1. Introdução
Pode-se dizer que o direito do trabalho tem uma vocação calcular, o que implica dizer que as normas trabalhistas estabelecem ou uma condição ou um número (férias, horas extras, percentuais, danos) - natureza quantificável. Conduzem, portanto, as normas trabalhistas a um cálculo - nisto reside a calculabilidade do direito do trabalho.
A CLT (Decreto-lei n. 5.452/1943) é um decreto-lei que foi recepcionado pelo ordenamento como lei complementar, e alterada pelo Decreto-Lei 229/1967. Um viés sociológico sobre o trabalho nos possibilita concluir que quando o Estado participa das relações de trabalho, uma parte da renda é recolhida por ele. Por outro lado, quando da adoção de políticas neoliberais, observa-se uma tendência de contratos civis de trabalho que se sobrepõem a contratos sociais de emprego.
Há alguns dilemas nos quais se manifesta atualmente o direito do trabalho:
• Qual a razão do movimento de saída de pessoas do Brasil rumo aos EUA, vez que lá há menos direitos trabalhistas?
• Após a abolição da escravatura, raríssimas pessoas têm o direito de não trabalhar.
• Nas constituições antigas do Brasil, o trabalho era uma obrigação, mas a CF mais recente compreende o trabalho como direito - o que mudou?
A resposta para essas e outras questões que perpassam a análise da sociedade brasileira à luz do trabalho, encontra-se nos contextos históricos:
• 1500 - a mão de obra indígena e a escrava não podem ser consideradas trabalho. “Trabalho” não é um termo atemporal e segue alguns requisitos
• 1850-1930 - regime do colonato (colonos que trabalhavam em uma terra, os lucros eram divididos com o proprietário, tratava-se de um modo de parceria, não em trabalho propriamente dito, mas uma fase de pré-trabalho). Em 1850 surge a Lei de Terras, que estabeleceu um regime de escassez - o acesso à terra fica condicionado à compra
• 1888 - abolição da escravatura - “liberdade” acompanhado do abandono - liberdade enquanto um valor de dimensão negativa. No direito do trabalho, a liberdade para auferir lucro, desvencilhando-se dos direitos carrega essa conotação negativa.
• Decreto-lei 1313/1891 - trabalho infantil
• 1930 - nasce o trabalho na acepção do termo que hoje se conhece. É um período de crescimento da urbanização/industrialização e de queda na ruralização, de forma que os meios urbanos tinham demanda por mão de obra, funcionando a CLT como chamariz para a urbanização (Era Vargas). Os trabalhadores rurais e domésticos, no entanto, não foram alcançados pela CLT, por força da bancada ruralista, haja vista que quando se cria um direito, o custo social/coletivo aumenta
• 1943 - CLT (decreto)
• 1988 - Constituição Federal
Em síntese, o trabalho enquanto conceito é a atividade humana produzida com liberdade e consenso que gera benefícios para o outro/para a coletividade de forma onerosa. Se somente para si, não é trabalho, mas sim consumo. Para ser considerado trabalho, devem estar reunidos, portanto os seguintes elementos, que apenas surgiram sem ressalvas a partir de 1930: humano - livre - benefício - retorno financeiro. Não se podendo falar em trabalho antes disso.
É comum considerarmos que os movimentos sociais são os grandes responsáveis pela criação de direitos, mas na verdade os movimentos têm uma participação maior na manutenção dos direitos adquiridos ou suprimidos que na criação de novos. O trabalho é um tema que toca os direitos humanos, sendo importante uma constante vigilância pelas instituições.
A CLT nasceu na década de 1940, mas se considera uma legislação urbana, visto que não alcançou os trabalhadores rurais, que apenas tiveram seu trabalho regulamentado em 1963, com o Estatuto do trabalhador rural. O serviço doméstico, por sua vez, carece de regularização até os dias de hoje, sendo minimamente presente na legislação pela Lei complementar 150/2015.
Os direitos trabalhistas em perspectiva contextual, surgiram com a industrialização, quando se passou a medir o custo do trabalho humano nos contratos de trabalho em comparação com o maquinário. No meio rural os direitos foram posteriores, por exemplo, porque lá a industrialização chegou um pouco mais tarde, em 1960 com a Revolução verde. Assim, pode-se dizer que as trabalhadoras domésticas ainda não têm seus direitos plenamente consolidados porque a indústria ainda não as alcançou, já que seu trabalho se enquadra como um serviço que não gera propriamente um lucro financeiro ao empregador.
2. Organização Internacional do Trabalho - OIT
Com o Tratado de Versalhes, em 1919, surge a OIT, que buscou padronizar regras e uniformizar direitos relacionados ao trabalho em nível internacional. É uma organização que surge no pós-guerra, em um momento de graves crises econômicas.
Quanto mais direitos, maior é o custo de produção, e quanto mais indivíduos, mais regras são necessárias para gerir a complexidade. A OIT possui estrutura tripartite, ou seja, nela estão representadas três classes que governam a estrutura: trabalhadores, empregadores e governos. O grande problema da OIT hoje é que ela não prevê efeitos punitivos àqueles que não a cumpre, de modo que inexistindo sanções, há uma tendência de que os países não a cumpram, sob o argumento de que eventuais sanções violariam sua autonomia/soberania.
Princípios regentes da OIT:
• Liberdade de associação e reconhecimento efetivo do direito à negociação coletiva (aproxima-se da liberdade sindical)
• Eliminação de todo trabalho forçado/obrigatório
• Abolição efetiva do trabalho infantil
• Eliminação da discriminação em matéria de emprego ou profissão
As convenções são fontes formais de direito e podem ser usadas para fundamentar decisões, visto que possuem força normativa. O Brasil é considerado um país que se situa em um bom nível em termos de regulamentação do trabalho conforme a OIT. Convenção, ressalta-se, é um tratado de natureza normativa, multilateral e aberto, não podendo ser considerado um contrato, visto que não pode impor, apenas sugerir. É supralegal no âmbito constitucional e adquire posição de emenda, não de lei ordinária. Classificam-se as convenções em autoaplicáveis, cujo conteúdo dispensa regulamentação, de princípios e promocionais. Um Estado pode denunciar uma convenção, o que significa que determinada convenção pode deixar de valer em um Estado que antes a havia assinado.
3. Direito do Trabalho e outros ramos do direito
• Relação com o direito constitucional: a Constituição Federal, especialmente em seus arts. 7º e 114 busca regular as relações de trabalho e assegurar suas garantias. No entanto, enquanto a CLT dispõe sobre a competência da Justiça do Trabalho para regular as relações de emprego, a CF/88 trata de forma mais ampla sobre a regulamentação das relações de trabalho. Em matéria trabalhista, a CLT goza de maior eficácia em comparação com a Constituição. A razão pela qual a não é expansível o art. 7º a todos os trabalhadores (ele especifica trabalhadores rurais e urbanos, sem incluir, por exemplo, as domésticas), é porque criar direitos gera custos. Os direitos sociais passaram a ser direitos fundamentais a partir das cartas constitucionais, antes eram apenas os direitos civis e políticos.
• Relação com a seguridade social: todas as mazelas que se originam do contrato de trabalho podem ser “empurradas” ao Estado - INSS, retirando a responsabilidade do empresário para que isso não influencie tanto no mercado, e sendo, portanto, um meio de o Estado regular a economia. Hoje fala-se em responsabilidade objetiva (sem discussão da culpa), ao tratar da ideia de que se o empregado aumentar o risco, o Estado exige um pagamento a mais do empregador em razão de sua parcela de responsabilidade.
• Relação com o direito civil: no sentido da responsabilidade (quem responde?), que inclusive pode ser solidária ou subsidiária
• Relação com o direito penal: causas criminais podem ser julgadas pelo juiz do trabalho se tiverem relação com o trabalho - ex: trabalho em condições análogas à escravidão
• Relação com o direito tributário: políticas neoliberais alinham-se a menos contratos de emprego e mais contratos de trabalho, em um contexto em que o próprio governo incentivou a pejotização.
Trabalho se distingue de emprego na medida em que trabalho é gênero (mais amplo), enquanto que emprego é espécie (uma espécie de trabalho). O emprego é definido pelos arts. 2º e 3º da CLT, sendo que o empregado deve ser uma pessoa física (+ pessoalidade: o prestador de serviço é sempre o mesmo, não sendo substituível por terceiros), que exerce um serviço não eventual (o serviço deve ser habitual, recorrente e previsível), sob a dependência do empregador e oneroso (exige-se uma contraprestação, que é posterior: primeiro se trabalha para depois receber, e pelo menos 30% deve ser paga em dinheiro, o restante pode ser pago com bens in natura).
Uma questão que gera debate é sobre o caso de um bem dado ao empregado, se tal bem poderia ser descontado do salário, e para responder, é necessário distinguir entre um bem para o trabalho, que não pode ser descontado do trabalho e bem pelo trabalho. Ainda, pode haver uma modalidade de contraprestação baseada em uma parte fixa do salário (ao menos um salário mínimo) e uma parte comissionada, de natureza variável. A característica da exclusividade não impede que o trabalhador tenha vínculos de trabalho em outros lugares, e a simultaneidade é resolvida a partir do critério da preponderância.
Quanto à dependência, observa-se que a CLT não usou a palavra “subordinação” por opção legislativa, e o termo “sob a dependência de” indica que os bens necessários ao desempenho do trabalho são fornecidos pelo próprio empregador, ou seja, depende do custeio do empregador em uma situação de dependência de dispêndio. O termo “subordinação” apenas chegou à CLT em 2011, e não foi utilizado em razão de que não apenas o empregado, mas também o empregador são subordinados à CLT. Não se trata então de uma subordinação entre empregado e empregador, mas sim entre estes entes e o Estado/legislativo. Isto é, a subordinação como obrigação jurídica, de modo que não foi usada em razão de o Estado subordinar os contratos.
4. Fontes do Direito do Trabalho
As fontes dizem respeito acerca de onde emanam os direitos, tratando da legitimidade para a construção de direitos válidos no ramo do trabalho. Estão entre os legitimados o Estado, a OIT, as partes (empregado e empregador) e os sindicatos, que inclusive possuem força normativa. Costuma-se dizer que o direito do trabalho é um ramo do direito público, por ser regido por relações sociais e constitucionais, mas seu viés é privado, e baseado no contrato/acordo entre as partes.
São fontes formais do direito aquelas que são escritas, enquanto que as fontes materiais se referem aos acontecimentos/fatos sociais, que são a matéria-prima da norma. Os costumes enquanto fonte são bastante escassos na CLT. O contrato trabalhista é regido pelo princípio da primazia da realidade, em oposição às formalidades. Isso significa que a oralidade, no entanto, pode ser fonte do direito, não se restringindo somente àquilo que está escrito e formalizado, de modo que inclusive, a realidade se sobrepõe à manifestação de vontade entre as partes: ex - um sujeito começa a prestar serviços a alguém, ficando acordado entre eles que não haverá nenhuma onerosidade. Nesses casos, ainda assim tem-se uma relação de trabalho, mesmo que as partes não queiram.
As fontes formais podem ser heterônomas, quando as partes não participam da criação da norma, visto que ela é externa, já está posta (ex: Constituição) ou autônomas, quando as partes entre si criam a norma. Convenção da OIT ratificada pelo Brasil - discute-se se é heterônoma, já que elaborada no âmbito da OIT e se pode haver um viés autônomo em razão da estrutura tripartite da OIT em razão da participação, ainda que menor, do Estado, dos empregados e dos empregadores. Sobre as sentenças normativas, também há discussão doutrinária, sendo que alguns sequer a conhecem como norma.
Os direitos individuais do trabalho são indisponíveis, não se sujeitando à arbitragem, mas quanto à natureza da sentença arbitral, tem-se um viés de fonte autônoma se por meio da conciliação, mas o mesmo entendimento é dúbio quando trata de mediação, já que esta pressupõe maior atuação de um terceiro. O regulamento de uma empresa, se já posto, é heterônomo, se não, é fonte autônoma. Súmula vinculante e jurisprudência têm força normativa e são heterônomas.
O costume é uma fonte autônoma, mas não é considerado fonte de lei válida/escrita, embora haja muita variação doutrinária. Entende-se que o costume apenas gera direito se houver uma lei que diga que ele gera. Nos termos do art. 620 da CLT, o negociado vale sobre o legislado, o que significa que as normas autônomas valem mais que as normas heterônomas, possuem maior poder normativo. Até a reforma trabalhista (L. 13.467/2017), a norma mais favorável estava no topo, e prevalecia sobre a Constituição, sendo um incentivo à negociação e à produção da norma autônoma, como acordos coletivos e ações coletivas. Para compreender, portanto se autônoma ou heterônoma uma fonte, analisa-se o direito conforme de onde ele emana.
5. Princípios do Direito do Trabalho
Os princípios emanam do texto da lei e têm força normativa. Estão dentro do direito e podem ser definidos como um somatório de regras avulsas, sendo também uma fonte normativa. Norma é gênero, enquanto que princípios e regras são espécies.
Para Bobbio, os princípios são normas fundamentais e pré-jurídicas, mas em uma acepção ampla, princípio é um mandamento nuclear de um sistema jurídico, são diretrizes orientadoras.Os princípios que interessam ao direito do trabalho são os princípios constitucionais, os princípios da OIT, os contidos na CLT e na legislação extravagante.
5.1 Funções dos princípios:
• informativa - vinculam as normas
• interpretativa - adquirem o sentido da lei
• normativa - têm força de lei, embasam decisões
• integrativa - supre as lacunas da lei, colmatação
O princípio basilar do direito do trabalho, que segue a Constituição Federal, é o princípio da dignidade humana, inserindo-se nele o direito do trabalho à medida que se compreende o trabalho como dignificação, devendo este assegurar direitos e obrigações, bem como preservar a liberdade e a vida dos indivíduos. Deste princípio decorrem outros de especial importância ao direito do trabalho: o princípio do valor social do trabalho, que entende que o trabalho não é apenas mercadoria, e o princípio do valor social da livre iniciativa, que afirma que o Estado e as instituições podem vedar/criar barreiras ao trabalho, mas não podem impedi-lo, de modo que os obstáculos devem ser transponíveis, considerando-se outros princípios, como o da razoabilidade, da segurança, da igualdade e da legalidade.
5.2 Princípios constitucionais trabalhistas:
• Princípio da proteção (do trabalho): entende que a vida humana deve ser o fim último e máximo das instituições. Trata-se de um princípio tutelar que guarda estreitas relações com o princípio da dignidade. É um princípio que tem por elementos a norma mais benéfica (que inclusive pode ser sobreposta à CF), a cláusula mais benéfica e in dubio pro misero/pro operario.
• Princípio da proteção da relação de emprego: se explica com um caso prático - a multa de 40% imposta ao empregador que demite o empregado sem justa causa é um incentivo à preservação do emprego. Dele decorre o princípio da continuidade da relação de emprego.
• Princípio da proteção do salário: o salário é considerado renda de subsistência/sobrevivência, é de caráter alimentar que assegura a manutenção do servidor. Dele decorrem os princípios da irredutibilidade, da isonomia salarial e da garantia do salário mínimo
• Proteção do mercado de trabalho da mulher: correção das injustiças em desfavor do trabalho feminino e incentivo à inserção da mulher no mercado de trabalho - busca pela igualdade
• Proteção do meio ambiente de trabalho: o local de trabalho deve ser salubre e seguro, de modo que as condições de trabalho adequadas devem ser asseguradas pelo trabalhador. Tem-se como subprincípio a limitação da jornada de trabalho em uma perspectiva de proteção em face da automação
• Princípio da redução dos riscos laborais: necessário estabelecer limites à exposição aos riscos - ex: lesão, explosão, cortes, substâncias químicas
• Princípio da obrigatoriedade da segurança/seguro ao acidente de trabalho
• Princípio da responsabilidade civil em relação aos danos: um risco maior gera responsabilidade objetiva (sem análise de culpa). Ou seja, o empregador pagará independentemente de quem causou o dano. Por exemplo: se um trabalhador recebeu um EPI mas não o usou e se lesionou, a responsabilidade é do empregador, que não exerceu o dever de fiscalização
• Princípio do pagamento dos adicionais de insalubridade (risco de morte lenta, constância, a longo prazo), penosidade (setor público) e periculosidade (risco de morte imediata e lesão)
• Princípio da proibição da disciriminação decorre da CF e da OIT - proibição da diferença salarial (é importante ter isonomia/equiparação). Também é fortemente atrelado à dignidade humana
• Proibição da distinção entre os trabalhadores manuais e os intelectuais: o trabalho manual é imprescindível ao intelectual, eles se complementam
• Princípio do reconhecimento das convenções e acordos coletivos: os sindicatos possuem capacidade normativa e são organizações privadas que recebem dinheiro público para se manterem, devendo o Estado fiscalizar diretamente, sempre lembrando que os direitos trabalhistas são irrenunciáveis e indisponíveis
Disciplina: Direito do Trabalho I
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