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Governo rosa: uma anilina no salário
Lasana Lukata

Constrangedor... Com esse salário só dá para entrar no botequim e dar de cara com aquele ovo rosa e aquele torresmo cabeludo na vitrine, reclama Alessandra. Quem entrou na Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, deu de cara com um palíndromo. Palíndromo é a frase ou palavra que se pode ler, indistintamente da esquerda para a direita ou vice-versa. Vem do grego palíndromos: que corre em sentido inverso, que volta sobre seus passos. “Roma me tem amor” é um dos muitos exemplos que temos. O palíndromo também é verificável em outros línguas: “nun” na alemã. A frase “A mala nada na lama” de Millor Fernandes é um palíndromo; a palavra ovo é outro palíndromo. Agora o ovo rosa de anilina que vende nos botequins é palíndromo duas vezes: ovo e anilina. Isso não é aumento, é uma anilina no salário.

Mas não é só frase ou palavra que podem ser palíndromos. A vida tem os seus palíndromos. Veja-se o caso de Senaqueribe que seguiu caminho para invadir Israel e voltou pelo caminho que veio, conforme a profecia do profeta Isaías em 2 Reis 19: 28: “...porei o meu anzol no teu nariz, e o meu freio na tua boca, e te farei voltar pelo caminho por onde vieste.” Há muita gente por aí, dando dois passos para a frente e dois para trás. Toda a minha vida foi um palíndromo.

Os números também podem ser palíndromos. O número 242 é palíndromo. Na verdade eles chamam não de palíndromo, mas de capicua. Entanto, são nomes diferentes para um mesmo fenômeno.
Carmen Miranda morou no número 13 da Travessa do Comércio e encostado ao sobradinho em que ela morou, outro sobradinho tem o número 11, esse é palíndromo, pois tanto faz entrar na Travessa do Comércio pelo Arco do Teles, na Praça XV, como pela Rua do Ouvidor que o 11 será sempre 11.
Mas o caso do novo salário mínimo, 545, aprovado pela Câmara de Gás, digo, de deputados, para desfelicidade do trabalhador é um palíndromo. Tanto faz ler da esquerda para a direita como da direita para esquerda que o salário vai continuar na mesma: 545.

Há os que disseram que esse palíndromo de 545 não coloca em risco a economia do país; outros disseram que é o que é possível dar. Pois me deram um palíndromo. Uns dizem que o palíndromo é inútil, outros que o palíndromo facilita a memorização. Se facilita, o trabalhador nunca mais vai esquecer esses: R$545. O governo já começa marcando a história desse país, pois nunca tivemos um palíndromo como salário nem um governo rosa. Já a anilina é nossa velha conhecida.

O governo tinha como dar mais do que um palíndromo aos trabalhadores. Neste século XXI, não se pode mais ficar restrito ao orçamento anual para dar aumento de salário, temos que levar em conta o orçamento PIB + inflação, somado aos bilhões da corrupção em nível federal, estadual e municipal. Temos que ser pragmáticos...
Há outra analogia entre o palíndromo e o novo mínimo: o constrangimento. O palíndromo faz parte de uma técnica literária cujo nome é escrita constrangida, isto é, não pode fugir ao padrão determinado e o mesmo se dá com a votação desse novo salário, não pode passar de 545. A diferença é que na literatura constrangida, os constrangidos são aplaudidos, na política são vaiados.   

Rômulo Marinho, palindromista brasileiro, propõe classificar os palíndromos em Expliciti, Interpretabiles e Insensati. Expliciti são palíndromos que trazem uma mensagem direta, clara inteligível, “socorram-me, subi no ônibus em marrocos”; Interpretabiles são palíndromos que têm coerência, mas requer esforço intelectual do leitor para serem entendidos com "A Rita, sobre vovô, verbos atira."; Insensati são palíndromos que apenas unem letras ou palavras sem levar em conta o sentido. Olé! Maracujá, caju caramelo.
Com esse palíndromo que o governo obriga o trabalhador a receber, penso que deveríamos acrescentar à classificação de Rômulo Marinho uma nova classificação para os palíndromos numéricos como este de 545: palíndromo ridiculus. É palíndromo ridiculus se comparado aos bilhões que correm no mundo da corrupção; é palíndromo ridiculus se comparado aos vencimentos daqueles que podem aumentar seus próprios salários, protegendo-se da inflação. Quem disse que ela acabou? Na vez do povo: palíndromo ridiculus. É irresponsabilidade fiscal.

A votação na câmara seria palindrômica se a vitória dos 545 fosse por 333 ou 353 ou 363 ou 444 votos, mas foram 361 votos a 120, rejeitando os R$560 e 376 rejeitaram os R$600. Se bem que poderíamos obter um palíndromo a partir destes 361 e 376, contudo, teríamos que fazer umas continhas e aqui não é matemática, é Literatura. Dependendo do cronista, crônica é Literatura.

Olhando essa lista de votação do novo mínimo na internet, vejo nomes de dois Palíndromos que votaram a favor do palíndromo 545: Ana e Natan. Pois é... Algo melhorou nesse país, na ditadura era “Prendo e arrebento”, agora é a Palindromocracia ou A Era dos Contrangimentos. Para quem acompanhou aquela votação cabeluda, um torresmo cabeludo não é nada mal... Vai um torresmo cabeludo?!



Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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