanta, nada disso, apenas prefiro deixá-las pra mim, até porque essa história de bandeira dá uma dor de cabeça danada. Combinemos assim: eu guardarei as minhas na gaveta na medida do possível e vocês guardarão as suas, aposto que nossa conversa vai ser muito mais proveitosa desse jeito.
Pois é, então resumindo a coisa toda: eu sou piriguete. E eu entendo que a palavra choca um pouco, daí deixo a critério se vão me amar ou não por isso, até porque cada um interpreta esse termo como bem entende… Mas o que eu posso fazer? Posso até ficar me explicando aqui, quando no fim as coisas vão continuar sendo as mesmas e eu vou continuar a receber tratamento de uma pessoa indigna de opinião. E tudo porque, aparentemente, eu não presto.
Se vocês são do tipo que acha que piriguete é sinônimo de funkeira, enfrentaremos aqui um primeiro obstáculo. Danço funk, claro, mas e? Isso não devia ser critério pra chamar alguém de piriguete… E seria bem legal se parassem de usar o termo "funkeira" como ofensa, porque ou, deixa eu te falar: não ofende.
Tem também aqueles que acham que ser piriguete é usar saia curta, blusa decotada, vestidinho colado e ter um piercing no umbigo. Não que eu cumpra com todos esses requisitos – eu já tirei o meu piercing no umbigo –, mas também acho que a categoria merece uns critérios um tanto mais específicos e menos superficiais. Sabe aquele lance de estilo de vida? Então, é mais ou menos por aí o caminho.
Há ainda os que acham que ser piriguete é ir atrás de homem comprometido e está aí outra coisa que não é necessariamente verdade. No meu caso, por exemplo, todos os homens comprometidos que já me envolvi foi por safadeza deles, não por sagacidade minha. Mas isso ainda não exclui a minha identidade e não tento tirar a minha da reta só porque fui tão enganada quanto a esposa ou namorada traída, sei que sou piriguete. Também atendo por "fácil", "rodada" e o que mais preferir. É verdade, sou mesmo e não sei exatamente aonde que mora o problema.
Outra interpretação bem zoadinha é a que diz que piriguete só quer homem rico, com carrão, apartamento de luxo e status social. Não sei se to sendo audaciosa demais por dizer isso em nome das piriguetes e até peço desculpas caso eu não as esteja representando, mas raciocinem comigo: se somos rodadas, gostamos de sexo casual e se, aparentemente, fugimos de relacionamentos duradouros, faz algum sentido afirmarem que só estamos atrás de caras que cumprem com esses quesitos? No que todas essas coisas iriam nos beneficiar se nosso interesse não se estende a muito mais que uma noite? Se quer ser golpista, bom, pois seja, mas não nos meta em seus problemas. E a culpa não é de todas nós se, coincidentemente, uma golpista é uma piriguete.
Interpretações à parte, não é moleza a vida prática de quem decide vestir a carapuça de uma mulher cuja vida sexual não é um grande segredo ou motivo de vergonha. Quando abro o papo reto e digo "sou piriguete", sei a carga que esse nomezinho bobo possui, então não adianta esquentar cabeça com isso ou me irritar se atribuem a mim as interpretações acima. O que me irrita mesmo é o direito que as outras pessoas acham que adquirem automaticamente quando descobrem a minha "fama". Tenho que suportar muita falta de respeito em ambiente inapropriado, ódio gratuito de boa parte das mulheres, fofocas maldosas de colegas de trabalho e certo preconceito em momentos decisivos da minha carreira. Claro que tudo isso me irrita, só que também não acho justo deixar o que eu gosto de fazer porque uma dúzia (ou várias delas) se incomodam com o jeito que levo minha vida. Não é como que se eu aprovasse o estilo de vida de todo mundo também, mas enquanto eu posso ficar na minha, eu fico. Não trato mal quem vive de um jeito muito diferente do meu e nem mesmo sou de ficar dando palpite do que é uma boa vida se não me perguntam, porque uma grande filosofia que gosto de seguir é que não devemos fazer aos outros o que não queremos que façam conosco; não gosto que deem opinião ou fuxiquem sobre a minha vida e é o mínimo que eu posso fazer em troca. Agora vocês acham que alguém se vira pra aplicar esse mesmo fundamento comigo? Porra nenhuma. Ah, mas tudo bem. Podem me julgar mesmo, que enquanto isso eu to tendo um orgasmo… Quem sabe dois.
Mas retomando, não é mole ser piriguete. Eu disse que atendo por "fácil", só que pensando melhor, não sei dizer se esse é o termo mais correto. Deviam chamar mulheres que ficam com homens que lhes apetecem de outra forma, não sei, "afim" talvez… Pronto, taí, resolvi a questão: sou uma mulher afim. Se os homens que saem passando o rodo por aí não têm de carregar o peso de serem "fáceis" nas costas, por que as mulheres, o suposto sexo frágil, tem de carregar? Essa galera que acha que mulher tem que ser dama na sociedade, delicada e meiga devia se lembrar disso e pensarem duas vezes antes de nos chamarem de "fáceis", porque de uma coisa vocês podem ter certeza: não é nada fácil ser fácil.
Pra início de conversa, isso faz com que muitos homens pensem que isso significa que você vai dar uma chance a todos eles. Geralmente eles se revoltam quando descobrem que não é assim que funciona. Fico com aqueles que escolho ou aqueles que me escolhem e que, se eu os tivesse visto antes, também os escolheria. Não é como que se eu fosse uma sopa comunitária e estivesse me distribuindo pra toda pobre alma que venha me tomar. Eu tenho os meus critérios também. Eu seleciono, só não tanto quanto a maioria das mulheres. Ah, e muito importante: sem joguinhos. Odeio joguinhos. E não to falando do processo de sedução, olhares pra cá e sorrisos pra lá, mas essa parada de ficar ignorando quando na verdade você quer olhar, dizer "não" quando quer dizer "sim", isso não cola comigo. Não sei aonde que está escrito que cu doce é obrigatório ou que eu sou menos digna de respeito por fazer o que eu tenho vontade.
Falar nisso me faz lembrar de uma coisa que realmente me irrita nessas listinhas "10 Coisas Que Os Homens Adoram/Odeiam Em Uma Mulher". Sabe o que eles fazem? Pegam uma fórmula que parece verdadeira, jogam tudo no liquidificador, colocam a massa que se formou em uma garrafinha e depois a etiquetam com o nome "Mulheres". Sim. Eles juram que somos todas iguais - assim como muitas de nós juramos que eles também são –, mas esse é um erro grosseiro. Pra mim, o pior deles.
Dizem que somos passionais. Sensíveis. Apaixonadas. Maternais. Sexo? Só se for com amor. Que ocultamos nossas intenções e sempre queremos que adivinhem o que pensamos. O homem (ou a mulher) que esperar tudo isso de mim vai levar um choque de realidade que nem sei se vai agradar. Se eu gosto de você, eu vou demonstrar da exata maneira que eu quero demonstrar; não sou lá tão movida às paixões como querem dizer que sou só por ser mulher. Se você me interessa, eu vou demonstrar seja lá como for, de um jeito carinhoso ou de um jeito mais agressivo, depende do sentimento que você me desperta. Se eu gosto da sua companhia, eu vou demonstrar sem rodeios ou omissões. Se você não está fazendo a porra do oral direito, eu vou demonstrar e ainda te chamo um táxi.
Não sei se ser assim me torna uma pessoa rude, mas em minha defesa, também não sou do tipo que me ofendo fácil. E é o mínimo, né? Até porque eu não estaria com nada se eu quisesse ser a dona da verdade, dizendo e fazendo o que bem entendo, pra depois sair toda magoadinha quando me devolvessem o gesto. Não, não é assim. Eu dou liberdade pra que ajam parecido comigo e rapidamente esses desencontros e desarmonias ficam só na memória, virando fontes cruciais para que eu aprenda com os meus erros e não volte a repeti-los.
De um modo bem geral, posso dizer que sou uma boa pessoa. Sou independente, pago minhas contas, não faço barulho depois das 22 horas, não ando de salto alto no apartamento e sempre cumprimento pessoas no elevador. Sim, eu diria que sou uma cidadã bastante ajustada. Entretanto, isso não parece ser suficiente pra que gostem de mim ou pra que eu conquiste amizades. Não se preocupem, eu não to choramingando, só to me referindo a essas pessoas que torcem o nariz quando me veem, como os meus vizinhos, por exemplo, que fazem cara feia quando dão de cara com um dos meus convidados e percebem que não é o mesmo de outro dia. Eu fico me perguntando se é sério mesmo que eles não gostam de mim por causa disso ou se é porque eu costumo chegar da rua de manhã com roupa e maquiagem de festa. Independente de qual das duas opções, fico puta (nota mental: comentar sobre "ficar puta" futuramente) com isso. Eu sempre me cuido pra não fazer tanto barulho e até troquei de cama, pra ela não ranger tão alto como antigamente. Mas por que a vida sexual alheia parece incomodar tanto? Será que essas pessoas queriam viver como eu vivo, mas suas amarras sociais não as permitem e elas me censuram assim como censuram a si mesmas? Bom, eu não sei. Às vezes não é nem uma questão de inveja e eu tento justificar assim pra desqualificá-las também… Mas já que não se trata disso, será que é tão difícil cuidar da própria vida e deixar a dos outros em paz?
"Mas também, você caça motivo né?". Não, não caço. "Garanto que mulher que se dá o respeito não passa por nada disso".
Dar-se o respeito, pois é. Acho que temos definições um tanto ímpares se vocês compartilham dos pensamentos acima. Eu respeito as minhas vontades, respeito, inclusive, as vontades alheias – claro, se vocês não levarem em consideração que quererem que eu me vista ou me comporte como freira seja uma vontade. Eu sei o lugar e a hora de ligar meu modo piriguete; não corrijo se acharem melhor dizer que estou piriguete. Na realidade, na maior parte do tempo, eu me visto como qualquer outra pessoa, falo como qualquer outra pessoa, trabalho como qualquer outra pessoa. Os maus tratos que recebo se dão muito mais por boatos e pelo meu grande erro de ter me envolvido com alguns colegas de trabalho, que mesmo que isso tenha acontecido em uma esfera totalmente privada e que o que fiz com eles não foi nada muito além do que fizeram comigo, a fama ruim sempre fica com a dona do "sexo frágil".
Se realmente somos o sexo frágil e ainda assim os machões deixam que soframos as consequências sozinhas, acho que, definitivamente, do outro lado temos o sexo covarde, não é mesmo? Mas querem saber do que mais? Desde que isso não me deixe desempregada, sinceramente? Que venham as consequências. Eu me recuso a me curvar e me desculpar por algo que eu não me envergonho, não me arrependo e que eu não acho errado. É isso aí, pode me chamar de orgulhosa, até porque não existe outra palavra melhor que "orgulho" para expressar o que sinto por ser exatamente quem eu quero.
Agora olhando pra trás e vendo todas essas coisas que eu disse, fica parecendo que eu tenho uma vida vazia, de badalação nos sábados à noite e de muita solidão nos dias comuns. Posso até concordar que não sou uma pessoa de muitos amigos, já que as mulheres ou me encaram como possível ameaça em seus relacionamentos ou acham que eu sou burra demais para conversarem comigo e os homens ou só querem um sexo casual ou me descartam como um ser humano capaz de estabelecer vínculos. Também concordo que é possível encontrar pessoas que fugiriam dessas aparentes regras e que descobririam (diria até que se surpreenderiam) que sei conversar e criar laços, mas a verdade é que não me preocupo muito com isso. Sou feliz com o pouco que tenho, que é uma mãe moderna – e um tanto sem noção, se quer saber –, um pai respeitoso, uma irmã e uma prima que funcionam, mais ou menos, como minhas melhores amigas. Viu? Não sou essa imagem semelhança da solidão que ficou flutuando no ar.
E é bom eu ter mencionado a minha família, pra mostrar que sou assim porque sim. Não sofri nenhum trauma de infância ou desilusão amorosa, tampouco quero afrontar meus pais, até porque já passei dessa idade. Eles me deram uma criação quase que tradicional, tirando o fato de a minha mãe falar de sexo comigo desde os meus 10 anos e de que o meu pai foi o primeiro a saber quando eu perdi a minha virgindade – tudo bem, admito, cedo demais.
Antes que venham com vinte e cinco pedras pra atirarem na minha mãe, já que "a mãe sempre tem culpa de tudo", saibam que ela nunca me incentivou a iniciar tão cedo a minha vida sexual – que começou aos 13, não aos 10, como acho que ficou parecendo. Acontece que ela sempre percebeu a minha inclinação pra "essa vida" e não quis me deixar desinformada, provavelmente grávida e sem rumo quando eu chegasse aos 15. Ela me aceita como sou desde sempre, assim como meu pai, que apesar de não me julgar ou de me repreender por ser assim, sei que ele preferiria que eu fosse diferente. Talvez um pouco mais como minha irmã caçula, um tanto mais doce e discreta, romântica e recolhida em seu canto. Assim como eu nunca fui esse tipo de menininha, ele também nunca quis me mudar. Eu até me lembro de quando apresentei meu primeiro namorado a ele, eu tinha 6 anos. Meu pai tinha ido me buscar na escola e de mão dada com o garotinho, eu anunciei: "Pai, olha o meu namorado"; eu me lembro de tê-lo visto rir, mas só depois eu entendi que ele ficou sem graça com a situação e a sua expressão facial indicou que ele já previa que tipo de garota eu seria. Não acho isso bonito, mas também não acho feio, entende? As coisas simplesmente foram assim.
Pausa na divagação, porque acho que o Evandro tá acordando.
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