Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Tinta vermelha
Rafaela de Oliveira Pinto Alves


Já passava da meia-noite quando notou os dedos doloridos. Quantas horas tinha ficado ali escrevendo? Três? Quatro? Doze? Havia há muito perdido a noção de tempo. Piscou com força, repetidas vezes, tentando voltar à realidade. Onde estava mesmo? Olhou em volta, reparando, pela primeira vez em horas, no cômodo em que estava. As paredes descascadas, as goteiras no teto, a mobília gasta e envelhecida lembraram-lhe de que não estava em casa. Remexeu-se na cadeira, desconfortável. Esta respondeu com um rangido irritante. Pensou em todas as coisas que andara escrevendo. Será que tinha conseguido dizer tudo? E se tinha, porque o bolo ainda não sumira de sua garganta? Onde estava o alívio com o qual tanto sonhara? A leveza? Sentia a cabeça pesar, os olhos doerem, a garganta arranhar... Sentia tudo menos alívio. Tocou a arma que pesava em seu bolso, dura e fria como gelo, seca como a morte. Ele não tinha mais dúvidas do que queria, havia chegado a hora. Ela não merecia mais viver! Não depois de tudo que havia lhe feito! Seu coração virou pedra, sua alma, cinzas. Só o que restara fora a dor. Levantou-se rápido demais, o que lhe provocou tontura. Sentiu a visão embaçar. Mas não podia desistir agora, estava tão perto de se libertar! Foi quando reparou no corpo. O corpo inerte que ao seu lado jazia, num sono muito profundo. Percorreu os olhos pelos cachos ruivos recém-pintados, descendo a visão pela testa estreita. Demorou-se nos lábios. Lábios carnudos, frescos e muito vermelhos. Vermelhos cor de sangue. Aliás, tudo nela era sangue: O cabelo, os lábios, a roupa... Como se estivesse predestinada. Lembrou de todas as vezes que aqueles lábios haviam lhe sussurrado palavras doces. Vacilou. Mas aquilo havia sido em outro tempo, em outra vida- lembrou. Aproximou-se para um último beijo. Um último adeus. Quando tocou seus lábios, um choque! Estavam frios, rígidos, nada da suavidade a qual tanto estava acostumado. Então reparou na ferida. O buraco grotesco que se abria em seu doce ventre. Mas como? Levantou-se horrorizado. Foi aí que se lembrou: da bebida, dos comprimidos, da carta. Olhou para suas mãos, embebidas em sangue seco. A tinta! Vermelha, viscosa... A tinta era sangue! O sangue dela! Desmaiou, caindo com um baque no chão.


Biografia:
Número de vezes que este texto foi lido: 61628


Outros títulos do mesmo autor

Romance Fome de Vingança Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Tinta vermelha Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos As Harpias Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Morro de saudades Rafaela de Oliveira Pinto Alves
Contos Uma Lição que aprendi por aí Rafaela de Oliveira Pinto Alves


Publicações de número 1 até 5 de um total de 5.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Os Dias - Luiz Edmundo Alves 63181 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 63125 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 63032 Visitas
Namorados - Luiz Edmundo Alves 62956 Visitas
Negócio jurídico - Isadora Welzel 62942 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 62933 Visitas
Viver! - Machado de Assis 62921 Visitas
A ELA - Machado de Assis 62852 Visitas
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62835 Visitas
Eu? - José Heber de Souza Aguiar 62772 Visitas

Páginas: Próxima Última