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De volta pra casa
Edineyalison Wallas

Estava eu voltando do centro da cidade ontem, digo ontem por mera convenção, pois poderia muito bem dizer hoje, ou até amanhã, pois os dias me parecem iguais. Não me surpreenderia nenhum pouco se presenciasse cenas idênticas novamente. Pois bem, estava eu voltando do centro, peguei o ônibus 4321, e como este não estava lotado (pois não era horário de pico), escolhi uma cadeira ao acaso e me sentei. Na próxima parada, a mais movimentada do centro, subiram muitas pessoas, que ocuparam quase todas as poltronas. Percebi que um rapaz feioso de orelha de abano não se sentara, permanecia em pé, mesmo havendo duas ou três poltronas vazias.
          Adoro observar tais coisas. A gente anda, anda, vive circulando por aí. Pessoas se vêem todos os dias mas não se conhecem, sequer se cumprimentam. Ninguém nota ninguém, a não ser para fazer algum comentário de crítica ou falsa piedade. Mas eu não sou bem assim. Claro que eu também critico e pratico a falsa piedade, mas também observo algumas peculiaridades que os outros tomam por normal. E realmente havia algo de anormal no comportamento daquele rapaz, ele não estava ali somente para se locomover.
          Minhas suspeitas foram confirmadas quando o dito cujo foi até o fim do ônibus e voltou distribuindo alguns folhetos. Recebi um, nele estava escrito:
          “Tenho seis irmãos pequenos, minha mãe morreu e meu pai se encontra deitado numa cama por ter sofrido um acidente de carro e ter perdido as duas pernas, portanto, impossibilitado de trabalhar. Venho aqui hoje pedir-lhe uma ajuda para que possa comprar próteses para que ele volte a andar e possa conseguir um novo emprego. Qualquer quantia que seu coração estiver disposto a contribuir será muito bem aceita. Que Deus lhes abençoe.”
          Li o papel comovido, porém não tinha dinheiro trocado para contribuir com a boa causa. Havia dado todas as minhas moedas para os moleques que pediam nas ruas e as cédulas de menor valor para um amigo que não enfrentava boas marés.
          O rapaz, depois de ter distribuído os folhetos, foi até a frente do ônibus e parafraseou o conteúdo de seu encarte, acrescentando que “dez centavos, cinco centavos, um centavo, qualquer coisa, se dada de coração, com certeza ajudaria muito seu pai”. Proferidas tais palavras o rapaz passou novamente recolhendo o dinheiro. Confesso que me surpreendi pela quantidade de pessoas que jogavam moedas em sua sacola, coisa um tanto incomum no meu conhecimento de mundo.
          Depois de receber as doações e agradecer aos passageiros um por um, inclusive àqueles que não contribuírem, o jovem sentou-se na poltrona vazia que ficava ao lado do motorista. Ao seu lado havia uma senhora, que puxou conversa.
          Segundos depois, o motorista proferiu tais palavras para o pedinte: “Você não suba mais no meu ônibus. No meu ônibus não quero que você suba mais.” O rapaz tentou se desculpar explicando o motivo de urgência máxima que o fez fazer aquilo. O motorista repetiu o que dissera e ainda acrescentou: “Não tem isso não. Você não pode pedir aqui, aqui no meu ônibus você não pede, nunca mais”. O rapaz se calou, olhava para frente.
          Confesso que me senti encabulado pelo garoto, não agüentaria calado tal insulto. Mas ele agüentou. Segundos de silêncio. Então, uma senhora que estava ao meu lado, do outro lado do corredor, gritou: “Deixa de ser egoísta, motorista!”. Este logo replicou “São ordens da empresa. Olha alí o cartaz.” Outra senhora, a que estava ao lado do rapaz, “o feio é roubar”. O motorista novamente, “não sou eu, minha senhora, é a empresa que manda”. Agora um senhor, “o menino não pode nem mais uma ajuda?”. O motorista se calou.
          Ficou aquele clima estranho, as pessoas se entreolhando, trocando palavras de reprovação umas com as outras. Foi então que percebi que um outro jovem, passando por mim, sacava um revolver trinta e oito e se dirigia para o início do ônibus. Apontou o cano do revolver para a cabeça do motorista e proferiu tais palavras, “Tu queria que fosse assim? Essa abordagem é melhor pra você?” O motorista parou o ônibus, “o que é que você quer!?”. O jovem armado, “Tudo!”.
          Neste momento o jovem deu uma coronhada no motorista, que começou a sangrar. Depois de tal iniciativa, os outros passageiros se sentiram no direito e partiram pra cima do motorista. Todos os passageiros queriam fazer sua parte, queriam arrancar um pedaço do dedicado funcionário. Espancavam-no, cada um como podia: o jovem com a arma, a senhora com a bolsa, o senhor com a bengala, o estudante com o caderno, a menina com a boneca, o menino com o carrinho, o cego com o bastão guia, o bebê com a mamadeira, e assim espedaçaram o motorista. Após a lixa, todos voltaram aos seus lugares. O cobrador telefonou para empresa pedindo um novo motorista, que chegou em poucos minutos. Continuamos a viagem tranquilamente.


Biografia:
Nascido em Bananeiras-PB, em 1983. Graduando em Letras, atua como professor de Lingua Inglesa e Literatura e ainda como tradutor. Leitor assiduo dos autores contemporaneos da america latina, além do mestre Poe.
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