O ato de dar nome aos filhos, embora não pareça, é incumbência muito séria; quase tão séria quanto à de trazê-los ao mundo.
Por isso, todo pai e toda mãe deve dispensar o máximo cuidado ao escolher os nomes que vão destinar aos recém-aportados em seus lares.
Consolidado o fato, esses nomes, quase sempre, vão acompanhá-los até a morte. Somente em casos especialíssimos nossas leis permitem a substitui- ção do nome atribuído no registro de nascimento. Isso prova a grande responsabilidade de que se reveste essa delicada tarefa.
Aos incumbidos da escolha, sugiro fazer minucioso estudo do nome ou nomes propostos, evitando aqueles que mais tarde possam parecer ridículos ou inconvenientes, o que, certamente, irá trazer problemas a seus indefesos receptores.
Devem, portanto, ser descartados nomes como: Adolfo Hitler da Silva; Leonel Brizola Corrêa; Luiz Ignácio Lulalá Nunes; Napoleão Bonaparte de Oliveira; Elvis Presley Duarte; Evita Perón da Cunha; Jáder Barbalho Ranário; George Bush Pedreira; Binladen Durão e outros mais, que, embora cumpram o elevado propósito de homenagear os ídolos e heróis dos genitores, comprometem, S.M.J., a individualidade dos filhos que serviram de instrumento a essa elogiável intenção.
Em razão disso, deixemos aos políticos a tarefa de homenagear. Eles que dêem às ruas, praças, pontes, viadutos, edifícios, logradouros e demais próprios do município, do estado ou da federação os nomes dos ídolos e vultos proeminentes da nação e da humanidade.
Saliento também que devem ser rejeitados nomes cuja união das sílabas finais de um, com as sílabas iniciais do outro, formem cacófatos, produzindo palavra esdrúxula ou obscena ou som desagradável.
Vejamos alguns nomes que devem ser evitados: Carmela Meira; Érica Della Torre; Erondina Mitt; Euzébio Tonico Fontoura; Josefa Ladeira; Josefina da Silva; Marion Sá de Alencar; Martinho Zonin; Omar Motta; Oscar Brito; Oscar Buono; Oscar Petter (o nome Oscar é dos mais perigosos); Omar Marcos Costa; Leontino Tinoco; Sofia Fialho; Solange Lange; Tomé Mello, e outros tantos que, seguramente, serão motivo de chacotas, sujeitando seus infelizes “proprietários” a toda sorte de zombarias, gozações e brincadeiras de mau gosto.
Considerando, pois, a grande responsabilidade que envolve o corriqueiro ato de dar nome a um filho, prerrogativa que quando mal exercida pode acarretar funestas conseqüências ao paciente da nominação, nunca é demais renovar a advertência: Senhores pais e senhoras mães! Cuidado! Mas muito cuidado mesmo ao escolherem os nomes de seus filhos!
Não obstante o que foi dito acima, há casos de pais conscientes, que escolhem com critério e zelo o nome de seus filhos, não logrando, ainda assim, satisfazê-los. Senão vejamos esta pequena história – verídica, por sinal – que confirma inteiramente essa afirmativa:
Aquele meu colega de trabalho cujo nome não se enquadrava em nenhuma das hipóteses mencionadas como escolha inadequada -- nunca pude saber a razão --, detestava o seu. E nada havia a justificar tamanha ojeriza. Seu nome era um nome simples, de origem bíblica, que já serviu e vem servindo a muitos homens de nomeada, sendo, por isso, muito comum no mundo inteiro.
Ele se chamava João, que poderia ser John, Jan, Jean, Jens, Juan, Johann, Giovanni, Hans ou Ivan, se em outro país tivesse nascido. João Fagundes da Silveira, esse o seu nome.
O nome do João, como se vê, nada tinha de ridículo, de obsceno, ou de extravagante; não formava cacófato, nem produzia som desagradável pela junção das sílabas. Contudo, o João não aceitava em hipótese alguma ser chamado de João. Chegava mesmo a implorar: “Por favor, colega, João é prenome! Meu nome é Silveira. Herdado da família de meu pai. Chame-me Silveira, por favor!”
A antipatia nutrida pelo Silveira ao seu nome de batismo não tinha, portanto, explicação aceitável.
No começo, logo que entrou para os serviços da empresa, seu comportamento chegou a criar embaraço aos desavisados colegas face a inusitada reação de descontentamento por ele demonstrada, quando chamado pelo nome que desdenhava.
Mas esse era o seu nome! Era o nome que constava de seus documentos! Era o nome que recebera na pia batismal! – Talvez se chamasse João por ter nascido no dia onomástico do milagroso Santo seu xará. Essa suposição é mera especulação; não posso afirmar; não conferi datas. Porém era prática usual, e ainda o é em algumas regiões do país, dar-se aos recém-nascidos o nome do chamado “santo da folhinha” Daí a conjetura. Mas isso não vem ao caso e essa digressão nada acrescenta ao entendimento do fato. Voltemos a ele, então.
O desconforto gerado pela implicância que o João consagrava ao nome João foi, aos poucos, sendo amenizado. Não por ele, que nunca conseguiu abrandar a estranha aversão; mas pelos colegas, que foram se ajustando à situação, evitando chamá-lo por João. Isso fez as coisas se normalizarem e o João, ou melhor, o Silveira, se acalmar, trazendo paz à Taba.
Empregado de valor -- responsável, dedicado, inteligente --, o Silveira, além das qualidades referidas possuía outro grande mérito: era simpático. Pois, fora aquela excentricidade relacionada ao nome, era jovial, comunicativo, participante e leal. Com todos esses atributos, esperava-se que progredisse na hierarquia da empresa. E não deu outra: aos poucos, sua capacidade e dedicação foram-lhe abrindo caminho e o Silveira, de degrau em degrau, subindo na escala funcional.
Exatamente nessa fase positiva da carreira, quando a administração passou a confiar-lhe maiores responsabilidades, o Silveira começou a namorar Rosinha, garota de seus dezenove anos, muito bonitinha, que fora admitida meses antes como auxiliar de escritório do setor de faturamento, do qual o Silveira, na época, era subchefe.
Já ganhando o suficiente para assumir o encargo de uma família, oito meses de namoro bastaram para o Silveira levar Rosinha ao altar.
Não vou outra vez digressionar comentando pormenores do enlace ou detalhes da viagem de núpcias; isto só serviria para encompridar a narrativa e transformar esta pequena história numa extensa novela. Entretanto, é preciso que se diga que o casamento do Silveira marcou época. Não pela ostentação, que não houve; mas pelo ambiente alegre e cordial que reinou na festa – farta de comestíveis e “beberíveis”, -- e pelo comparecimento massivo do pessoal da Taba: diretores, chefes, funcionários, e respectivos familiares.
O casamento do Silveira com a Rosinha foi mais que uma comemoração de bodas: foi verdadeira festa de confraternização, onde reinou o salutar espírito de coleguismo e amizade. E o mais importante é que a “dolorosa” – tanto da festa como dos quinze dias que o casal passou numa praia do nordeste, -- foi integralmente paga pela firma, numa original e assaz simpática maneira de homenagear o primeiro casal de funcionários da Taba S.A. a se unir em matrimônio, nos vinte e cinco anos de existência da pujante empresa.
De volta da lua-de-mel o João, ou melhor, o “Senhor Silveira”, bronzeado, descansado, alegre, e com redobrada disposição para o trabalho e agora jogando no time dos casados, retomou a rotina da vida. No regresso, aguardava-o, ainda, uma excelente e auspiciosa notícia: tinha sido promo- vido à chefia do setor de cadastro, recebendo, em decorrência, substancial aumento de salário.
Eram muitas e alvissareiras as novidades, acrescidas da alegria do anúncio da gravidez de Rosinha.
Então, passados os nove meses regulamentares do feliz evento que reuniu em consórcio aquelas duas almas gêmeas, Rosinha, que engravidara nos primeiros dias de casada, deu à luz bonito e saudável menino, que todos garantiam ser a cara do pai. Este, mal cabendo dentro das calças, aparvalhado de tanta alegria, ria à toa. Nunca ninguém vira o Silveira tão satisfeito da vida. Nada mais natural; qualquer de nós em seu lugar sentiria as mesmas prazerosas reações.
Mas como era de se prever face ao descontentamento do pai em relação ao seu, o anúncio da gravidez de Rosinha gerou enorme expectativa: todos queriam adivinhar qual seria o nome a ser atribuído ao recém-nascido.
“— Vai se chamar Rosalvo em homenagem à mãe”, sugeria o Rogério do departamento de vendas; “— Por que não Rosildo, se a mãe se chama Rosinha?”, aventava como hipótese o Bernardes, do departamento de assistência-técnica. Todos davam palpite; chegou-se a cogitar a orga- nização de uma bolsa de apostas, tipo de um bolo esportivo, para ver quem acertava o prenome do filho do estimado colega que, sabidamente, detestava o seu.
Dois dias após o parto de Rosinha, desobrigado dos deveres que impendem aos maridos em tais ocasiões, o Silveira volta ao trabalho munido da certidão de nascimento do filho.
“— Eis o primeiro documento do pintudinho!” disse, com o peito estufado de orgulho, estendendo um papel ao colega do departamento de pessoal para preenchimento das formalidades de inclusão do filho como dependente junto aos registros da empresa.
Se a curiosidade em torno do nome que seria dado ao “Silveirinha” era enorme, a frustração, ao sabê-lo, não foi menor. Ninguém jamais poderia atinar o despropositado desfecho. O “Silveirão” a todos driblou com grande categoria. Nem de longe se poderia imaginá-lo capaz de semelhante contra-senso. Não é que ele, num inacreditável ataque de egolatria e indizível acesso de personalismo, o incoerente João Fagundes da Silveira legou á inocente criança que acabara de nascer o nome por ele execrado: J O Ã O Fagundes da Silveira Filho!
Nota: Embora baseado em fato real, os nomes constantes deste pequeno texto são todos fictícios. “Qualquer coincidência, é mera semelhança.”
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