Sabe por que eu vim pra São Paulo? Pra matar. Não sou muito de falar, muito menos sobre a minha vida, sobre a minha história de vida. Mas pra o senhor eu conto, faço questão:
Eu nasci em Brejo do Cruz. Que de brejo não tem nada, é sertão. O senhor sabe onde é? Não, acho que não sabe não. Mas isso não importa, vamos aos fatos: Meu pai morreu, eu ainda era pequeno, nem lembro da cara dele. Minha mãe adquiriu um sério problema mental por causa do uso excessivo de álcool e tabaco quando eu tinha três anos. Quando morreu eu tinha cinco, fui morar com aminha avó.
Cresci ouvindo histórias sobra meu avô: um cangaceiro muito conhecido na região. Sempre dizia minha avó: “Seu avô metia bala na cara de caba safado ou em qualquer um que olhasse torto pra ele”. Ela sempre quis que eu freqüentasse a escola, mas o assunto que ensinavam lá era muito chato, me dava tédio, não servia pra nada. Mas as histórias da minha avó não, eles me empolgavam, me excitavam, me ensinavam. Aquilo é que era conhecimento de vida. Era capaz de ficar horas sentado, somente ouvindo: “quando seu avô matou O Cobra Grande, dono do engenho”, “quando seu avô tomou a mulher do padeiro”, “quando ele invadiu uma cidade e se tornou Rei”, “quando ele matou o safado número mil” etc. Eram histórias incríveis, parecia que estava assistindo a um filme de Faroeste.
Foram essas histórias que me ensinaram o meu nobre oficio. Claro que tive que ralar muito pra ganhar experiência, mas o básico aprendi com minha avó, e meu honrado avô, que Deus o tenha.
Comecei trabalhando de graça, pra mim mesmo. Caminhava pelas ruas procurando uma vítima: Dona Maria de seu Antonio? O Mané do Doce? O Bola de Ouro? O Empurra o Burro? Não! Eu tinha pena, bando de ferrado na vida. O dono da padaria? O dono da farmácia? A dona do cabaré? Não! Desses eu não gostava, mas não dava vontade de matar, era perda de tempo. Fiquei triste. Mas assistindo televisão vi a luz, como em um milagre tudo o que precisava saber estava naquele cubo satânico de madeira exibindo imagens em preto e branco: para matar, tem-se que matar a pessoa certa, sem afobação. Era isso que meu querido avô fazia, e pelo mesmo motivo ficou famoso.
Não se mata pobre, pois não é honesto tirar a última coisa que alguém tem. Não se mata classe média, pois não dá mais notícia nem dinheiro, só preocupação. O que se mata é classe alta, pois além de dar notícia e escândalo, ainda rende uma graninha. Polícia nunca foi problema, profissional é profissional. Sempre acreditei: se você tem uma especialidade, seja bom, o melhor. Se não conseguir, se não quiser, então seja outra coisa. Ou então, se não tiver coragem ou força, não seja nada.
Onde nasci só tem fodido. Todos aqueles que conseguem ganhar algum dinheiro vão embora pra ganhar mais na capital. Mas na televisão eu vi o playground dos assassinos, era São Paulo. Aqui, nessa cidade, a gente encontra um filho duma puta em toda esquina, é ótimo. Aqui eu bebo sangue como bebo água, e ainda tenho lucro muito com isso.
Durante todos esses anos que eu estou aqui, acho que já matei mais de quinhentos. A maioria tinha muito dinheiro; mas agora não têm mais nada. O senhor acredita em Deus? Eu acredito! Acho que o senhor acredita, não é? A fé move monhinhos. Movinhos que nos trazem a vida, a esperança. Um sabor anestésico de paz e alegria que somente o crente possui. Tá chorando por quê? O senhor não acha que já aproveitou demais a vida? Todas as prostitutas, kilos de cocaína, barris de uísque e champanhe, piscina, uma mulher gostosa e educada... Isso não foi suficiente? Eu sei que não foi. E o senhor também, não é? Agora talvez consiga entender. O senhor sabe que está indo direto pro inferno, não sabe? Ou o senhor acha que Deus perdoa os vermes? Quem nasce no inferno tem sua morada eterna cravada no lugar onde nasceu desde o dia da concepção. Mas voltemos ao assunto: os primeiros que eu matei, matei lá na minha terra mesmo, mas foram poucos: só o prefeito e a primeira dama. Eu precisava de dinheiro para vir pra São Paulo, e o prefeito era o cara mais rico da cidade, acho que era o único que realmente tinha algum dinheiro. Foi muito fácil, o idiota ficava sozinho com a esposa em casa todo sábado à noite, foi lá que o bicho se deu mal, ele e aquela porca da mulher dele. Eles estavam dormindo quando eu cortei os pescoços deles, levei os corpos pra minha casa durante a madrugada. Ainda tive o cuidado de enrolá-los em sacos pra não deixar pistas. Eu confesso que fiquei um pouco aperreado, não sabia o que fazer com os presuntos. Mas era São João, tempo de festa, comida de milho, fogueira e cachaça; tive a idéia: cortei o casal em pedacinhos e queimei na fogueira; comprei outro tipo de carne e fiquei assando, só para despistar, comprei muita madeira.
Mas foi aqui, em São Paulo, que aprendi tudo que sei: sou Doutor em Assassinato Qualificado, especialidade: caba safado.
O senhor pra mim é muito importante, é o primeiro que não fui eu quem escolheu, foi a tua mulher. Ela me pediu pra dar cabo da tua bunda aristocrata. Acho que o senhor não tem sido um bom marido.
É, senador. Creio que é chegada a hora da despedida. O senhor gostaria de falar algo, um último recado, uma última declaração? O quê? Acho que não entendi. Deve ser difícil falar sem a língua, não é? Pois adeus. Vá falar com satanás, que ele está esperando o senhor desde o dia que o senhor estuprou a sua mãe de dentro pra fora. Vá com Satanás!
Merda, esse filho-da-puta sangra mais que um boi. Droga, vou ter que trocar de roupa. E tomar banho.
Alô!? Oi, meu amor. Não, não, já tô terminando. Pode deixar que eu pego ele na escola. Tchau, em uma hora chego em casa. Um beijo, te amo.
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