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Pentalfa
Martinho do Rio

Resumo:
Eu ia morrer. Eu acreditava que ia morrer.

Martinho do Rio

Pentalfa

Eu ia morrer. Eu acreditava que ia morrer. Todo o meu corpo parecia que estava a desfazer-se; cada célula era remexida, empurrada, esmagada e revolvida, para regressar como nova e transformada. Eu ia morrer e sabia que não ia demorar muito. Levei o copo de uisque à boca e senti o malte puro a escorrer-me pela garganta seca. Desde à uma boa meia hora que tinham aparecido os primeiros sintomas. Eu sentia-os bem na pele quando entrei no meu quarto. Tinham-me avisado que iam ser bem desagradáveis, e eu estava a constatar isso mesmo pelo mal estar que me provocavam. A minha pele começou a mudar de cor, tinha agora um tom mais escuro; seriam os primeiros sintomas da maldita...? Dentro de mim o mal estar tornou-se insuportável e eu engoli, para ganhar força e coragem, mais uma golada daquele delicioso malte. Sentei-me num sofá e fiquei a ver a vista da janela. A noite era agora profunda e as luzes brilhantes do cais e da foz do rio jaziam como pirilampos caídos á volta da área que a minha vista abrangia. Eu morava num décimo andar num prédio alto e á minha frente estendia-se envolvido no negrume da noite o cais e o belo estuário do rio. Recordações vieram então em vagas profundas, recordações que antecedem a morte. Já uma vez me tinham falado nelas, que antes de morrer as memórias antigas aparecem; como num filme que se rebobina, como num livro em que se regressa à primeira página. Eu estava agora a experimentá-las e as lágrimas, como se esperassem apenas por elas, encheram-me os olhos. Dei outra golada, levantei-me e fui de novo encher o copo. As minhas mãos...meu Deus as minhas mãos...já não eram minhas, eram de alguém que já não era eu. As dores que eu sentia....dobrei-me e deixei-me cair pesadamente sobre a cama. As recordações regressaram em força e eu estava agora com os meus pais numa praia de areia dourada a lamber um delicioso gelado de limão. Ao meu lado o meu irmão chorava porque deixara cair o seu e a minha mãe consolava-o como podia. Pudera eu regressar àquele tempo da infância, para bem longe da minha morte. O meu corpo começou a alargar-se e a estender-se, a contorcer-se num espasmo terrível e as dores tornaram-se insuportáveis; gritei. Gritei como um danado, como um demente, como um torturado. Os meus ossos esticaram e eu senti-os a estalar como se fossem castanhas ao lume. Já não tinha forças para agarrar no copo e deixei-o escorregar para o chão. O suor cobria o meu corpo e o meu cabelo empapado colava-se á testa e á palma da minha mão. À minha frente um espelho reflectia a minha imagem e eu não me reconheci. Era aquela a imagem da minha morte...? Era aquela a imagem do meu sofrimento...? Era aquela a imagem de alguém que ia morrer... ? Um espasmo horrível fez-me dobrar o corpo até meio e um calor insuportável obrigou-me a tirar a camisa. Sentia-me em fogo como se brasas ardentes passeassem pelo meu corpo. Tentei alcançar o copo com a mão mas já não tinha mão, uma coisa preta e peluda substituiu-a. O que era aquilo... ? O que aconteceu à minha mão...? Foi então, que durante um espasmo mais doloroso em que o meu peito se reflectiu no espelho, que o vi. Lá estava ele, o Pentalfa maldito, o símbolo do horror e da minha morte, bem agarrado ao meu peito. Então, num assomo de raiva e de revolta incontida, uivei como um lobo no levantar da lua cheia.


Biografia:
Escritor com o primeiro livro já publicado
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