Pleno mês de novembro. A primavera está instalada, mas parece que o inverno não foi embora totalmente. As noites ainda são, de certa forma, frias. E não foi possível guardar os edredons no armário.
Melhor assim. Detesta o verão. Por ela as estações do ano deveriam ser divididas apenas em: outono e inverno. O mais difícil é levantar da cama pela manhã. Mas depois disso, não tem mais preguiça e o trabalho flui naturalmente. No verão, depois de certa hora do dia, não há ar condicionado ou ventilador que cumpra seu papel com a competência que lhe é devida. Os dias numa temperatura de primavera, e as noites como outono, seria o ideal. Como ideal não existe, se contenta mesmo com o que tem no momento.
O dia fora cheio de afazeres. Está aposentada, mas parece que tem mais ocupação do que no tempo da ativa. Envolve-se com muitas coisas: o filho, que mora em outra cidade, os livros que agora pode ler, as sobrinhas gêmeas, com quem ela faz as vezes de avó, as obrigações de dona-de-casa, a internet, ouvir o Pretinho Básico duas vezes ao dia, etc. A diferença do tempo em que trabalhava é que não existem mais fins-de-semana e feriados. É tudo igual. Tem mesmo que cuidar para não se perder até nos dias da semana, pois nunca sabe em que dia do mês está. Deita e dorme em pouco tempo.
Logo é acordada pelo toque do telefone.
- Ôia, filho!
-Ôia, mãe! Te acordei? Desculpas...
- Sim, mas tu sabes que não tem problema. Falo contigo, e logo durmo novamente. O que foi? Tudo bem?
- Tudo, só preciso te pedir um favor...daqueles.
- Diga.
- Sabe a eleição do Inter?
- Hum...
- Eu esqueci um envelope aí, ao lado da TV, é o voto. Por favor, tem um código escrito por mim, coloca na cédula e faz um X, chapa 03, do Giovanni Luigi. E amanhã coloca no correio, tá? É fácil, não precisa nem selar...
- Péra aí! Tu não tens respeito por mim, não? Como uma gremista, como eu, vai participar da eleição do Colorado? E desta forma, muito ativamente. O que é isso, guri?
Enquanto ela falava, meio brincando, meio séria, o filho ria a plenos pulmões.
- Mãe, é só um favorzinho. Não te peço nada até o fim do ano...
- Não te prometo. Vou dormir, e se amanhã me lembrar disto, ainda vou pensar. E tu também vai dormir, é quase meia-noite. Beijo, filho. Amo tu.
- Pensa com carinho, amanhã é o último dia! Beijo, mãe. Amo tu, pá sempi.
Ela sorri e diz em voz alta:
- Claro que amanhã é o último dia. Se tivesse mais prazo, não seria o meu filho.
Vira para o lado e volta a dormir.
Acorda cedo, como sempre. Vai até a cozinha colocar água na chaleira, para o chimarrão. Quando passa no corredor, olha para dentro do quarto do filho. As paredes cheias de quadros de algumas conquistas do Internacional. Só vermelho. E num rasgo de memória, lembra do sonho que tivera. Sacode a cabeça.
Senta em frente ao computador e a gatinha sobe no seu colo. Comenta com ela:
- Ninguém merece. Sabe gatinha, sonhei com o Güinazu me pedindo voto para artilheiro da Copa do Brasil. Ao mesmo tempo em que estava num GRENAL, no Beira Rio, com placar seis a zero, para eles. O tal de Giovanni Luigi pedindo voto para presidente do clube. Tudo vermelho. Até o meu filhote pedia para eu votar por ele na eleição. Os sócios têm a possibilidade de votar pelo correio. São muito organizados, que nojo!
A gata mia, como a concordar. Os cachorros da casa são colorados, mas os gatos, mais inteligentes.
Logo dá vontade de ligar para o filho e contar o sonho fatídico. Mas ainda está muito cedo para ele. Deixa para fazê-lo, mais tarde, no final da manhã.
Depois do almoço eis que o telefone chama.
-- Ôia, filho. Ia te ligar para contar um sonho ridículo, acho até que foi pesadelo, que eu tive...
- Só um pouquinho, mãe. Isto tem prioridade, mas não quero pressionar muito. Tu achou o envelope, fez o X e colocou no correio? Ou ainda não?
Silêncio sepulcral.
- Mãe...mãe...
- Tudo bem, filho. Parece que nada mais é tão importante quanto a eleição para presidente do Inter.
Ouviu o riso no outro lado.
-Tu até me interrompeste, estava saindo para o correio. Deixa a mãe ir. Um beijo.
Nem espera que ele responda e desliga. Pega o tal envelope, preenche com o código, faz um X na chapa 3, fecha e coloca na bolsa. Entra no carro e sai para sua missão. Chega ao correio. Desce bem devagar, entra mais devagar ainda. Calada, nem sequer cumprimenta os funcionários seus velhos e bons conhecidos. Fixa os olhos no envelope que a pequena abertura engole.
- Agora eu tenho certeza: não há nada que uma mãe não faça por um filho.
|