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MANÉ FACÃO
Moacyr Medeiros Alves

Não sou do Paraná, mas morei em Curitiba, capital daquele estado do sul, por mais de 20 anos. Faço este pequeno comentário para mostrar ao leitor aonde foi que recolhi esta história atribuída ao folclórico personagem conhecido por Mané Facão, figura central desta narrativa.
O Mané, ou Maneco Facão, faleceu em 1.946, quando eu tinha apenas 10 anos de idade e, nessa época, jamais poderia imaginar que um dia iria residir na bonita “Capital das Araucárias”, a terra do “leite quente”, onde o Mané viveu muitos anos, e onde passou desta para melhor.
Mané Facão, como sabemos, é certamente o apelido de alguém chamado Manoel ou Manuel; sugere, ao mesmo tempo, ser alcunha de algum bandido truculento e psicótico semelhante a um cangaceiro nordestino tipo Lampião, ou, então, a um temido e sanguinolento facínora, como Dioguinho, Sete Dedos, Chico Picadinho, Boca de Traíra, Promessinha, e tantos outros que se notabilizaram pela violência sociopática e pela falta de respeito e de amor ao semelhante.
Só que quem apostou que “Mané Facão” era alcunha de algum famigerado bandoleiro, enganou-se redondamente.
Mané Facão foi um exemplar e respeitável cidadão nascido em 08/03/1873 em Ponta Grossa (PR), que, graças a sua honestidade e capacidade administrativa, exerceu três importantes cargos executivos: o de administrador da Cooperativa dos Empregados da Viação Férrea do Rio Grande do Sul; o de prefeito da cidade de Santa Maria (RS); e, durante 13 anos, ora como interventor, ora como governador, o de primeiro mandatário do Estado do Paraná.
E o cognome “Mané Facão” foi-lhe atribuído exatamente em decorrência de um radical e necessário ato administrativo que decretou como governador do Paraná.
Ao tomar posse no cargo para o qual foi nomeado pelo então presidente Getúlio Dorneles Vargas, Manuel Ribas – este o seu nome verdadeiro, -- deparou-se com uma situação insustentável: a folha de pagamento do Estado absorvia praticamente toda a arrecadação de impostos e taxas estaduais, pouco sobrando para a condução de obras e de outros serviços pertinentes à sua responsabilidade de administrador. Destarte, para conseguir fôlego para governar, Manuel Ribas viu-se forçado a fazer drástico e inevitável corte no quadro do funcionalismo público estadual. Essa necessária providência causou enorme rebuliço na provinciana Curitiba da época, deixando muitos apadrinhados políticos nomeados por governos anteriores, que se julgavam intocáveis na confortável sinecura em que recebiam sem trabalhar, perderem a privilegiada boca-rica. E como “facão” é instrumento de poda, o eficiente governador recebeu a alcunha de “Mané Facão”.
Agora que já o apresentamos, vamos à história que dizem ter sido protagonizada por ele como governador do Paraná.
Quando o fato que vamos relatar ocorreu, o Palácio São Francisco era residência oficial do governador e, conseqüentemente, sede do governo. O Palácio São Francisco é um casarão de dois pavimentos localizado no Alto do São Francisco, aprazível bairro curitibano. O prédio, que após a mudança do governo para o Palácio Iguaçu, serviu durante muitos anos de sede ao TRE - Tribunal Regional Eleitoral, Seção do Paraná, foi reformado e tombado pelo Patrimônio Histórico do Estado, abrigando hoje o Museu Paranaense.
Então o Mané Facão governador, homem simples e de hábitos rotineiros, que residia e despachava naquele casarão, era madrugador; saltava da cama aos primeiros cocoricares dos galos da vizinhança.
Habitualmente, nesse horário alvorejante, ele fazia um passeio pelas ruas circunjacentes, voltando ao Palácio antes do início do expediente para cumprir sua missão de governante.
No dia da ocorrência que vamos relatar, ao chegar às proximidades do portão que permitia o acesso do público ao interior do Palácio, notou que apesar de muito cedo já havia um cidadão plantado à espera da abertura do portão. Fato inusitado, pois era sabido que o expediente só abria às 8:00 h, e não eram nem 6:30 da manhã ainda.
Curioso, sem se identificar, como se também fosse alguém que chegasse para aguardar a abertura do expediente, Manuel Ribas entabulou conversa com o cidadão -- (Aqui uma observação: Naquele tempo em que não havia televisão, a cara dos homens públicos era pouco conhecida. Mesmo nos jornais impressos, suas fotos eram fotos de má qualidade. Então o Mané Facão, ainda mais com o chapelão que usava em seus passeios matinais, sabia que era pequena a probabilidade de ser identificado ao acercar-se do cidadão madrugador), dizendo:

-- Chegamos um pouco cedo, né compadre! O expediente só abre às 8.
-- É... Quero ser o primeiro a ser atendido. Tenho de voltar ainda hoje pra minha terra e as estradas estão uma vergonha. Preciso pegar o ônibus do meio-dia pra não chegar muito tarde!
-- Ah! O senhor não é daqui? Vem de onde?
-- Sou prefeito de Mangaratiba do Sul (*), e vim pedir ao governador que construa uma ponte sobre o rio Jurubeba (*), que separa minha cidade de Curitiba e do sudeste do país. A falta de uma ponte para encurtar a distância encarece o transporte de nossos produtos agropecuários, pois a única que atravessa o rio fica a mais de 50 quilômetros da minha cidade; isso nos tem impedido de enfrentar a concorrência e obstado o desenvolvimento da região.
-- É... Parece-me uma pretensão razoável. Eu também, se fosse o prefeito da cidade, estaria reivindicando esse melhoramento, observou Manuel Ribas, como se fosse um mero interlocutor do angustiado prefeito.
Mas a curiosidade do ex-prefeito que enfrentara inúmeras vezes problemas semelhantes, agora, na condição do santo milagroso que tinha o condão de solucionar a questão, fê-lo completar a observação com a maliciosa pergunta:
-- Mas se ele não atender sua pretensão?
-- Minha pretensão é exeqüível, fácil de ser atendida. E trará progresso à região e, conseqüentemente, ao Paraná! Isso implica em aumentar a arrecadação do estado. Se ele não me atender, vai demonstrar ser um governador bunda-mole, um incompetente, e eu vou mandá-lo à PQP!
Manuel Ribas, o Mané Facão, ouviu com serenidade o desabafo do agastado prefeito, desejando-lhe, inclusive, boa sorte. E, despedindo-se, disse-lhe que seu assunto não era tão urgente, que voltaria ao palácio em outra ocasião.
Ato contínuo contornou o edifício entrando pelo acesso privativo e dirigiu-se a seus aposentos, preparando-se para encarar mais um dia de desgastante trabalho.
Mané Facão sabia que naquele dia o início de sua jornada de trabalho seria extremamente difícil.
Teria de ouvir o pleito do prefeito de Mangaratiba do Sul (*), primeiro da fila, que trazia uma pretensão legítima mas que atendê-la custaria ao Estado verba indisponível no momento.
Entretanto, sua honestidade, sua experiência anterior como prefeito de cidade interiorana, sua sagacidade de homem público e seu senso de humor, levaram-no a confiar num desfecho inteligente à entrevista que teria com aquele administrador, que na conversa informal que com ele mantivera na entrada do Palácio se mostrara matreiro e bom de argumentação, além de um tanto agressivo.
Mas como “la noblesse oblige”, o diligente governador pediu a seu secretário que fizesse entrar o primeiro.
E entrou em seu gabinete o tal prefeito que, embora surpreso, conseguiu não demonstrar o desconcerto e manter a postura.
-- Pois não, meu senhor! Em que posso servi-lo? Disse-lhe Manuel Ribas, para iniciar a conversação, agora oficial.
O prefeito de Mangaratiba do Sul repetiu com maior ênfase e mais rica explanação o que havia dito na conversa informal que mantivera embaixo com o cidadão que desconhecia ser o governador.
Manuel Ribas então, até um pouco preocupado com a reação de seu interlocutor, perguntou-lhe:
-- Mas se eu não puder atendê-lo, como é que fica?
-- Fica como combinamos lá embaixo! respondeu-lhe o manhoso prefeito.

* Nomes fictícios.


Biografia:
- Moacyr Medeiros Alves, o Moa, como gosta de ser chamado, nasceu em Agudos (SP) em 08/03/1936, já órfão de pai -- seu pai faleceu 6 meses antes de seu nascimento. Sua mãe, viúva com 5 filhos, mudou-se em princípios de 1.940 para a capital do estado, indo morar em habitações coletivas, os chamados cortiços, no bairro do "Bixiga", onde ele passou a infância. Em dezembro de 1.950 o Moa, que já trabalhava desde os 9 anos de idade, ingressou como "office-boy" na organização Philips, empresa holandesa do ramo eletrônico. Trabalhando de dia e estudando de noite, conseguiu, com sacrifício, concluir o curso técnico de contabilidade. Em 1.959, aprovado em concurso público, entrou para o quadro de escriturários do Banco do Brasil onde trabalhou até 1.982, aposentando-se como gerente-adjunto da agência de Itararé (SP). Grande apreciador do cancioneiro popular brasileiro, do período que abrange a denominada "Época de Ouro" de nossa música, tem em sua discoteca, entre LPs e CDs, obras de quase todos os cantores e instrumentistas do tempo em que -- como dizia o radialista Rubens de Moraes Saremento -- "as fábricas de pandeiro davam lucro". Além de escrever "abobrinhas", como ele próprio define seus escritos, o Moa tem ainda como "hobby" a leitura e a fotografia.
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