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Eperando a felicidade
A felicidade
ELIANA FONSECA

Resumo:
Quando alguém a quem amamos vai embora, a vida pode perder o sentido. Mas quando esse alguém retorna metamorfizado, a vida de quem ficou observando quem partiu outrora, pode ressignificar.

ESPERANDO A FELICIDADE

     Naquela manhã, como tantas outras, durante mais de uma década, João Camilo Machado, pilchado e em punho com a chaleira e o chimarrão, sentou-se na cadeira de balanço, em frente ao casarão colonial.
     Chapéu de couro na metade da testa, olhar no horizonte,para além dos malmequeres espalhados pelos campos da fazenda, e para além das três enormes paineiras, enfileiradas em tom rosáceo, ...inexistentes em outro lugar.
     A mão grossa e calejada pela lida, segurava a cuia torneada de prata espanhola, vinda das bandas do Rio Uruguai. Mateou uns bons goles amargos, largou a chaleira e a cuia ao lado e começou a enrolar, em finíssimos retângulos de palha de milho, o fumo moído, retirado, calmamente, de dentro de um pequeno saco de estopa, costurado à mão.
     Colocou-o sem acender, no centro dos beiços finos e molhados da água do chimarrão e da saliva matinal e ficou ali, como bagual, esperando algo acontecer.
     Ao longe, na fronteira da fazenda, avistava o Guri, cavalo que lhe servia para todas as atividades campeiras, as três vacas leiteiras e o boi zebu que se perfilava para cobrir uma delas.
     Notou que José, seu estimado peão, alimentava os porcos, que disputavam a melhor parte da lavagem e Célia a mulher de José, lançava o milho aos patos e as galinhas...
     Junto aos pés do gaúcho cinqüentão, deitado, mas sempre em prontidão, estava Cusco, cachorro vira-lata que apareceu numa manhã outonal. Por instinto, sabia quase tudo que o seu dono viria a fazer. Parecia não cansar, acompanhando o estancieiro nas jornadas mais longínquas. Parecia pensar, ...uma sombra do patrão.
     Quando o estancieiro estava triste, o cão uivava a noite inteira, quando o estancieiro estava contente, o cachorro corria de um lado para outro, sem se cansar, parecia rir a todo momento.
E em dias como esta manhã, na qual o coração do fazendeiro parecia buscar algo no horizonte, ficava deitado, em expectativa... cão e homem pareciam uma só pessoa.
     Pensativo, João Camilo olhava sem notar, as borboletas e colibris, eles voavam por entre as belas rosas do jardim que circundava a casa. Ouvia-se os quero-queros protegendo seus ninhos, as forneiras construindo suas casas e os anus, como pontos pretos, por sobre as cascas secas de arroz.
     Sentado na cadeira de balanço, amargurado no coração e esperando a esperança como rajada de vento que arrasta as dores dálma, lembrou do dia que seu coração de gaúcho, quebrou como cristal de vidro de cristaleira, ...ficou como pardal preso na gaiola
     A imagem de anos atrás, daquela noite de inverno, noite destas que o minuano assopra forte e assobia por entre as portas e janelas, anunciando a malvadeza do frio, ela a mulher da sua vida anunciou que ia embora, que a vida na fazenda não era o que queria.
     A linda mulher queria a cidade, queria a agitação urbana, as festas, as danças na noite, queria viver rodeada de gente e não de bichos. Estava cansada de ficar sozinha na fazenda, enquanto ele peleava, por meses, vendendo gado e se divertindo nos prostíbulos da região.
     Enquanto ela falava, com uma delicadeza e elegância ímpar, era como o coração do nobre gaúcho levasse um balaço de arma de dois canos, daquelas que o chumbo fere, furando o homem e tirando parte de suas entranhas...
     Ouvia –a, mas permanecia rígido, pensava que como gaúcho não podia dar o braço a torcer, desejava matar em nome da honra, mas pensou que honra, não tinha... Tinha feito poucas e boas para a bela chinoca, várias vezes. O gaúcho pensava que ela não sabia, que ela estava feliz. Com os seus botões pensava, mas afinal o macho não podia tudo, não podia tudo...
     Depois que a patroa falou mais de uma hora, vestiu seu vestido de rendas vermelhas, colocou um sapato alto, alcançou uma pequena bolsa, apenas com o necessário, e foi embora.
     Ele ficou estarrecido, as pernas não mexiam, o corpo não respondia aos anseios da mente e do coração. Queria gritar, pedir a ela que não fosse embora, mas não conseguiu, o coração de ferro do gaudério calou-se...
     Alguns meses depois da desgraça, ele notou que ela deixara todas as jóias que ele lhe dera de presente, os vestidos mais bonitos,... Levara apenas o porta-jóias de vime e um cordão de prata envelhecido que pertencera à mãe.
     O porta-jóias foi feito por João Camilo quando brincavam na beira do arroio. Combinaram que ali guardariam as mágoas e a solidão e que o amor entre eles seria somente alegria e felicidade.
     Bisbilhotando pela vidraça das janelas, foi acompanhando o corpo feminino sumir na distante porteira da fazenda. Antes de desaparecer por completo, ela parou, voltou seu corpo para a casa, olhou para João e abanou para o ex-companheiro
     Com lágrimas fortes e quentes, rolando pelo rosto com a barba ainda por fazer, um sentimento, antes nunca sentido aportou em seu coração e lhe dizia que ela voltaria.
     João Camilo pensava que ela não poderia ter esquecido dos banhos e das gargalhadas na beira do arroio, do esconde-esconde no milharal, das cavalgadas nas campinas verdejantes, dos beijos ardentes e dos abraços calorosos em meio ao capim e entre os lençóis e fronhas perfumadas...
     Aquele dia foi o pior de toda a sua vida. Um dia após a partida da mulher, Cusco apareceu, sarnento e magricela, João Camilo ao olhá-lo, viu-se a si próprio, abandonou o cão a sua sorte e mandou que o retirassem da fazenda.
José e Célia cuidaram do cachorro, escondido do patrão, E em pouco tempo começou a correr atrás do patrão, mas ele fazia que não o via. Mandava-o embora e ele voltava, lambendo-lhe os pés.
     O cuidado e a maneira de olhar para o cão, mudaram quando Camilo, em dia de colheita de milho, depois de muito pelear pela fazenda, desceu do cavalo e deitou-se embaixo da grande figueira. Sem perceber atiçou a fúria de um cobra cruzeira, que se não fosse Cusco, João poderia estar morto. O patrão ficou tão impressionado que começou a cuidar do cão.. Daquele dia em diante, Cusco nunca mais afastou-se do fazendeiro.
O silêncio foi quebrado por um grande relâmpago que assustou a todos. Cusco encolheu-se por debaixo da cadeira e João Camilo olhou novamente para a porteira, precisava acabar com aquele sofrimento. Pensava que seria a última vez que olharia para a entrada da propriedade, seu coração, ainda ferido, precisa resolver não esperar mais...Era difícil, mas era preciso ser feito...Homem tem que ser decidido, não pode chorar as mágoas do coração...
     A chuva veio torrencialmente, o dono da casa puxou a cadeira mais para perto da parede, levantou-se, pegou a chaleira e a cuia e foi para dentro.
     Na sala pegou de cima da mesa, um livro grosso, com folhas amareladas e começou a anotar o que precisava comprar.     Cusco começou a ficar agitado e a latir muito. Latia e se dirigia até a porta, voltava, latia para o seu dono e voltava à porta. Fez isso várias vezes até João abrir a passagem para que ele saísse.
     João, curioso, levantou-se e olhou pelas vidraças molhadas pela chuva. Avistou um pequeno vulto na porteira da propriedade. Olhou, olhou como coruja na escuridão, tentou saber quem era, mas não conseguiu distinguir o pequeno corpo.
     Cusco correu em disparada até a porteira e quando Camilo olhou novamente não viu mais nada. Fora imaginação... voltou ao trabalho.
     Cusco latia tanto que ele não pode esperar e teve que ir até a porteira.
     Chegando lá, viu caída no chão, uma menina franzina, de mais ou menos dez anos. No corpo apenas um vestido poído pelo tempo. No pescoço uma corrente de prata envelhecida, escrita “Joana”, e na pequenina e frágil mão, uma caixa de vime, quebrada pelo tempo.Na mão direita, embarrada pelo lodo, um pedaço de renda vermelha, semelhante ao vestido que Felícia vestira ao partir.
     João observou muito bem a menina e percebeu os traços de Felícia Os lábios finos pareciam com os seus...A chuva continuava forte. Todos estavam encharcados.
A menina abriu delicadamente seus olhos e fitou os de João. Quase que sussurrando disse, enfraquecida:
     —Mamãe pediu que lhe entregasse essa caixinha e essa corrente...Mamãe não pode mais voltar...não está mais aqui...Dizendo isso desmaiou.
     João a segurou forte e a levou para dentro da casa. Ao deitá-la na cama, notou que a mancha escura em seu bracinho fino era igual à dele...
     Muito pouco tempo depois a chuva parou as borboletas, os colibris, os quero-queros apareceram, mas nada era igual... Tudo havia mudado.
     Um ano depois da chegada da menina, a cadeira não estava mais no mesmo lugar...ao longe ouvia-se gargalhadas e correrias por entre os milharais.Havia por todos os cantos sentimentalidades filiais...
     A porteira, os malmequeres e as enfileiradas paineiras não pareciam tão distantes...e o coração do gaúcho, sentindo-se pai, voltou a ser novamente feliz.











Biografia:
Eliana Fonseca nasceu no interior do Rio Grande do Sul. Filha de Júlio Fonseca, agricultor e Eva Feijó da Fonseca, dona de casa. A infância viveu na vila e na pequena chácara da família. neste ir e vir foi construindo suas histórias, escondida entre os arbustos que marjeavam as plantações de milho, eucaliptos e dos pessegueiros que o pai plantava para alimentar a família de dez filhos. Dos causos que mãe relatava e os contos que o paiscontava foi construindo suas histórias e apaixonando-se pela literatura e pelas artes.Atualmente é professora e mora com a família na cidade de Pelotas.
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