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Uma conversa cheia de tinta
Lasana Lukata

Outro dia veio esta manchete no jornal Extra:

“Governo derruba imposto e preço do cimento e da tinta vai despencar”

O que me prendeu foi a tinta. A tinta do vigário. Outono político a colorir as paredes da ilusão. A tinta sempre está prendendo... Ainda mais nesses tempos difíceis de pouca tinta, qualquer tinta já é alguma coisa. Veja que a crônica é feita de tintas fracas e fortes. Mais à frente você poderá encontrar uma casa vermelha com 10% de tinta despencando nas intenções de votos. Já encontrou.

Hoje quem vai dar um colorido comigo é minha filha mais nova, irmã Crônica. Não larga a bíblia. Ainda não disse, mas tenho três filhos, duas meninas e um menino: a Poesia, a mais velha, a Crônica, a mais nova, o Conto, o do meio, e penso em ter mais um, o Romance, mas algo começa a me dizer que já estou nas horas extras da vida.

Entanto, o que fazer se toda a minha vida foi insalubre e a própria insalubridade retiraram do meu contracheque com a Lei FHC/98 que retroagiu para me arrancar direitos incorporados, segundo a perita municipal? Não sabia que a Lei retroage para prejudicar, médica perita e burra? Hummmm... Sei. É uma tinta. Um colorido. Uma burrice deliberada para dizer um “Não” administrativamente e no judiciário apesar da vitória, vai cair no colo do grande demônio, primo-irmão de Lucifer, o Precatório. Colorido. Que colorido! E mais colorido:
Pelo então secretário de meio ambiente, Pedro Fernandes Neto, a Avenida Presidente Vargas seria um balé de luzes com a tal “Iluminação Temática”. Disse isso em abril de 2008: “Faremos um balé de luzes. Em dia de jogo do Brasil, a Presidente Vargas poderá ficar verde e amarela. No carnaval, ela poderá ser iluminada com as cores das escolas de samba”. Bem, isso já faz um ano e ainda não aconteceu e o secretário já é outro. Acho que essa tinta despencou junto com uma placa de ferrugem. Vai ficar no prometismo... Que fique. Seria tragicômico, mendigo colorido por fora sem ser por dentro. Mas para quê tanta luz e tinta meu Deus?! A lula solta tinta para fugir dos inimigos.
Gostaria de que esse projeto de “Iluminação Temática” na Presidente Vargas ficasse mesmo no fiasco. Não será bom para os mendigos dessa avenida, já pensou mendigos coloridos? E nem para os vaga-lumes...
Vagalumeando pela internet e bibliotecas fiquei sabendo que um dos objetivos das emissões luminosas é para atrair o parceiro ou parceira para o acasalamento, mas que a forte iluminação das cidades interfere na comunicação e reprodução dos vaga-lumes. E é verdade. Já vi bandos de vaga-lumes perdidos na cidade... A forte Iluminação é um adversário desses gregos pirilampos.

Um dia o sinal de trânsito esverdeou na Avenida Presidente Vargas, mas não arranquei com o carro. E não era enguiço. Atrás de mim buzinações e xingamentos. Coitada da minha mãe. Que Deus lhe tenha tapado os ouvidos no céu. Não arranquei porque enxergava um cisco no olho verde do semáforo. Estiquei a luneta e era um vaga-lume, piscando feito um doido, querendo acasalar com a luz verde do trânsito. E apesar da barulheira, ninguém vence a acústica do amor, pude ouvir o vaga-lume: Mon amour, adoro uma gordinha, mas não dispenso uma magrinha...Rsrsrs. Se ficasse magrinha, te diria a mesma frase: Mon amour. É preciso muita transcendência para se conseguir um vaga-lume máquina. Isso amor ainda não venceu.

Recordo era verão entrando outono. Noitinha. E como os vaga-lumes vivem apenas no verão, ali deu seu último suspiro e caiu em cima do meu capot. Encostei o carro, pulei as grades e o enterrei solenemente no Campo de Santana. Quem me conhece sabe que faço isso.


No início do reinado do rei Salomão não havia adversário, nem calamidade algumas como a que ocorreu há pouco na Itália. Disse o próprio Salomão: “Deus me deu descanso de todos os lados, e não há adversário, nem calamidade alguma”. Mas findando o reinado levantaram-se contra Salomão três adversários: Hadade, Rezom e Jeroboão. E fiquei pensando, quantos adversários têm os vaga-lumes?! Os vaga-lumes também têm os seus Hadade, Rezom e Jeroboão. Salomão teve estes adversários porque pecou contra Deus, mas os vaga-lumes que pecado têm?

Recordo na infância, e até hoje ainda repetem, bandos de meninos ralavam os vaga-lumes nas suas roupas para ficar brilhantes. Brilho a qualquer custo, inclusive com a morte do outro. Eis o primeiro adversário. Agora digamos que a forte iluminação das cidades venha sendo comanda por Rezom, segundo adversário, mas e Jeroboão? Quem seria o Jeroboão dos vaga-lumes? Evangélico. Sim... Creia. Tenha fé!

Alguns evangélicos têm o hábito de subir esses muitos montes do Rio de Janeiro para orar a Deus. E têm esse direito desde que respeitem os vaga-lumes. Sobem para orar, lá em cima, depois descem, dizendo que à noite as folhas das árvores caídas no chão acendem; pauzinhos, gravetos e o próprio chão acendem. Uma amiga da UFRJ ganhou de presente do tio certa manhã um graveto desses, aceso. Lindo, Lasana! E um outro irmão que de lá desceu: É fogo que não queima. Eu pego brasa na mão e não queima!

Fui ver a maravilha. A recente versão da Sarça Ardente. Passava de meia noite e todos estavam angustiados porque Deus ainda não tinha acendido uma folhinha sequer no chão. De súbito um grito e veio de dentro das matas um jovem. Trazia brasas nas mãos. De fato não queimavam e nunca poderia queimar. São belas e perfeitas as coisas da Natureza. De repente parecia que havia estrelas no céu e no chão. Que chacina! Desceram com folhas acesas nos bolsos do paletó, as mulheres com gravetinhos luminosos nos cabelos. O coque de néon. Bem, agora é a Irmã Crônica quem começa a falar com esses evangélicos:
Irmãos, andei pesquisando junto com o meu pai...

Os pauzinhos, gravetos e folhas acesas são porque os vaga-lumes põem seus ovos em madeiras semi-apodrecidas no interior das matas e algumas larvas alimentam-se de madeira em decomposição;

O chão aceso é porque algumas têm o hábito terrícola e as pupas não piscam;
A brasa não queima porque na reação química cerca de 95% da energia produzida transforma-se em luz e só 5% em calor.

Meu pai deixou que eu falasse com vocês porque similia similibus curantur (os semelhantes são curados pelos semelhantes). Então recebam a cura nessa hora! É melhor que eu os cure do que o IBAMA espalhar luzes vermelhas por esses montes. Espero não estar dando uma de Camões de saia e cantando a uma gente surda e endurecida.
    
Sou da “Assembléia dos Vaga-Lumes dos Últimos Dias”


Assinado: Irmã Crônica, sem coque de néon.




Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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