Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
FILHOS, MELHOR NÃO TÊ-LOS!
ivete tôrres

Pleno mês de novembro. A primavera está instalada, mas parece que o inverno não foi embora totalmente. As noites ainda são, de certa forma, frias. E não foi possível guardar os edredons no armário.

Melhor assim. Detesta o verão. Por ela as estações do ano deveriam ser divididas apenas em: outono e inverno. O mais difícil é levantar da cama pela manhã. Mas depois disso, não tem mais preguiça e o trabalho flui naturalmente. No verão, depois de certa hora do dia, não há ar condicionado ou ventilador que cumpra seu papel com a competência que lhe é devida. Os dias numa temperatura de primavera, e as noites como outono, seria o ideal. Como ideal não existe, se contenta mesmo com o que tem no momento.

O dia fora cheio de afazeres. Está aposentada, mas parece que tem mais ocupação do que no tempo da ativa. Envolve-se com muitas coisas: o filho, que mora em outra cidade, os livros que agora pode ler, as sobrinhas gêmeas, com quem ela faz as vezes de avó, as obrigações de dona-de-casa, a internet, ouvir o Pretinho Básico duas vezes ao dia, etc. A diferença do tempo em que trabalhava é que não existem mais fins-de-semana e feriados. É tudo igual. Tem mesmo que cuidar para não se perder até nos dias da semana, pois nunca sabe em que dia do mês está. Deita e dorme em pouco tempo.

Logo é acordada pelo toque do telefone.

- Ôia, filho!

-Ôia, mãe! Te acordei? Desculpas...

- Sim, mas tu sabes que não tem problema. Falo contigo, e logo durmo novamente. O que foi? Tudo bem?

- Tudo, só preciso te pedir um favor...daqueles.

- Diga.

- Sabe a eleição do Inter?

- Hum...

- Eu esqueci um envelope aí, ao lado da TV, é o voto. Por favor, tem um código escrito por mim, coloca na cédula e faz um X, chapa 03, do Giovanni Luigi. E amanhã coloca no correio, tá? É fácil, não precisa nem selar...

- Péra aí! Tu não tens respeito por mim, não? Como uma gremista, como eu, vai participar da eleição do Colorado? E desta forma, muito ativamente. O que é isso, guri?

Enquanto ela falava, meio brincando, meio séria, o filho ria a plenos pulmões.

- Mãe, é só um favorzinho. Não te peço nada até o fim do ano...

- Não te prometo. Vou dormir, e se amanhã me lembrar disto, ainda vou pensar. E tu também vai dormir, é quase meia-noite. Beijo, filho. Amo tu.

- Pensa com carinho, amanhã é o último dia! Beijo, mãe. Amo tu, pá sempi.

Ela sorri e diz em voz alta:


- Claro que amanhã é o último dia. Se tivesse mais prazo, não seria o meu filho.

Vira para o lado e volta a dormir.

Acorda cedo, como sempre. Vai até a cozinha colocar água na chaleira, para o chimarrão. Quando passa no corredor, olha para dentro do quarto do filho. As paredes cheias de quadros de algumas conquistas do Internacional. Só vermelho. E num rasgo de memória, lembra do sonho que tivera. Sacode a cabeça.

Senta em frente ao computador e a gatinha sobe no seu colo. Comenta com ela:

- Ninguém merece. Sabe gatinha, sonhei com o Güinazu me pedindo voto para artilheiro da Copa do Brasil. Ao mesmo tempo em que estava num GRENAL, no Beira Rio, com placar seis a zero, para eles. O tal de Giovanni Luigi pedindo voto para presidente do clube. Tudo vermelho. Até o meu filhote pedia para eu votar por ele na eleição. Os sócios têm a possibilidade de votar pelo correio. São muito organizados, que nojo!

A gata mia, como a concordar. Os cachorros da casa são colorados, mas os gatos, mais inteligentes.

Logo dá vontade de ligar para o filho e contar o sonho fatídico. Mas ainda está muito cedo para ele. Deixa para fazê-lo, mais tarde, no final da manhã.

Depois do almoço eis que o telefone chama.

-- Ôia, filho. Ia te ligar para contar um sonho ridículo, acho até que foi pesadelo, que eu tive...

- Só um pouquinho, mãe. Isto tem prioridade, mas não quero pressionar muito. Tu achou o envelope, fez o X e colocou no correio? Ou ainda não?

Silêncio sepulcral.

- Mãe...mãe...

- Tudo bem, filho. Parece que nada mais é tão importante quanto a eleição para presidente do Inter.

Ouviu o riso no outro lado.

-Tu até me interrompeste, estava saindo para o correio. Deixa a mãe ir. Um beijo.

Nem espera que ele responda e desliga. Pega o tal envelope, preenche com o código, faz um X na chapa 3, fecha e coloca na bolsa. Entra no carro e sai para sua missão. Chega ao correio. Desce bem devagar, entra mais devagar ainda. Calada, nem sequer cumprimenta os funcionários seus velhos e bons conhecidos. Fixa os olhos no envelope que a pequena abertura engole.

- Agora eu tenho certeza: não há nada que uma mãe não faça por um filho.










Biografia:
-
Número de vezes que este texto foi lido: 61654


Outros títulos do mesmo autor

Contos FILHOS, MELHOR NÃO TÊ-LOS! ivete tôrres
Contos VELHOS TEMPOS ivete tôrres
Poesias SÚPLICA ivete tôrres
Poesias REALIDADES ivete tôrres
Poesias CONSTATAÇÃO ivete tôrres
Contos LONGE, MUITO LONGE ivete tôrres
Contos PARAÍSO INVADIDO ivete tôrres
Contos IRRECUSÁVEL CONVITE ivete tôrres
Poesias INEVITÁVEL ivete tôrres
Crônicas PORQUE GOSTO DO AGOSTO ivete tôrres

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 11 até 20 de um total de 27.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Resumo - Direito da Criança e do Adolescente - Isadora Welzel 62706 Visitas
A SEMIOSE NA SEMIÓTICA DE PEIRCE - ELVAIR GROSSI 62663 Visitas
Mistério - Flávio Villa-Lobos 62524 Visitas
A Aia - Eça de Queiroz 62518 Visitas
Legibilidade (Configurando) - Luiz Paulo Santana 62493 Visitas
O pseudodemocrático prêmio literário Portugal Telecom - R.Roldan-Roldan 62485 Visitas
Minha Amiga Ana - J. Miguel 62477 Visitas
Parada para Pensar - Nilton Salvador 62459 Visitas
RODOVIA RÉGIS BITTENCOURT - BR 116 - Arnaldo Agria Huss 62457 Visitas
MEDUSA - Lívia Santana 62455 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última