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Uma Lição que aprendi por aí
Rafaela de Oliveira Pinto Alves

Escrevo por uma necessidade de palavras. Palavras que unam os fragmentos que se espalharam por aí. Talvez ninguém leia o que escrevi, mas escrevo ainda assim. Para que possa preencher as lacunas e me tornar inteira novamente, ou pela primeira vez...




Uma Lição que aprendi por aí


Fora uma noite conturbada. Pesadelos e mais pesadelos lhe haviam perturbado o sono. Acordou, sentando-se apressadamente na cama. Sentia-se mal. A mente embaralhada sob efeito dos comprimidos tentava em vão organizar-se. Olhou as paredes úmidas e sem enfeites. Sentiu frio. Muito frio. Pés, mãos e espírito gelados. Sentiu calor. Garganta, testa e peito queimando. As entranhas derretendo, revirando e misturando-se feito sorvete quente. Calor e frio combinando-se na exata proporção do insuportável. Deixou-se cair novamente, sem forças para levantar. Os lençóis encharcados, talvez de suor, talvez de lágrimas. Sentiu um vazio estranho, uma sensação de que as coisas não estavam como deveriam. Como se a cama fosse grande demais, o lençol áspero demais .Tocou o próprio rosto, como se quisesse lembrar quem era, mas já não pudesse se enxergar. Ou talvez, pensando bem, apenas desejasse confortar -se, acariciar aquilo que ainda restara de si. Respirou fundo; tentando, juntamente com o ar, aspirar a vida. Foi então invadida por um cheiro cálido. Brutalmente doce, suavemente masculino. Embalada pela fragrância, adormeceu e teve bons sonhos. Quentes e confortáveis como são as nuvens na imaginação das crianças bem pequenas. Algodões doce flutuantes. Mas, ao acordar, a realidade atingiu-a feito um soco no estômago. Cruel, visceral. Ele ainda não estava ali. Nunca mais estaria. Estava morto. Ou talvez nunca tivesse existido. Pelo menos não da forma como imaginara. Teria sido uma peça pregada pelos seus desejos? Uma invenção sob encomenda do inconsciente? Levantou devagar, como que temendo machucar-se ainda mais. Enfiou um vestido velho. Foi à cozinha beber água, a garganta entupida com os fragmentos do que fora, misturado àquilo que poderia ter sido. Sorveu o líquido cautelosamente para não engasgar-se.   Sacudiu a cabeça em uma tentativa ridícula de afastar os maus pensamentos. Estalou os nós dos dedos, ansiosa. Desejou ligar para alguém, mas estava tarde. E não havia ninguém para quem ligar, lembrou-se. Sentiu-se sufocar. Não havia ar suficiente ali! Precisava acalmar-se. Como era mesmo aquele exercício de respiração que lhe tinha ensinado a psicóloga?

Lembrou-se. Praticou-o. Com a mente menos conturbada, pode perceber uma brisa que adentrava por uma fresta na janela. Fresca e lépida, vinha trazendo os aromas da manhã: Café, pão quentinho, orvalho. Ia fechar a janela, mas, surpreendendo a si mesma escancarou-a. Botou a cabeça para fora. Então de repente, não mais que de repente, tudo mudou. Foi sugada por um turbilhão de cores e sensações. Estava em outro lugar. Mas não estava só. Um rosto desconhecido sorria-lhe um sorriso de mil faces. Seria um anjo que vinha arrancar-lhe do limbo? Mas não. Era real. Tinha a boca feita de carne macia e rosada. Era gentil. Cheirava ao mar; inspirando, como esse, mistérios, em uma muda promessa de tesouros infinitos...
Piscou os olhos. Ele já não estava lá. Em seu lugar uma lembrança, um sonho, um livro. Estava de volta ao seu quarto. Nada havia mudado. Mas não se sentia triste. Havia compreendido que as pessoas demoram-se apenas o suficiente para aprender e ensinar aquilo que precisam. Depois seguem em frente...   O vazio e as paredes sem enfeites tinham agora as cores do universo. Seriam preenchidos, pouco a pouco, com sol, folhas, neve, flores...Seriam preenchidos com vida! E de pensar que outrora se contentaria com quadros: Bonitos, mas estáticos. Inertes . Com a arrogância inerente as coisas que se imaginam perfeitas. Em vez de quadros, queria agora janelas. Em vez de vazios, oportunidades...
Relanceou o o relógio. Não poderia ser assim tão tarde, poderia? Era! Estava ficando atrasada. Demorara-se demais no mergulho interior. Já na saída, vislumbrou um espelho. Sorriu. Um rosto conhecido sorriu-lhe de volta um sorriso de mil faces. Hesitou. Será que o sorriso chamaria atenção exagerada.? Sim, decidiu. Ninguém iria compreender. Respirou fundo, foi ao armário, escolheu um rosto,   vestiu-o cuidadosamente e saiu cantarolando por aí. ..



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