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CADÊ JUÍZO QUANDO A GENTE MAIS PRECISA?
ivete tôrres

No banco, o dia fora atribulado além do normal. Nem parecia sexta-feira, meio de mês, que geralmente costuma ser um pouco devagar, já com gostinho de fim-de-semana. Marcelo só deseja ir para casa ter uma noite tranqüila. Nem happy hour e tampouco balada.

Mora sozinho num condomínio calmo, ainda que situado no centro da cidade. Ao chegar a casa, apenas o cachorro o espera. O nome, uma ironia, pois é tão preguiçoso quanto permita sua raça. Um Basset Hound enorme que quando caminha muitas vezes pisa nas próprias orelhas. Zeus está instalado na sua cama. Quer dizer, na cama do dono. Mal levanta os olhos avermelhados, solta um fraco resmungo e volta a dormir.

Marcelo sacode a cabeça. Quando resolveu comprar um cão, só tinha certeza de deveria ser macho e o chamaria de Zeus. Um exemplar, que pelo menos no tamanho e imponência, fizesse jus ao nome. Tinha planos de levá-lo para caminhadas e com certa sorte atrair alguma mulher que se encantasse, primeiro com o cachorro, e talvez um pouco depois, com ele. Mas não. Não entende como caiu naquele que mal sabe de sua existência. E que não serve nem para companhia: um verdadeiro come e dorme. Paciência.

Depois de tomar banho e jantar, prepara-se para dormir. Tira o cachorro da sua cama e o coloca na dele. Vai até a janela para fechar as cortinas. Nas noites de domingo a quinta-feira ficam bem abertas para ajudá-lo a acordar. Nos fins-de-semana não precisa da sua ajuda. Nem a quer.

Eis que chama a sua atenção uma mulher no bloco em frente, de costas, nua, onde deveria ser um quarto. A Marcelo, parece que está dançando, ao mesmo tempo em que se veste. Uns dez metros, até menos, separam os blocos de apartamentos. Do ângulo em que a observa não a reconheceu. Mas as curvas que pode ver não o enganam. Lembra de um ditado que seu pai usava com freqüência: às vezes a cara defende o corpo.

Nisto a mulher se volta e o pega no flagra. Sem tempo de escapar, ele lhe dá um sorriso amarelo, como se dizia antigamente. Ela, ao contrário, sorri com satisfação enquanto tenta fechar o sutiã.

Inicia-se um arremedo de conversa, numa brincadeira onde a mímica é a melhor solução. E ela pede seu telefone. Em letras garrafais escreve no fundo de uma grande caixa de papelão. Com os braços bem estendidos, se debruça na janela, mostrando o número pedido.

De imediato toca o telefone. A conversa dura muito pouco. Disse que já o havia visto entrando ou saindo do prédio. Perguntou se ele estava livre. E por fim convidou para que fosse à sua casa. Seu instinto masculino grita. Antes de desligar pode ainda ver que a tal moça está sem o sutiã. Talvez não conseguindo vencer a batalha com o fecho, tenha desistido. Coloca a primeira regata e bermuda que encontra. Na pressa esquece a cueca. Está vestindo testosterona pura, roupas confortáveis e sandálias havaianas. Só. Mais do que pronto.

Poucos passos, e chega ao prédio. Não espera o elevador, subindo os degraus de dois em dois. A porta do apartamento está entreaberta. Dá uma leva batida, desprezando a campainha. Uma voz suave ordena que entre. É guiado por ela. No quarto a encontra a mulher como aterrissou neste mundo. Seus olhos não o traíram. É muito interessante.
Um simples “oi”, e caem um nos braços do outro. Rapidamente tira a pouca roupa e põe no chão ao lado da cama. Não esquecendo de colocar junto suas chaves.

Marcelo é um cavalheiro, e imaginando outros encontros futuros, iniciou a sua melhor performance. Pretende colocar em prática tudo que aprendera nesta vida para saciar uma fêmea. Desde a sua primeira experiência, passando por filmes, revistas, programas de TV, tudo!
Ainda se encontram nas preliminares, quando a moça dá um gritinho, o rosto afogueado, cobrindo com as mãos os seios nus. Tentando ao mesmo tempo se desvencilhar do corpo do amante, que da cintura para baixo a cobre. Este olha para trás. Parado ao pé da cama está uma figura que mede mais de um metro e noventa. No resto, é assim como um Sylvester Sttalone. Seu olhar é de espanto.

Esqueci de dizer que nosso protagonista é mais ou menos um Wood Allen. Não tanto na inteligência, como no porte físico.

Enquanto o gigante tenta entender a situação (vocês sabem, eles são meio lerdos no raciocínio), Marcelo sente a sua insignificância, sabe que no corpo a corpo não dá nem para a saída. Numa fração de segundo viu que os olhos do casal estão presos uns nos outros. É sua deixa. Pega as roupas, e tão rápido quanto a luz, some. Se, da primeira vez o que o fez subir as escadas fora a ansiedade, desta, é o medo. Não tem tempo para esperar elevador algum.

Agora quem está com o rosto afogueado é ele. Entra no apartamento rastejando pelo chão. Vai até um lugar onde não pode ser visto do lado de fora, e enfim levanta. Dali checa a porta. Esquecera de fechar as quatro seguranças que ela tem. Novamente rasteja, ida e volta. Tenta escutar alguma coisa. Nada. Somente o som da vizinha debaixo, num funk incompreensível. Parece tudo tranqüilo. Mas seu coração ainda teima em querer sair porta afora.

Sem noção do tempo que assim ficara, mas que fora considerável, deita na cama. Zeus está lá de dono, novamente. Nem se dá por conta. Tem o pensamento cativo no que acontecera. Ou não acontecera, conforme o prisma. Devagarinho o cachorro se aprochega e deita a cabeça no colo de Marcelo, que automaticamente lhe passa a mão. Que pena! O susto foi tamanho que ele nem percebeu que não estava sozinho.

Acorda com a campainha, já quase meio-dia. Não se anima a atender. Toca novamente. Agora, o silêncio. Vê que tem um pedaço de papel embaixo da porta. Espia pelo olho mágico. Nada. Mas como a curiosidade matou um gato, abre. No tapete da entrada suas chinelas havaianas. Um pé ao lado do outro. No papel, uma letra masculina: Obrigado por ter devolvido o que me pertence.


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