Passa um pouco do meio-dia. Anita estaciona o carro uma quadra antes do seu destino. Desce. É uma mulher alta e com o corpo bem feito. Veste-se de maneira muito diferente do seu modo habitual. Botas, camiseta, jaqueta e calças jeans. O cabelo, sempre preso, agora se encontra solto. Usa grandes óculos escuros. Mas vestida dessa maneira, não será reconhecida. A menos que ela fale, pois sua voz rouca é inconfundível.
Seu destino é um restaurante no fim da rua. Tem um encontro. Ou melhor, dois encontros. Ou um só. Bem, voltemos à noite anterior. Anita tomara uma decisão.
É uma mulher bem instalada na vida. Trinta e dois anos. Faz parte de um grande escritório de advocacia. Está acostumada a defender os interesses dos clientes. E, por conseqüência, seus próprios.
Casada há cinco anos. Sem filhos. Escolheu Arthur, por amor. Ele tem trinta e oito anos. É defensor público e professor numa universidade. Vivem muito bem. São conhecidos como um casal apaixonado. Moram numa confortável casa. Levam uma vida tranqüila.
Ou levavam. Pois há um ano apareceu João Gabriel. Trinta anos. Administrador de uma empresa ligada ao escritório de Anita. Nem mesmo ela sabe como tudo começou. Mas acha que foi com um prazer em conhecê-la. E, desde então, se encontram duas vezes por semana, no flat ele onde mora.
Fisicamente esses homens são bem diferentes. O marido é moreno, olhos escuros, corpo atlético, com sorriso fácil. O outro, claro, olhos verdes, magro, alto e costuma sorrir mais com os olhos. Um esportista, outro intelectual. Arthur gosta de sair, reunir amigos. João Gabriel prefere viver quase recluso, em companhia de seus livros.
Sexualmente são ainda mais diferentes. Enquanto Arthur se entrega com suavidade e amor, João Gabriel é carne e paixão. Anita gosta de ambos. E na mesma proporção, acredita. Ter dois amores, dois corações apaixonados é bom, mas também é um estado de alerta constante, o que a longo prazo se torna cansativo. Por isso, depois de muito pensar, resolveu escolher um dos dois homens ou, para ficar menos chocante, um dos amores. Mas como? Qual seria o critério?
Lembrou que nunca havia visto os dois juntos, por motivos óbvios, e que precisava vê-los para começar a se decidir. Tem consciência de que este comportamento pode ser duramente criticado por quem vier a tomar conhecimento. Mas quem saberá, além dela própria?
Confiante marcou um encontro com os dois ao mesmo tempo. Bem, não exatamente com os dois. Marcou no mesmo restaurante, à mesma hora, mas em mesas diferentes. Para João Gabriel reservou uma mesa que fica ao fundo à direita. E para Arthur, à esquerda. Os dois ficariam longe um do outro. E Anita poderia observá-los pela janela.
Almoçaria com aquele que lhe tocasse mais o coração. E o outro? Bem, ela ligaria para o outro e diria que houve um contratempo e que almoçariam em casa ou no flat, conforme o caso.
O plano tinha tudo para dar certo. Com o tempo viriam outras comparações, até se decidir definitivamente. Assim fez. Como estava vivendo não poderia mais continuar. Uma atitude deveria ser tomada. E o faria.
Chega na frente do restaurante. De seu ponto de observação vê João Gabriel. Está lendo jornal. Tem o copo de uísque como companhia e aparentemente está tranqüilo. À esquerda, Arthur, que distraidamente olha a televisão ligada em um noticiário.
Anita não fica ali além do razoável. Afinal, não pode arriscar ser vista por algum deles ou pior, pelos dois. E decide se afastar um pouco para pensar. Eis que, distraída, quase é atropelada por um carro que está estacionando por ali. Um homem desce rapidamente aflito e sem jeito:
- Machucou-se? Por favor, desculpe. Eu não vi...
- Calma, eu estou bem, não aconteceu nada - e Anita sorri tentando tranqüilizá-lo.
Entre desculpas e sorrisos ele se apresenta, Vagner. E a convida para almoçar. Ela diz que está saindo do restaurante e já almoçou.
- Então pelo menos um café eu posso te oferecer? Ali na esquina tem um cappuccino sem igual.
Aceita. Anita escolhe uma mesa ao fundo, de frente para a rua:
- Com licença, Vagner. Preciso dar dois telefonemas.
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