Quanta putaria triste! Com o perdão da expressão, mas filmes adultos com frequência me deixam em choque, e com Anora não foi diferente. Para além da história e dos comentários, fiquei entusiasmada para assistir ao longa principalmente por conta das indicações ao Oscar. Com cenas eróticas desde o início e sexo explícito, Anora foi um filme que me surpreendeu, só não tanto quanto Pobres Criaturas. Dirigido por Sean Baker, a jovem Anora, interpretada por Mikey Madison é prostituta em uma boate no Brooklyn, e a trama gira em torno de seu envolvimento com um de seus clientes, Vanya Zakharov, filho de um grande oligarca russo.
Bem diferente de Uma Linda Mulher, com a Julia Roberts, senti que Anora é um filme mais pesado e crítico. Atraída pela riqueza do rapaz, e sem tanto esforço, ela consegue manipulá-lo a ponto de se casarem em Las Vegas. Embora Vanya seja um jovem imaturo de 21 anos, viciado em drogas, sexo e videogames, a ganância de Anora falou mais alto, e encarando o romance como uma possibilidade de ascender socialmente, algumas consequências ruins estariam por vir. Quando os pais de Vanya souberam do casamento do filho com uma mulher da noite, enfureceram-se e mandaram seus capangas irem atrás dos dois para anular o casamento.
Cabem alguns apontamentos jurídicos em determinadas brechas que o filme deixa, como quando o advogado contratado pela família afirma não ser possível a anulação do casamento em Vegas, devido a uma peculiaridade própria da região, o que seria diferente se eles tivessem se casado em Nova Iorque, onde vigora outra legislação e outros procedimentos. Ainda, para quem é leigo no assunto, anular um casamento pode parecer sinônimo de divórcio, mas os efeitos jurídicos desses institutos são bastante diferentes.
E Anora foi perspicaz quando alegou não ter feito um pacto antenupcial, e, portanto, ao ser pressionada para desfazer o laço matrimonial, requereu o auxílio de um advogado para que fosse feita a devida partilha de bens. Conheço pouco da legislação norte-americana, que, na verdade, varia drasticamente conforme a região, mas esse pensamento poderia ser aplicado no Brasil, já que o regime automático que vigora entre os cônjuges é o da comunhão parcial de bens, caso outro não tenha sido estabelecido previamente.
Mas voltando à história, o glamour da vida noturna, a sedução e o encantamento feminino apresentados no começo sofrem uma inversão a partir da metade do filme. Interessante notar que não houve um momento de felicidade plena e sóbria em todo o tempo em que estiveram juntos, porque a fortuna de que Anora passou a desfrutar escondia uma intransponível superficialidade e todo o aproveitamento era regado a festas, álcool, entorpecentes e depravação.
Não quero dar spoilers, mas garanto que o final é um triste choque de realidade que remonta ao sofrimento de muitas mulheres que perderam sua dignidade, e neste caso, não apenas a dignidade do corpo, mas também a sua dignidade essencial, ao se venderem para homens endinheirados. É uma verdadeira dose de alerta contra aquelas (e aqueles, por que não?) que pretendem dar o golpe do baú e sonham com uma vida fácil, como se um príncipe encantado chegasse com a única missão de lhes prover.
Anora, a meu ver, mostra que se há algo mais desonroso que ser uma meretriz, é simular sentimentos com o intuito de enriquecer a partir da condição do outro. Trata-se de um filme que nos deixa uma poderosa mensagem sobre a honra e sobre as ruínas do egoísmo, de forma que todo o encantamento da personagem se esvai pouco a pouco, juntamente com as ilusões que criou para si, restando no fim, apenas a fragilidade e a vulnerabilidade em nudez e espírito.
Quanto às minhas expectativas sobre o Oscar, sinceramente não achei ser um filme de indicação merecida, apesar do assombro que exibe. Não querendo pender para a minha nacionalidade ou ideologia, mas Ainda Estou Aqui é implacável em sua potência, já Anora é a cautela com a prepotência. E penso que o Brasil, mais que nunca, precisa deste prêmio tão sonhado, a fim de que fique claro ao mundo e aos brasileiros que aqui se faz cultura, que aqui a história não é rechaçada, que aqui se faz cinema sim, e que, sobretudo, ainda estaremos aqui!
|