Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
O Homem cordial pandêmico
Flora Fernweh

O conceito de homem cordial, proposto por Sérgio Buarque de Holanda, está relacionado ao comportamento afetivo que movia as relações no Brasil colonial. Segundo o autor, o homem cordial é incapaz de se desprender dos laços familiares, e age ainda, destituído do devido rigor que as circunstâncias exigem. Trazendo a ideia de homem cordial para o Brasil contemporâneo, pode-se facilmente identificar que o conceito se manifesta na negligência às normas de funcionamento social, a partir do momento que em que o sujeito age de modo irracional, relegando a ética ao segundo plano e enfatizando o teatro da generosidade, que é usada como pretexto. Assim, o lado negativo de sua conduta é abrandada pelo “agir com o coração”, ou nesse caso, pela justificativa emocionada acerca do medo e da insegurança que o contexto da pandemia proporciona. A partir da informação de que um indivíduo está se aproveitando de sua posição social privilegiada, fica nítida a sua tentativa de transformar seu status social em um mecanismo para burlar a regra, com o fim de conseguir tomar a vacina, o que claramente reafirma o discurso de que o seu merecimento é maior quando comparado com os demais, e se insere no “jeitinho brasileiro”, caracterizado como uma maneira de o sujeito buscar resoluções simples para problemas que podem ser ainda mais complexos, manejando as situações e tornando-as mais favoráveis conforme seus interesses.

Somado a isso, se correlaciona o abismo das desigualdades que se tornaram ainda mais salientes no contexto da pandemia, e agora na fase da vacinação, o que dialoga com o fato de a cordialidade não perceber tais disparidades, uma vez que a pessoalidade é um de seus elementos. Do mesmo modo, ao querer antecipar sua vacinação em benefício próprio ao invés de seguir o mesmo caminho dos demais cidadãos, uma outra característica do homem cordial se faz presente, que é a incapacidade de distinguir entre o meio público e o privado, já que adentra com uma intenção privada e particular o espaço público, favorecendo-se da vacinação do povo, que ainda caminha a passos lentos. É interessante notar que existe uma contradição entre aqueles que ocupam os altos postos de trabalho, que supostamente deveriam agir na defesa da sociedade, e o comportamento dos mesmos, marcado pela irresponsabilidade e pelos atos na contrapartida das normas, o que mais uma vez, exemplifica a ruptura com a ideia de progresso coletivo, ao proceder de modo não somente individualista, mas sobretudo, egoísta. Além de situações como essa, são recorrentes outros casos, também referentes ao acesso à vacina, nos quais homem cordial marca sua presença, por exemplo, quando profissionais da área da saúde conseguem agilizar o processo de vacinação de seus familiares e amigos, o que mais uma vez, evidencia a camaradagem e a dificuldade em se desvincular dos laços familiares. Assim, o homem cordial se apresenta: impaciente com as longas filas, desprezando mesmo que de modo sutil o sistema democrático que rege a sociedade, e atento às brechas que oportunizam desde as menores até as mais expressivas falcatruas.


Biografia:
Sobre minha pessoa, pouco sei, mas posso dizer que sou aquela que na vida anda só, que faz da escrita sua amante, que desvenda as veredas mais profundas do deserto que nela existe, que transborda suas paixões do modo mais feroz, que nunca está em lugar algum, mas que jamais deixará de ser um mistério a ser desvendado pelas ventanias. 
Número de vezes que este texto foi lido: 61737


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Companhias de viagem Flora Fernweh
Poesias Línguas sem saudade Flora Fernweh
Crônicas O menino que virou borboleta Flora Fernweh
Crônicas José e Pilar, conversas inéditas - impressões pessoais Flora Fernweh
Resenhas Conclave - impressões pessoais Flora Fernweh
Crônicas Não há mérito Flora Fernweh
Crônicas A perda da escrita manual Flora Fernweh
Resenhas Anora - impressões pessoais Flora Fernweh
Poesias Dermafrost Flora Fernweh
Crônicas Em janeiro escrevi Flora Fernweh

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última

Publicações de número 11 até 20 de um total de 447.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Resumo - Direito da Criança e do Adolescente - Isadora Welzel 62754 Visitas
A SEMIOSE NA SEMIÓTICA DE PEIRCE - ELVAIR GROSSI 62717 Visitas
O pseudodemocrático prêmio literário Portugal Telecom - R.Roldan-Roldan 62643 Visitas
A Aia - Eça de Queiroz 62624 Visitas
Mistério - Flávio Villa-Lobos 62578 Visitas
Jazz (ou Música e Tomates) - Sérgio Vale 62566 Visitas
Legibilidade (Configurando) - Luiz Paulo Santana 62557 Visitas
O Senhor dos Sonhos - Sérgio Vale 62555 Visitas
Minha Amiga Ana - J. Miguel 62542 Visitas
MEDUSA - Lívia Santana 62500 Visitas

Páginas: Primeira Anterior Próxima Última