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O PULO DO GATO
Moacyr Medeiros Alves

(Este texto é uma versão pessoal de fábula que ouvi quando criança)

     Em muito priscas eras, quando Deus deu por terminado o trabalho de construção do planeta Terra, preocupado em assegurar o sucesso de sua obra uma vez que estaria empregando seu precioso tempo na continuação da edificação do Universo, escolheu, dentre os animais aqui deixados o homem para administrar o astro em que habitamos.

     Caberia ao homem resolver todos os problemas que acaso se apresentassem, e zelar pela paz e harmonia entre os habitantes, servindo de juiz nas contendas que, acreditava o Criador, seguramente inexistiriam, pois a sabedoria por Ele transmitida a seu procurador -- o bicho homem, -- e empregada nos sutis detalhes de sua Criação, asseguraria a seus habitantes convivência pacífica e fraterna.   

E realmente a paz perdurou por considerável espaço de tempo, pois a terra era um extenso e bem fornido celeiro de frutas e vegetais, que alimentava folgadamente seus habitantes sem que precisassem contender pela disputa da comida.

Ah! Ia esquecendo-me de dizer, nessa época todos os animais eram vegetarianos.

Então, nesse ambiente paradisíaco não havia dissensões: todos viviam em perene confraternização.

Mas – e aí é que deve ter sido o erro de cálculo do Criador --, nem todos os animais que aqui viviam eram iguais: uns eram enormes, outros pequenos, e outros ainda, excessivamente menores; uns eram rápidos como um bólido, outros lentos como o bicho-preguiça; uns tinham a proteção de rija carapaça contra os acidentes naturais provocados pelas intempéries; outros quedavam indefesos, à mercê do deus-dará.

As diferenças eram muitas, e algumas até exageradas. Por exemplo, a tartaruga era de uma lentidão que não podia se equiparar à velocidade do coelho ou da gazela. Em compensação, tinha na carapaça uma proteção natural que aqueles não tinham.

Havia, no entanto, animais cujas diferenças não eram tão pronunciadas, sendo alguns considerados da mesma família. A onça e o gato enquadravam-se nesse exemplo, pois, além do tamanho, só os distinguia a destreza no saltar. O gato era mais ágil e conhecedor de inúmeras opções para se deslocar de um ponto a outro do que a onça.

Foi quando ela, amiga aparentada do menor dos felinos, não se sabe porquê, pediu que ele lhe ensinasse os saltos que ela desconhecia. E o simpático bichano não se fez de rogado; aquiesceu prontamente ao pedido dizendo que acreditava que apenas umas 10 aulas seriam suficientes para ele transmitir a ela todo o seu conhecimento, combinando que as aulas seriam ministradas na parte da manhã, das 8 às 10 h, já que a temperatura matinal era mais agradável.

A onça, interessada em desenvolver rapidamente as inatas aptidões de sua espécie, que ela não herdara, comparecia assídua e pontualmente às aulas, mostrando grande interesse, e registrando elevado índice de aproveitamento, fato que envaidecia sobremaneira o dedicado instrutor.

Na penúltima aula, portanto quase no fim do curso, o gato, na demonstração de um salto mais sofisticado, pisou numa pedra pontiaguda e uma de suas patas traseiras sangrou abundantemente. Mostrando-se preocupada, a onça, agradecida pela camaradagem que vinha recebendo, para estancar o sangue sugou a pata ferida sentindo, pela primeira vez, o sabor adocicado do sangue vertido da pata do professor.

Daí, milhões de minhocas povoaram seu cérebro, e ela pensou: “Essa dieta frugívora e vegetariana está me enfraquecendo. Estou carecendo de uma suculenta carne de gato para retemperar minhas forças. Já aprendi tudo que ele podia me ensinar, e amanhã terei a última aula. Será, então, a ocasião propícia para transgredir essa cansativa dieta que, além de insossa e insípida, está me aniquilando. Vou aproveitar!” E foi dormir com essa intenção.

Na aula seguinte o gato, sempre solícito com a disciplinada aluna, só fez algumas encenações para ela relembrar o que lhe fora ensinado, elogiando-a e gracejando ao dizer: “A senhora já pode se considerar uma Senhora Gata.

E quando ele se virou, parecendo estar distraído, a onça deu um salto em sua direção tentando abocanhá-lo. Porém o gato, num ágil saracoteio seguido de habilidoso salto, deslocou-se, fazendo a aluna estatelar-se fragorosamente no chão.

Desenxabida, querendo aparentar inocência, a onça, com voz sumida, disse-lhe: “Esse salto o professor não me ensinou!”

E o gato, com as mãos na cintura, portando no rosto o sorriso cínico de quem já contava com a covarde intenção da inconfiável discípula, serenamente obtemperou:
“Este, querida prima, infelizmente não lhe pude ensinar; aliás, não há como ensinar! É privilégio inerente e exclusivo da minha raça. É o famoso PULO DO GATO!!!
    



Biografia:
- Moacyr Medeiros Alves, o Moa, como gosta de ser chamado, nasceu em Agudos (SP) em 08/03/1936, já órfão de pai -- seu pai faleceu 6 meses antes de seu nascimento. Sua mãe, viúva com 5 filhos, mudou-se em princípios de 1.940 para a capital do estado, indo morar em habitações coletivas, os chamados cortiços, no bairro do "Bixiga", onde ele passou a infância. Em dezembro de 1.950 o Moa, que já trabalhava desde os 9 anos de idade, ingressou como "office-boy" na organização Philips, empresa holandesa do ramo eletrônico. Trabalhando de dia e estudando de noite, conseguiu, com sacrifício, concluir o curso técnico de contabilidade. Em 1.959, aprovado em concurso público, entrou para o quadro de escriturários do Banco do Brasil onde trabalhou até 1.982, aposentando-se como gerente-adjunto da agência de Itararé (SP). Grande apreciador do cancioneiro popular brasileiro, do período que abrange a denominada "Época de Ouro" de nossa música, tem em sua discoteca, entre LPs e CDs, obras de quase todos os cantores e instrumentistas do tempo em que -- como dizia o radialista Rubens de Moraes Saremento -- "as fábricas de pandeiro davam lucro". Além de escrever "abobrinhas", como ele próprio define seus escritos, o Moa tem ainda como "hobby" a leitura e a fotografia.
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