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O Convite
Martinho do Rio

Resumo:
Afonso meteu a primeira mudança e arrancou.

Martinho do Rio

O Convite

- Leve-me até á estação dos caminhos de Ferro, por favor.
Afonso meteu a primeira mudança e arrancou. Este era o último passageiro que transportaria nesse dia quinze de Maio. Era quase meia noite e o seu colega em breve o substituiria ao volante do táxi. O dia estivera cinzento. A chuva caíra, miudinha; o que era um problema para os pneus quase carecas do seu táxi. À muito que devia tê-los substituído, mas até agora ainda não o fizera. Por preguiça, por falta de pachorra, por inércia, o diabo que encontrasse uma razão, porque ele já á muito que deixara de a procurar. Não tinha pachorra, era tudo. O seu patrão bem insistia com ele, mas cada vez que se levantava de manhã cheio de boas intenções para o fazer, a inércia e a falta de pachorra dominavam-no completamente. Eram já muitos anos ao volante do táxi. Anos em que a sua vida não progredira absolutamente nada. O seu sonho de ser dono do seu próprio táxi nunca se concretizara, e ele começava a convencer-se que acabaria por envelhecer sem concretizar esse sonho. Estava já para lá da meia idade, e a sua vida não avançara absolutamente nada. Continuava a ser um mero empregado duma das principais empresas de táxis da cidade. Por isso, a falta de vontade e de pachorra, o encolher de ombros perante a mecânica e as necessidades do seu automóvel, tinham muito a haver com o desencanto que o dominava. Já nada esperava da vida nem da sua profissão. Convencera-se que o sonho acabara e que já nada de bom podia acontecer no resto de vida que ainda tinha para viver.
- Quanto é que lhe devo ?
- Cinco euros, por favor.
O passageiro pagou e saiu do carro. Afonso olhou para o dinheiro e reparou que ele não tinha deixado gorjeta nenhuma. Agora era uma nova moda, não deixar qualquer gorjeta ao condutor. A maioria dos passageiros fazia isso, limitava-se a pagar o preço que o táximetro mostrava, esquecendo-se que muitos dos condutores, necessitavam das gorjetas para equilibrarem o seu magro salário. Até nisso ele não progredira muito, o seu salário comparado ao custo de vida, pouco ou nada aumentara. Quando se reformasse, teria inevitavelmente que arranjar qualquer coisa, qualquer trabalhinho, para equilibrar a pequena reforma que com certeza lhe ia calhar. Graças a Deus que o seu filho não ia passar por dificuldades semelhantes. Tirara um curso superior numa universidade do estado e era agora um quadro importante numa empresa do estado. Casara com uma funcionara que trabalhava na televisão e dera-lhe uma neta que era a luz dos seus olhos. De vez enquanto via-a na televisão. Era jornalista e pivot no telejornal. Tinha olhos verdes e era parecida com a mãe. Via-a pouco, muito por causa da mãe que parecia sempre ter qualquer coisa contra ele. Que idade é que ela teria agora... trinta anos...é isso trinta anos. Como o tempo passa...o seu filho já tinha uma filha com trinta anos...
Afonso arrumou o carro e dirigiu-se à cervejaria onde habitualmente ceava. Sentou-se, pediu uma imperial e um prego no prato e ficou á espera do seu substituto. A televisão estava aberta e de repente ele ouviu a música que anunciava o telejornal. Era o último dessa noite e ele olhou na esperança que fosse a neta a ler as noticias. Era quase sempre assim que ele a conseguia ver, através dum écran de televisão. Só que, desta vez, o pivot era outro, e ele desinteressou-se das noticias que ele estava a ler. A única coisa que ainda fixou era que ia haver dentro de alguns dias o casamento do príncipe com uma plebeia qualquer. Ele que até era monárquico achava aquilo uma grande indecência. Os príncipes deviam casar sempre com princesas e não com mulheres do povo. Assim é que devia ser. O sangue real não devia misturar-se com sangue plebeu. Mas agora a nova moda era essa. Quase todos os príncipes das casas reais europeias casavam com plebeias. Ainda á poucos dias atrás um príncipe qualquer casara com uma tenista australiana. Imaginem só...um príncipe de sangue real casar com uma tenista australiana qualquer. Onde é que isto iria parar ? As instituições já não eram o que eram, as pessoas estavam a perder a vergonha e a sociedade caminhava rapidamente para a decadência. Ele que sempre confiara na monarquia e no rei, não estava á espera que ele consentisse em semelhante coisa. Casar o príncipe com uma plebeia qualquer...onde é que já se viu isso...até a rainha que ele achava que era uma pessoa sensata e equilibrada parecia que também perdera a tramontana. Depois pensou na felizarda que ia casar com o príncipe. Ficaria com a vidinha toda arrumada para o resto da vida. Claro que isso implicaria alguns sacrifícios, mas nada que ela não pudesse aguentar. Se queria mesmo casar com o príncipe...se o amava...então todos os sacrifícios eram justificados. Mas se o casamento era por interesse ? Se ela apenas via naquele casamento uma oportunidade para subir na vida ? Uma oportunidade para enriquecer e também para saborear um pouco do poder ? Porque, quando o actual rei falecesse, - longe vá o agoiro- ela seria rainha. De repente essa perspectiva aterrorizou-o. Ia ter, no futuro, uma plebeia como rainha...bebeu num só trago a imperial e pediu imediatamente outra.
Olhou para as horas, o seu substituto nunca mais aparecia, porque raio é que estaria a demorar tanto tempo...de repente pareceu-lhe ver a cara da neta na televisão. Olhou melhor e percebeu que era ela. Mas o barulho das conversas, a cervejaria estava cheia aquela hora da noite, impedia-o de ouvir o que o locutor dizia. Ele ainda pediu que pusessem o som mais alto, mas ninguém lhe ligou nenhuma. Ficou apreensivo. Será que acontecera qualquer coisa á sua neta ? Teria tido um desastre ou qualquer coisa parecida? Ela era muito conhecida devido ao facto de ler o telejornal quase todas as noites. E se a cara dela apareceu na televisão era porque alguma coisa acontecera. Resolveu telefonar ao filho. Tirou o telemóvel do bolso e marcou o número. O telefone tocou, tocou, mas ninguém atendeu. Mais apreensivo ficou, estariam todos no hospital ? Olhou outra vez para a televisão mas só viu a cara do pivot de serviço a ler o telejornal. Que raio teria acontecido á neta para aparecer a cara dela àquela hora no telejornal ? Resolveu perguntar ao empregado que passava naquele momento com várias imperiais em equilíbrio instável sobre a bandeja que carregava na mão.
- Vai casar ! Vai Casar !
Gritou-lhe ele enquanto gingava por entre as mesas da cervejaria com a bandeja na mão.
- Vai casar...!
O assombro deixou-o boquiaberto.
- Vai casar... com quem ?
Ele próprio não sabia...ninguém o avisara ainda... aquela sua nora...desprezara-o quase sempre desde que casara com o filho. Quase nunca o deixara ver a neta. E agora casava a filha sem o avisar... Mas ela ia casara com quem ?
Nesse instante ele viu entrar o seu substituto com um ar afogueado. Trazia qualquer coisa na mão e quando o viu acenou-lhe.
- Trago-te aqui uma coisa importante.
Disse o outro com o olhar a brilhar-lhe de excitação.
- O que é ?
- Um convite Um convite da Casa Real.
- Um convite da Casa Real...? !
- Sim, um convite da Casa Real. Como eles não sabiam a tua morada, mandaram o convite para a empresa.
Ele agarrou no convite sem acreditar no que via. Mas lá estava... lá estava o brasão da Casa Real impresso no envelope. Abriu-o com as mãos a tremerem e começou a ler. Era um convite para almoçar. Almoçar...? ! Tornou a ler e percebeu que era um almoço de casamento. O casamento do príncipe. E a noiva era a sua neta. Estava lá escrito o nome dela numas letras muito bem desenhadas.
- És um homem cheio de sorte- disse o colega a sorrir -, vais almoçar ao palácio real com o rei.
Olhou para ele espantado sem ainda acreditar no que lera, e reparou que no olhar do colega, começava a despontar, sem que nada fizesse para o esconder, o pecado da inveja.


Biografia:
Escritor com o primeiro livro já publicado
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