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Você tem fome de quê? *
Rafael da Silva Claro



Naquele tempo, durante as eleições, estava aberta a temporada de showmícios (comícios com apresentações musicais), favores e farta distribuição de brindes - chaveiros, canetas, camisetas e outros badulaques. Nesses eventos, tive a oportunidade de assistir aos ídolos trash Chacrinha e o cantor Ovelha.

Nesse cenário, um candidato a vereador pelo meu bairro, com jeitão de mafioso, ofereceu uma churrascada. Meu cunhado e minha irmã, que não desperdiçavam uma boca livre, me raptaram. Fomos ao regabofe apoiar aquela candidatura duvidosa em troca de uma peça de alcatra bem passada.

O local, que eu conhecia como um imóvel abandonado, estava lotado. O postulante à Câmara Municipal circulava dando palavras de ordem, com a coragem de quem andava escoltado por capangas. Aquele visual e o modo que se comportava me lembravam muito um chefe do tráfico ou um bicheiro. Havia também uma salinha reservada - com movimentação suspeita -, onde o nosso futuro representante deveria atender favores, bancando o Don Corleone da ralé. Essa observação já seria suficiente para nunca votar no cara, mas estávamos com muita fome. Este tipo de ponderação já tinha perdido a prioridade no nosso rol de preocupações.

Estávamos lá, como todos os comensais, vendendo o nosso voto, desde que fôssemos bem servidos. Quando a barriga ronca, a última coisa que o Ser Humano se preocupa é com saneamento básico, buraco na rua, coleta de lixo... Então, nossa ilustríssima excelência merecia ser alçado a uma Cadeira no Parlamento Municipal apenas com promessas inexequíveis, um prato com carne e, talvez, um copinho de chope.

O futuro edil não poupou despesas, a campanha estava sendo um sucesso. Quilos de carne na churrasqueira e litros de chope, ofuscando a cidadania, eram o suficiente para a aldeia aclamar o novo rei.

Mas o melhor daquele banquete estava reservado para uma casta VIP, porém igualmente esfomeada. Ou seja, para essa “elite” chegavam os melhores pedaços de carne de primeira. Para as classes menos favorecidas, como sempre, vinha o pior: lingüiça. Nem sequer havia brioches, como sempre. Isso nunca acaba bem.

Vendo, mais uma vez, a desigualdade social, a turba enfurecida avançou sobre os melhores cortes. A partir daí, eu perdi a esperança na Humanidade; e o postulante ao cargo público, na sua candidatura. A cena me lembrou muito o ataque ao quilométrico bolo do bairro do Bixiga, nos antigos aniversários de São Paulo. A plebe rude, e sem almoçar, enchia as mãos de proteína animal dos melhores pastos e a elite falida assistia aquela revolução do proletariado. Nem Karl Marx acharia que suas ideias seriam implementadas com tanto sucesso. As autoridades, lógico, culparam o povo. Disseram, “o Estado Democrático de Direito está sendo desrespeitado” e “a democracia corre perigo”.

Aquele banquete oferecido à população foi um reflexo da sociedade: só se empanturrou quem era “importante” ou quem quebrou tudo; quem não era um nem outro (nós), ficou observando o precoce fim de festa; e havia a salinha secreta... onde coisas aconteciam.


Biografia:
Ensino secundário completo. Trabalhei em várias empresas, fora da literatura. Tenho um blog, onde publico meus textos: “Gazeta Explosiva” Blogger
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