Apesar da repressão ao tráfico negreiro transatlântico desde 1831, a entrada de escravos continuou ilegalmente até a segunda metade do século XIX no Brasil. Em 1850, a Lei de Repressão ao tráfego de escravos entrou em vigor. Em um artigo, Beatriz G. Mamigonian (2019) nos traz as condições jurídicas desses escravizados. Havia discursos conflitantes sobre o tema em todo o período.
Para alguns historiadores, foram os escravos do fim do ciclo do ouro de Minas Gerais que, transplantados para as plantações de café do Vale do Paraíba, movimentaram a monocultura de exportação. Através de uma análise econômica do mercado mundial da época, outros historiadores chegaram a conclusão contrária (MARQUESE & TOMICH, 2009). Atrelar a escravidão no vale cafeeiro ao declínio da mineração de Minas Gerais é anacrônico.
Antes da Revolução, Saint Domingue era o maior exportador de açúcar. O café, aclimatado há pouco tempo, não respondia ao grosso dos artigos de exportação. A Jamaica, e até mesmo Java produziam muito mais café do que o Império do Brasil. Mas devido às mudanças do mercado mundial, o país, mesmo sob intensa fiscalização inglesa, aumentou a produção de café através da importação ilegal de escravos africanos (ibid., 2009).
Houve todo um processo de concentração de mão de obra escrava no interior do eixo São Paulo/Rio de Janeiro/Minas Gerais (id., 2009). O fértil Vale do Paraíba contava com estradas reais e carga de moares do período da mineração. A retirada de Jamaica e Saint Domingue na produção de café, a mudança da maior praça comercial da Inglaterra para o EUA, e o declínio no preço do açúcar nacional modificou a dinâmica da escravidão.
Os tratados bilaterais com a Inglaterra foram desrespeitados. Os “africanos livres” nunca gozaram plenamente de sua liberdade. Em artigo de Keila Grinberg (2006) sobre processos de reescravização e manutenção da liberdade, vemos o quanto o direito à liberdade era caro e dificultado pelo sistema escravocrata: a segunda maior causa de ações na Corte de Apelação do Rio de Janeiro era escravidão e manutenção da liberdade, com cerca de 27%, só perdendo para cartas de alforria com 31%.
Somado o mercado financeiro mundial e as condições endógenas, a escravidão era uma política de Estado Nacional. Com a repressão inglesa e os movimentos antiescravistas (quilombagem e abolicionismo, por exemplo), o escravismo se sustenta como direito consuetudinário até 1888, quando a escravidão já não consegue mais sustentar a Monarquia.
REFERÊNCIAS
MAMIGONIAN, Beatriz Gallotti. A proibição do tráfico atlântico e a manutenção da escravidão. In: GRINBERG, Keila; SALLES, Ricardo (orgs.). Brasil Império, volume I, 1808-1831. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 207-233.
MARQUESE, Rafael; TOMICH, Dale. O Vale do Paraíba escravista e a formação do mercado mundial do café no século XIX. In: ________ (orgs.). Brasil Império, volume II, 1831-1870. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. p. 339-383.
GRINBERG, Keila. Reescravização, direitos e justiças no Brasil do século XIX. In: LARA, Silva H.; MENDONÇA, Joseli Maria (orgs.). Direitos e justiças no Brasil. Campinas, São Paulo: Editora da UNICAMP, 2006. p. 101-128.
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