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A VECCHIAIA È BRUTTA
Velhos amigos
Moacyr Medeiros Alves

Relembrando o tempo em que viveu no pedaço por onde caminhava, onde nasceu e passou a infância e boa parte da mocidade, Alberto, agora septuagenário, carregando nas costas o peso de mais de sete décadas de existência, vinha absorto pela rua Madre de Deus quando avistou uma fisionomia que lhe pareceu familiar vindo, pela mesma calçada, em sentido contrário.

--- Se a vista não me engana, estou vendo meu velho amigo Alfredo!... disse, entusiasmado, ao cruzar com o outro velhinho que dele se aproximava.

     Estoutro, surpreso com a inesperada abordagem, olhou sério para Alberto e ajustando os óculos de grossas lentes para melhor visualizar o interlocutor, respondeu com visível espanto:

--- Cáspite! Não acredito no que estou vendo! Devo estar delirando! Você ressuscitou Alberto? Correu o boato que você tinha morrido!

--- Bate nessa boca, ave agourenta! Quem disse essa blasfêmia contou uma deslavada mentira! Eis-me aqui, em carne e osso. É certo que apenas o que restou daquele guapo rapazote que você conheceu em épocas remotas!                                   Acho que foi o sacana do Cantídio quem divulgou essa inverdade a respeito de minha morte. Ele ficou bronqueado por eu ter roubado sua namorada, a Solange, com quem me casei em seguida. Que insensato imbecil! Ele não se deu conta da fria em que entrei, e da qual o livrei! Mas quem morreu de uma morte realmente morrida foi o meu xará, o Beto Turrão. Lembra-se dele?

--- É lógico. Apelidaram-no de Beto Turrão porque ele era mais teimoso do que duas éguas no cio; doido pra contradizer os amigos. Mas era um bom camarada. Eu gostava dele. Que Deus o tenha!

--- Eu também me dava bem com ele. Era um excelente meio-campista. Dava botinada até na sombra. Se a bola passasse, o adversário ficava; “e vice-versa”, como ele mesmo costumava dizer. “Cumigo é no vice-versa! Se um passa, o otro fica.”

--- Até a morte tem seu lado poético, Alberto! Veja você: a morte do Beto Turrão, nosso amigo de saudosa memória, trouxe-nos à lembrança nosso inesquecível São Jorge Futebol Clube, melhor time de várzea da Moóca e região circunvizinha, onde, como se dizia na época, “militamos em seu aguerrido plantel por anos a fio, deliciando-nos, nesse longo período, com o doce sabor das vitórias, quando não amargávamos o acre sabor das derrotas!” Bons tempos aqueles, né, Alberto?

--- É, Fredo! Bons tempos que “ya no vuelven más”! Mas me conta, como você tá? Faz uma cara que a gente não se vê, não?

--- Acho que está pra mais de 50 anos. Você se mudou e nunca mais deu as caras pra rever os amigos. Eu fiquei por aqui mesmo. Casei-me, fiquei viúvo, casei de novo. Grande besteira! Levei chifre; separei. E estou por aqui... E você?

--- Eu me casei também, você se lembra. Casei-me com a Solange, que namorava o Cantídio e vivia me dando bola. Ela era um tesão, e eu, bobão, entrei na dela. Casamos na delegacia. Eu tirei seu cabaço, ou melhor, “a desvirginei”, como me foi dito pelo pai e pelo irmão dela: “ela é “di menor”, você vai ter de responder por seu ato, seu galã de porta de cinema”. Casei e me mandei, pra não ouvir gozações . Para não viver aqui no bairro, pedi transferência para uma filial da firma em Vitória, no Espírito Santo.

--- É... eu soube. Às vezes a gente tinha notícias suas por seu primo Porfírio, com quem você mantinha correspondência. Ele até me convidou pra ir com ele visitá-lo em Vitória. Mas nunca deu certo. E a Solange? Não gostou de Vitória? Voltou pra cá depressinha!

--- Pois é, Fredo... Eu fui como gerente da filial da firma. Não tinha muito tempo para ficar com ela. Não sei se por isso, ou porque ela era mesmo uma vaca, logo de cara me causou problema. Eu, pra não ser perseguido por sua família, que tinha fama de truculenta, escrevi para o seu pai contando o fato e avisando que ia mandá-la de volta. Pedi ao advogado da empresa que entrasse com o pedido de desquite -- naquele tempo ainda não havia o divórcio, -- e livrei-me do problema. Ainda bem que ela não engravidou. Senão ia ser mais complicado. E o que foi feito dela? Nunca mais tive notícias.

--- Ela voltou a namorar o Cantídio, mas durou pouco. O pobre era gamadão nela. Depois, consta que ela se enrabichou com um fazendeiro gaúcho e foi morar em Caxias do Sul. E o coitado do Cantídio está aí, solteiro até hoje.

--- Babacão, esse Cantídio! Se a Solange ainda estiver viva, deve estar um bucho. A beleza na mulher é efêmera; paga ônus à idade. Pensando bem, nós dois é que agimos com correção. Levamos chifre, mas não fizemos besteira. Tem trouxas que agridem ou até matam a mulher ou o rival. Babacas! Você já pensou, entrar em cana por uma mulher que não merece sua amizade? Isso não é amor; é falta de inteligência; falta de amor-próprio, isto sim! Além de uma grandeimbecilidade!                                                                      E o resto da turma, Fredo, onde anda?                                   
-- Os que não foram chamados pelo Divino nem se mudaram, andam por aí. De vez em quando a gente cruza com um deles. Mas você, Beto, ainda é bom de sinuca?

-- Ih... Alfredo... faz uma cara que não jogo!

-- Você era o melhor taco do bairro. Ganhava de todo mundo. Você chegou a jogar com o Carne Frita, não foi?

-- Não... Não cheguei a jogar. Vocês me incentivaram, dizendo que eu tinha jogo para encará-lo. Superestimaram minha capacidade. Mas eu, que conhecia a fama de melhor taco do Brasil que ele ostentava, quis vê-lo jogar primeiro. Você não se lembra? Fomos numa pequena caravana ao salão que ele freqüentava na Avenida Ipiranga, perto da Avenida São João. O homem era demais. Não errava uma tacada. E tanto matava como defendia com precisão.
Hoje o taco mais famoso é o Rui Chapéu. Eu o vi na televisão. Mas o Rui Chapéu não chega aos pés do Carne Frita.

-- É, Beto... Agora me lembrei: fomos ver o Carne Frita jogar e você amarelou; tirou o cu da seringa. Fez bem. Jogar com ele, valendo dinheiro, seria o mesmo que tratar burro a pão-de-ló.

-- Como é bom relembrar a juventude, Fredo! Você está com pressa? A gente podia tomar uma cervejinha pra continuar a prosa!

--- Vai me desculpar, Beto. Estou indo à casa de minha filha. É aniversário de minha neta. Mas eu lhe dou meu telefone. Você me liga e a gente combina uma outra hora. Tá bom?

--- Certamente, Fredo! Vamos combinar de fazer uma parceirada na sinuca. Você leva mais dois da antiga turma pra jogar contra nós. Valendo o tempo e as cervejas, é claro! Caro amigo, foi um acachapante prazer tê-lo encontrado! Dê um beijão em sua netinha, Fredo. Eu lhe ligo um dia destes.
Tchau tchau bambino!




    



Os dois velhinhos, que foram grandes amig


Biografia:
- Moacyr Medeiros Alves, o Moa, como gosta de ser chamado, nasceu em Agudos (SP) em 08/03/1936, já órfão de pai -- seu pai faleceu 6 meses antes de seu nascimento. Sua mãe, viúva com 5 filhos, mudou-se em princípios de 1.940 para a capital do estado, indo morar em habitações coletivas, os chamados cortiços, no bairro do "Bixiga", onde ele passou a infância. Em dezembro de 1.950 o Moa, que já trabalhava desde os 9 anos de idade, ingressou como "office-boy" na organização Philips, empresa holandesa do ramo eletrônico. Trabalhando de dia e estudando de noite, conseguiu, com sacrifício, concluir o curso técnico de contabilidade. Em 1.959, aprovado em concurso público, entrou para o quadro de escriturários do Banco do Brasil onde trabalhou até 1.982, aposentando-se como gerente-adjunto da agência de Itararé (SP). Grande apreciador do cancioneiro popular brasileiro, do período que abrange a denominada "Época de Ouro" de nossa música, tem em sua discoteca, entre LPs e CDs, obras de quase todos os cantores e instrumentistas do tempo em que -- como dizia o radialista Rubens de Moraes Saremento -- "as fábricas de pandeiro davam lucro". Além de escrever "abobrinhas", como ele próprio define seus escritos, o Moa tem ainda como "hobby" a leitura e a fotografia.
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