Ainda não assisti ao filme José e Pilar, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, mas tive a surpresa de conhecer um pouco sobre um dos autores mais célebres da língua portuguesa, José Saramago, por meio do livro que reúne conversas inéditas e cujo prefácio é de Valter Hugo Mãe. Com trechos selecionados de entrevistas, o livro José e Pilar é um presente intimista em forma de pequenos trechos de entrevistas, que apresentam o amor e a poesia entre o escritor José Saramago e a jornalista Pilar del Río em sua face mais real e eloquente.
Até que admiro José Saramago, e isso admito com base em alguns poucos textos e livros que li do autor, mas confesso que sou mais Fernando Pessoa, talvez a prosa de Saramago me intimida pela perfeita transposição da realidade, de forma que não consigo encontrar tanto mistério implícito em sua escrita. Após ler este pequeno livro, em timbre biográfico e que conta até mesmo com uma seleção de fotos, fiquei tentada a conhecer mais do trabalho do escritor português.
Por trás de um grande escritor, com frequência existe uma grande mulher, e na história da literatura, muitas vezes essa mulher era idealizada e tornada inalcançável pelo romantismo, que, inclusive, é alvo de críticas por Pilar del Río. É nítida a forma como ambos se complementam sem tantos clichês e preocupações que não cabem em um amor maduro. Para mim, as partes mais especiais do livro, dividido em capítulos alternados para não cansar o leitor, são justamente aquelas em que podemos conhecer mais de Saramago sob o olhar de Pilar, que doou-se plenamente a um amor que lhe foi predestinado, embora logo se perceba que ela é um tanto cética quanto a isso, e cujas renúncias lhe fizeram uma mulher muito feliz.
Sinto que Pilar e eu seríamos boas amigas, gosto da austeridade dela e da resistência às contingências, como ela bem narrou. Identifiquei-me demais com uma passagem logo nas primeiras páginas, em que Pilar afirma que o frio não lhe doi tanto e que também é capaz de não sentir tanto calor nos dias escaldantes, admiro essa dureza que de certa forma, lhe permite a versatilidade de uma mulher incomum.
De uma feminilidade firme e desapegada das pequenas coisas em prol de uma causa maior: este é o retrato que me vem à mente quando penso na voz por trás das respostas nas brilhantes entrevistas transformadas em livro. Compactuo com muitos pensamentos dela sobre a vida, sobre a escrita, sobre o amor e sobre a morte. Também fiquei comovida ao ler sobre a sua história, de modo que se eu pudesse caracterizá-la ou resumi-la às expressões que formam a tríade dos P’s de Pilar, seriam: prestatividade, potência e perspicácia.
Recomendo a leitura para todos aqueles que admiram a literatura portuguesa como um todo, ainda que Saramago já seja um mestre da literatura universal. Seus discursos conjugados com o de Pilar oferecem um panorama cultural fascinante sobre o mundo ibérico, mesmo sendo possível extrair da opinião de ambos que a nacionalidade não lhes é um elemento definidor de quem são.
A leitura é leve, e nos proporciona uma onisciência, e de forma simultânea, a impressão de que estamos dialogando com o autor e com sua amada. De certa forma, estamos, porque Saramago consegue tornar simples e palpável os grandes temas que assombram as relações humanas sem lhes retirar sua profundidade fundamental, enquanto se volta ao entrevistador com uma xícara de café e fala no mesmo tom como se conversasse com um amigo de infância, é assim que Saramago nos faz sentir.
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