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NOJO
Marcelo Alario Ennes

Essa semana eu liquidei uma infestação de moscas gigantes aqui em casa. Sim, há moscas, e das grandes, em Lisboa. Desculpem-me meus amigos ecologistas... Mas eram elas ou a gente... Depois de consumar o ato, pensei comigo:
- As pessoas já não podem dizer: Mas o Marcelo? Imagine, ele é incapaz de matar uma mosca!
Pois eu matei. E foram várias.
Ao final da matança fiquei bem enjoado. Vê-las paradas junto à janela, o cheiro do veneno e depois ter que recolher todas com uma pá e vassoura... Como se não bastasse, tive a magnífica ideia de jogar as minhas vítimas no vaso sanitário. A intenção era me livrar rapidamente. Enviá-las para um lugar bem distante para poder encerrar de vez o combate com minhas inimigas. Mas o tiro, para manter o vocabulário em um cenário de guerra, saiu pela culatra. Como vingança, mesmo depois de mortas, as moscas não desciam pela descarga por mais que eu insistia ao apertar a válvula repetidas vezes. Tive que recolher os insetos mortos novamente na pá e jogá-las no cesto de lixo e finalmente descarta-las.
O veneno ainda impregnou a sala com o cheiro e a lembrança das moscas por alguns dias.
Depois da operação, que se encerrou quando levei o lixo para a lixeira em frente de casa, .voltei ao computador para continuar a trabalhar. Mas não foi fácil. O estômago estava embrulhado e isso impediu que minha concentração retornasse com facilidade. É incrível como o estômago e o cérebro estão interligados. Quando um padece o outro não funciona direito. O nojo bloqueia a razão.
Lembrei-me da veemência e frequência como a palavra nojo tem sido empregada pelas pessoas para comentar e criticar o atual quadro político e eleitoral brasileiro. Um dia desses um amigo meu postou uma montagem onde os rostos de vários políticos aparecem no corpo de ratos que se espalhavam por um esgoto em céu aberto. Também me fez recordar de uma amiga. Ao se justificativa por ter me excluir do facebook disse:
- Marcelo eu sinto nojo desse governo! Para depois silenciar o nosso convívio virtual em definitivo.
Eu que havia acabado de matar as moscas e de retirá-las da privada para dar-lhes o descanso eterno no saco de lixo, pude então entender o que minha amiga estava a dizer. E olhem que eu só tinha argumentado que mostrar a Dilma amarrado no Lula, uma alusão ao início da onda linchamentos no Brasil, não contribuía em nada para o debate político.
O nojo é realmente uma sensação muito forte. Mas ele mais nos paralisa do que nos faz agir. Ou, se nos faz agir, o faz às cegas. Mais ou menos como eu agi ao buscar a lata de inseticida e disparar o spray em direção às minhas visitantes indesejadas dizendo para mim mesmo, entre um regurgito e outro:
- Morram, moscas, morram!!
Claro que a gente não escolhe o objeto de nosso nojo. A motivação está em algum cantinho escondido entre nosso cérebro e nossas emoções. Algo que foi implantado ao longo de nossa vida seja de modo silencioso e sutil por meio, por exemplo, de mensagens subliminares; seja de modo explícito e brutal produzido por um trauma.
O nojo é uma forma de autodefesa. Produz náuseas. Por senti-lo com força, nos dá a certeza que de que é verdadeiro e de que não é uma falsidade, uma invenção, uma mentira. Ninguém é capaz de dizer que eu não sinto nojo porque ele está dentro de mim.
Talvez por isso, em um momento em que perdermos as esperanças e desconfiamos de tudo e todos, voltar para nós mesmos e, ao encontrar algo do qual não se pode duvidar, sentimos segurança e conforto. Mesmo que esse algo seja o nojo.
No caso das moscas, o nojo turvou a minha capacidade de pensar e de me concentrar durante alguns minutos e tive que esperar antes de voltar ao trabalho que me esperava no computador. E nessas eleições? Haverá tempo para esperar o nojo passar? Que escolha faremos com o estômago querendo sair pela boca?


Biografia:
Nasci em Santo André/SP em 1966. Muito cedo mudei para Ilha Solteira/SP onde vivi até os 17 anos. Conclui meu ensino médio em Bauru/SP, em parte bancado por bolsa por nadar no Clube Luso Brasileiro. Estudei na UNESP de Araraquara entre 1985 e 1998. Período em que fiz minha graduação, mestrado e doutorado na área das Ciências Sociais. Hoje vivo em Aracaju/SE. Sou professor do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe no Campus de Itabaiana. Sou casado com Sandra Archila Ennes e pais de Isabela Túbero Ennes, Arthur Archila Ennes e Felipe Archila Ennes.
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