O romance em cadeia é uma figura que ilustra o processo de interpretação legal de Dworkin, baseada na comparação entre o direito e a literatura, que de acordo com o autor, consiste em um projeto no qual um grupo de romancistas escreveria um romance em série, no qual cada romancista interpreta os capítulos que recebeu para, a partir desse, escrever um novo capítulo, que então é analisado pelo romancista seguinte e adicionado de um novo capítulo, e assim por diante. Assim, pode-se estabelecer uma comparação entre o intérprete do direito e o intérprete do romance em um caso difícil. Um grupo de romancistas deve escrever uma novela, onde cada autor escreve um trecho, e a atividade do último novelista é sempre a de interpretar os argumentos dos antecessores e conforme suas próprias convicções escrever a continuidade do texto, de forma coerente, com consistência narrativa. O objetivo posto pelo autor ao comparar o direito com o romance em cadeia se expressa: “Ao decidir um novo caso, o juiz deve considerar-se como parceiro de um complexo empreendimento em cadeia, do qual um imenso número de decisões, estruturas, convenções e práticas formam sua história; e ao juiz cabe dar uma continuidade coerente a essa história no futuro, consciente de que deve interpretar o que aconteceu antes e levar adiante a incumbência que tem em mãos, e não partir em alguma nova direção”. O autor pontua também a importância da manutenção da coerência entre os capítulos e uma respectiva justificação que conduza a continuidade, de modo a garantir a dinamicidade interpretativa de novas diretrizes jurídicas aliadas ao reconhecimento de uma progressão à qual se deve o respeito e a minuciosa análise para renová-la de forma exitosa, o que não deixa de se apoiar nas convicções morais do julgador. De acordo com Ronald Dworkin, essa comparação entre o jurídico e o literário pode ser um método aplicado à resolução dos hard cases (casos difíceis). Segundo a metáfora explicativa utilizada por Dworkin, conclui-se que a
complexidade dessa tarefa reproduz a complexidade de decidir um caso difícil de direito como integridade. Isto é, pode-se perceber a existência de um caso difícil em uma situação na qual o juiz se depara não somente com lacunas na lei, mas também a presença de argumentos fortes, o que se relaciona à ideia de integridade. Para tanto, é fundamental utilizar argumentos de princípio em substituição de ideais de natureza política.
O juiz Hércules é uma alegoria de Dworkin a partir da qual o autor analisa a atividade jurisdicional e se trata de um juiz imaginário que aceita o direito como integridade, sendo um filósofo consciente da complexidade da tarefa da decisão judicial, que tem capacidade e tempo ilimitados, conhece a letra da lei e a história de sua comunidade, e toma decisões dentro dos critérios de adequação e justificação. Dworkin defende a partir disso, que os juízes devem estar além de uma mera condição de operadores do direito, sendo necessária uma sólida formação intelectual e filosófica que lhes garanta a atribuição de concretizar, por meio da capacidade de raciocínio, a previsão de direitos sociais, econômicos e financeiros. O termo "Hércules", portanto, se vincula à ideia de um trabalho grandioso e altruístico realizado pelo juiz. Retomando a importância que Dworkin prescreve aos princípios, vale ressaltar que o autor propõe a captura da “força gravitacional” dos precedentes que atuam nas decisões judiciais, por parte do juiz, o que se sustenta pelos argumentos de princípios. Além disso, Dworkin ressalta que é com a figura do juiz Hércules que a coerência vertical e horizontal do sistema é alcançada, assim como a adoção do juiz de uma noção do Direito como integridade, vez que está convencido de que este oferece tanto uma melhor adequação quanto uma melhor justificativa da prática jurídica como um todo. Ou seja, Hércules responde aos impulsos antagônicos da sociedade procurando uma interpretação construtiva atribuída a um juiz cuidadoso e criterioso. Dworkin igualmente relaciona a alegoria do juiz Hércules ao romance em cadeia, quando afirma que o mesmo deve se posicionar, formar sua própria opinião sobre o problema apresentado, assim como um romancista em cadeia deve encontrar alguma maneira coerente de ver um personagem e um tema, mas com limites para o uso das convicções do juiz ao decidir um caso, ainda que a interpretação dada por Hércules a um caso difícil esteja sempre assentada sobre a moral, cuja moralidade se pauta nos princípios no âmbito da visão integral do direito. Em síntese, Dworkin sustenta que os métodos de Hércules oferecem uma interpretação melhor da verdadeira prática judicial, ao entender a ideia do propósito ou da intenção de uma lei não como uma combinação de intenções de legisladores particulares, mas como o resultado da integridade, de adotar uma atitude interpretativa com relação aos eventos políticos que incluem a aprovação da lei.
Disciplina: Teoria do Direito II
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