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Amor Perfeito
Edineyalison Wallas

Amor perfeito

          Andréa acordou com aquele som doce e suave que vinha do outro lado da janela de seu quarto. Era seu namorado, fora fazer uma surpresa de aniversário do primeiro beijo: uma serenata. Encostou-se à janela fitando seu primeiro grande amor que cantava e tocava a música favorita dos dois, a mesma que rolava durante o primeiro beijo. As flores, das mais variadas cores, desabrochavam suavemente enquanto a música tomava conta do jardim, tornando tudo mais verde, mais vivo, mais belo.
          De repente Luiza ouviu um som alto e estridente, era seu despertador: onze e trinta da manhã, que saco.
          -- Eu não tinha desligado essa merda?
          Levantou-se e dirigiu-se ao banheiro em passos curtos e desengonçados. Parou em frente ao espelho gigante que se localizava próximo ao closet e ficou admirando sua fisionomia. Apesar da cara de sono e das marcas no lado esquerdo do rosto deixadas pelo travesseiro, sua beleza era evidente: rosto claro, daqueles que fica todo rosado quando se está com vergonha; cabelos pretos e lisos, daqueles que chamam atenção de todos os homens nos comerciais de xampu e condicionador; olhos escuros e grandes, daqueles que se fecham rápidos na hora do prazer; seios fartos e empinados, daqueles que fazem um homem fazer qualquer coisa para poder tocá-los; afinal, era uma jovem de dezoito anos, linda, daquelas que todos querem possuir.
          Sentou-se no vaso sanitário, abaixou a cabeça e a apoiou com as mãos colocando os cotovelos sobre as coxas. Refletia sobre o plano: Será que vai dar certo? Se algo der errado eu tô ferrada. Mas o Dinga vai me ajudar, ele me ama.
          Desceu as escadas, dirigiu-se para a cozinha:
          -- Oi, Antonia.
          -- Bom dia, senhorita Andréa. A senhora vai querer tomar café ou almoçar?
          -- É que eu tô mio sem fome hoje.
          -- Mas o que é isso menina? A senhora tem que se alimentar. Se sua mãe descobre que eu não tô tomando conta de você ela me manda embora.
          -- Manda nada. Ela não tá nem aí.
          -- Não fale assim. Ela só é meio desligada. Ela e seu pai passam o dia trabalhando para dar uma vida boa pra senhora.
          -- Vida boa? Que vida boa é essa que eu tenho? Eu não posso fazer nada. Nem namorar eu posso.
          -- é que seus pais querem um marido bom pra senhora, um cavalheiro.
          -- A Idade Média já passou, it`s over! Eu quero é ser livre. Fazer o que eu quiser, gastar com quem eu quiser, dormir onde eu quiser, falar com eu quiser, namorar com eu quiser. Não ser pau mandado de ninguém.
          -- Tá bom. Mas coma alguma coisa, por favor. Vou preparar um sanduíche natural pra senhora.
          -- Tá vendo!? Sanduíche natural. Isso tem gosto de comida pra cachorro. Por que a gente não pode comer comida de verdade nessa casa?
          -- A senhora sabe que a senhora sua mãe é bastante exigente com relação à alimentação, não sabe?
          -- Faz só um sanduíche de queijo.
          --Queijo prato?
          -- Tem outro, por acaso, Antonia?
          -- Não senhora.
          -- Então por que você pergunta? Faz logo essa porcaria que eu vou sair. Hoje, ninguém estraga meu sábado. Nem meus pais.
          Depois de tomar café, Andréa foi até seu quarto pra trocar de roupas. Pegou a chave do carro em cima da penteadeira e foi pra garagem. Dirigiu até a orla, bem distante de onde os pais trabalhavam. Sentou-se em um quiosque, pediu uma água de coco e telefonou:
          -- Oi, meu amor.
          -- Oi. – respondeu Marcelo do outro lado da linha.
          -- Eu já tô aqui na praia, não demora não.
          -- Tô indo.
          Enquanto a garota esperava o namorado, que não tardaria a chegar, ela fitava o mar entre chupadas no canudo e reflexões: “O inferno vai acabar. Finalmente eu vou ser livre. Acabou essa de ter que seguir ordens. O que adianta ter dinheiro se não se pode gastar? O que adianta ter carro importado se não se pode dirigir pra qualquer lugar? O que adianta ser linda se não se pode ficar com quem quiser? O que adianta estar viva se não se pode viver? Chega de pressões no meu espírito, vou exorcizar os maus espíritos que me perseguem. O dinheiro vai ser meu, todo meu. Vou dar uma utilidade prática pra ele: diversão”.
          Marcelo chegou numa motocicleta:
          -- Oi.
          -- Oi. Você demorou demais!
          -- Demorei nada. Não faz nem quinze minutos que você me ligou. Vim voando. É essa porcaria de moto que não tá rendendo mais nada. Mas e aí? O esquema tá todo preparado?
          -- Tá sim. Às cinco da tarde começa a folga da empregada, ela só volta na segunda. O velhos chegam às seis ou às sete, mas vão logo pra cama. Você sabe, sempre dizem que estão mortos de cansaço depois de um dia de muito trabalho, bla bla bla, bla bla, bla bla. Só vai levar o tempo de tomar banho, comer alguma coisa. Estão planejando ir pra praia amanha, por isso vão dormir bem cedo, o que facilita as coisas.
          -- Acho que eles nunca mais vão ver a cor do mar.
          -- Pode acreditar, nunca mais.
          Os dois se beijaram. Marcelo pediu uma cerveja. A garota pediu outra água de coco e reiniciou a conversação:
          -- E a arma?
          -- Tá lá em casa. Não tem problema, tá num lugar seguro.
          -- À meia noite você me dá um toque que eu vou desligar a cerca elétrica por quinze minutos, o tempo de você entrar.
          -- E as portas dos fundos?
          -- É do jeitinho que eu te disse: é só quebrar o vidro e abrir a fechadura por dentro.
          -- Quando a gente terminar o serviço a gente foge. A moto vai ficar duas ruas da tua casa. A gente esvazia o cofre e vaza. A gente passa uns dias no meu barraco, até limpar a barra e depois vamos pra Brasília. O meu irmão vai ficar muito feliz em receber a gente, ainda mais com os bolsos cheios de dinheiro. Rapidinho a gente compra uma casa lá, uma chácara: plantar uns pés de maconha, ficar doidão o dia inteiro, só ganhado dinheiro...
          -- Nós vamos ser felizes, juntos.
          -- Felizes e ricos.
          Se beijaram mais uma vez e se despediram. Só se veriam na hora do crime, pra não levantar suspeitas. Já eram quase duas, ao dois seguiram caminhos opostos: o rapaz voltou para seu bairro, a garota foi até o mirante, só pra relaxar.

          Chegando em sua vizinhança, Marcelo viu seus camaradas no Bar do Alemão:
          -- E aí, bandidagem. Cadê a parada? Todos riram e acenaram para o rapaz recém chegado se sentasse.
          -- E aí Macelão, qual é? Toma uma aí.
          Marcelo virou meio copo:
          -- Puta que pariu! Que pinga do Satanás é essa?
          Todos riram novamente:
          -- Essa aí foi um primo meu que trouxe da Paraíba. O nome da cachaça é Rainha. O meu primo disse que quem faz ela é um Rei duma cidade lá, e colocou o nome da pinga de Rainha pra homenagear o maior amor da vida dele. Coisa de paraíba mesmo. Povo atrasado do caralho! Mas a pinga é boa.
          Ser Rei. Essas duas palavras ficaram cravadas na cabeça de Marcelo. Ser Rei. Ficou refletindo enquanto seus companheiros continuavam dirigindo-lhe a palavra, parecia ter entrado em transe.
          -- Ei, Marcelo. Acorda, maluco. Tá muito doido, é? Tá viajando aí. A gente tá falando contigo, cumpade.
          -- Nada não. È que eu tô vendo uma fita aí.
          -- Aí o muleque, vai agir de novo. Qual é a parada?
          -- Tô vendo ainda cara, se der certo eu posso passar pra vocês depois.
          -- Lembra dos amigos aí, meu cumpade. Não dá uma de filho de comédia não, tá ligado.
          -- Pode deixar.
          Um dos rapazes que estavam à mesa disse que ia ao barraco mas voltava logo, chamou Marcelo. Subiram uma pequena viela e entraram na casa de Nando, o abominável homem das neves, como era conhecido.
          -- E aí, meu cumpade. Tu precisa se ligar na parada que eu tenho aqui, chegou ontem de noite. Essa é da boa, purinha, branquinha, nem misturei nem nada. Essa é só pros chegado. Vou fazer a tua pra te mostrar, aí você me diz se é da boa.
          -- Não posso ficar muito doido hoje não, cara. A parada da fita aí, merece raciocínio.
          -- Deixa de falar merda. Você já viu alguma coisa acelerar o raciocínio mais do que pó?
          Cheiraram varias carreiras, voltaram para o bar.
          -- Eita que esses dois tão é muito doido. E aí Marcelo, tá ligado na parada que o Abominável tem agora?
          -- Essa é foda.
          -- Quando tu quiser é só falar comigo, cumpade.
          -- Amanha eu pego numa grana e pego um pouco contigo.
          Continuaram bebendo a lendária Rainha e conversando trivialidades.

          Enquanto isso Andréa estava sentada em seu carro observando as ondas batendo na areia, era realmente uma bela paisagem. Refletia, parecia triste. Depois de algum tempo rolaram lagrimas em seu rosto, muitas lágrimas. Porem, em momento algum modificou a feição do seu rosto. Estava triste, mas estava séria. A vida dá e tira, é assim que as coisas são, não adianta querer mudar. Ela não era má, era somente alguém com desejos e ambições assim como todos os seres humanos. Afinal de contas, se era a inveja, o ódio e a ambição que provocavam a guerra, era a guerra que provocava a paz. A vida não passava de um ciclo vicioso no qual os seres estão fatalmente inserido. Uma eterna rotação onde não há segredo algum, somente o que está aos seus olhos: a guerra. Só poderia viver no mundo quem fosse forte de ir pra guerra. Estava decidida, não havia mais retorno. O plano era perfeito, tudo ia dar certo e ela venceria a guerra.
          No final da tarde voltou para casa, mas não antes de passar no shopping. Ao chegar em casa, encontrou Antonia:
          -- Aonde estão as outras empregadas, Antonia?
          -- Já foram, minha senhora. A senhora quer comer alguma coisa? Me diga que eu preparo agora, já tô preparando minhas coisas pra ir pra casa também. Amanhã vou a praia com os meninos.
          -- Não precisa se preocupar comigo, pode ir pra casa. Tô meio cansada. Vou assistir televisão e acho que vou pedir uma pizza. Passei a tarde inteira no shopping e não consegui comprar nada, só essa blusinha e esse short, não são lindos?
          -- São muito lindos, minha senhora. Mas já que a senhora não precisa mais de mim, vou embora. Até segunda feira. Fique com Deus.
          -- Até segunda feira. Vá com ele.
          Às seis da noite chegou o senhor Mauricio:
          -- O que você tá fazendo em casa?
          -- Não posso mais ficar em casa?
          -- Você nunca está em casa quando eu chego do trabalho.
          -- Sempre estou, é você que não percebe.
          -- Vamos deixar de besteira. A sua mãe ainda não chegou?
          -- Você por acaso tá vendo ela aqui?
          -- Menina insolente!
          O senhor Mauricio foi até a cozinha, colocou um pouco de chá e ligou a televisão. Assistiu alguns minutos o telejornal e foi para o seu quarto, levando a garrafa de chá e um copo. Lá, ligou novamente a TV no telejornal e continuou tomando seu chá.
          Minutos depois chega a senhora da casa, a senhora Amanda:
          -- Que surpresa você em casa. Não saiu com seus amigos marginais hoje?
          -- Não. Hoje eu preferi passar a noite com meus pais marginais.
          -- Olhe o respeito, sua mal educada.
          -- Não enche.
          -- Cadê o seu pai?
          -- Foi abduzido por extra terrestres.
          -- Meus Deus do céu, o que eu fiz pra merecer isso?
          A mãe passou na cozinha, tirou uma fatia que queijo tipo prato da geladeira e um copo de iogurte light. Consumiu rapidamente sua refeição. Foi até o bar, colocou uma dose tripla de uísque, pegou ao carteira de cigarros em sua bolsa e se dirigiu para a varanda. Fumava e bebia demoradamente enquanto fitava a piscina demoradamente. Tentava pensar. Tentava resolver seus problemas. O vida difícil: uma filha que não quer nada na vida, um marido quem nem olha mais na cada dela, sem tempo de se divertir... Mas pelo menos, depois de meses, iriam novamente passar um dia juntos, na casa da praia.
          A mulher virou o resto de uísque e apagou o terceiro cigarro pela metade, estava cansada. Foi até seu quarto e viu que seu marido já havia chegado em casa. Este estava roncando, com sua vasta barriga voltada para cima sustentando o copo de chá. A mulher retirou o copo, desligou a TV e deitou-se do outro lado da cama, não acordou o marido.
   
          Andréa ficou assistindo o Cartoon Networks até tarde da noite, adorava o pica-pau. Olhou no relógio e viu que já se aproximava a hora de colocar o plano em prática. Em minutos seu celular, no silencioso, tocou. Ela não atendeu, já sabia do que se tratava. Foi até os controles que ligavam a cerca elétrica e os desligou. Em alguns minutos o telefone da garota tocou novamente, era o segundo sinal. Religou os controles. Foi para o seu quarto, se cobriu por completo e fingiu dormir. Já estava quase dormindo de verdade quando a luz do seu quarto ascendeu, a garota deu um pulo de susto:
          -- Oi, meu amor. Você já fez?
          -- Os dois estão mortos. Vamos embora.
          -- Espera aí. Agora que você chegou e já tá querendo ir embora? Quero fazer amor.
          -- Você é louca? Vamos embora logo, antes que pinte sujeira.
          -- Deixa de ser nervoso. Ninguém vai aparecer aqui até segunda feira. A gente tem mais de um dia.
          -- Mas a gente tem que sair daqui de madrugada. A moto tá lá na outra rua, não pode ficar lá muito tempo, pode levantar suspeitas.
          -- Relaxa. É só uma rapidinha. Vem cá foder a sua branquinha, vem.
          -- Não me provoca...
          Marcelo colocou a arma com silenciador no criado mudo e pulou em cima da garita. Rasgou suas roupas, tirou as suas e começaram a transar brutalmente. O clima do momento pedia a maior transa de todas, a transa da vitória, a transa da comemoração, a transa depois da guerra, a transa da calmaria. Andréa arranha o namorado com suas unhas longas e amoladas. Ele não se importava:
          -- É assim que você quer? È assim que você vai ter.
          Marcelo virou a garota, a colocou de quatro e, puxando seus cabelos, dava tapas em sua bunda. A garota virou-se de frente novamente:
          -- Me bate. Me bate, vai. Meu assassino, meu herói. Eu sou toda sua.
          Marcelo, muito empolgado, dava tapas no rosto da garota entre mordidas em seus seios. A garota tinha um corpo angelical, daqueles que faz qualquer um perder o controle a qualquer hora, em qualquer lugar, sob qualquer circunstância.
          Quando acabaram a transa parecia que tiam tido uma briga de gato e rato. Marcelo levantou-se e ficou nu em cima da cama, em frente da garota, ainda com pênis ereto:
          -- Eu sou um Rei! – proclamou alterando a voz.
          Enquanto o rapaz se vangloriava de sua vitória suprema a garota pegou a arma que estava cima do criado mudo e apontou para o rapaz:
          -- Sinto muito, Marcelo.
          -- Mas o que você tá fazendo?
          -- Quando se perde a guerra, o Rei também morre.
          A garota disparou três tiros a queima roupa no rapaz que caiu no chão à frente da cama. A garota atirou a arma ao chão e foi até o quarto dos pais. Verificando que estavam realmente mortos, - e não entorpecidos, como de costume – voltou para o quarto, pegou o celular de Marcelo – o qual ela mesma o dera – e o colocou entre suas roupas íntimas. Em seguida, com seu celular, ligou para a policia:
          -- Pelo amor de Deus, venham logo. Meu Deus do céu, meu Deus.
          -- Calma. Fique calma, por favor. O que foi que houve?
          A garota soluçava, mal conseguia falar, estava desesperada. Não explicou o acontecido, mas deu o endereço. Em menos de dez minutos chegaria a policia e médicos. A garota, semi-nua, com suas roupas rasgadas e cheia de arranhões e manchas pela pele sentou-se no sofá, abaixou a cabeça e começou a chorar.


Biografia:
Nascido em Bananeiras-PB, em 1983. Graduando em Letras, atua como professor de Lingua Inglesa e Literatura e ainda como tradutor. Leitor assiduo dos autores contemporaneos da america latina, além do mestre Poe.
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