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O ensaio possui o propósito de articular dois autores, Comenius e Rousseau. Embora o contexto de suas vidas e propostas serem distintas, inclusive distantes devido o período histórico, buscarei analisar pontos de divergência e de aproximação em suas propostas para educação, procurando então fazer como proposto, um exercício de relação com os desafios da atualidade no ensino e na educação.
O ponto de maior divergência entre os dois autores encontra-se na condição da criança com relação ao aprendizado e consequentemente do “homem” durante sua sociabilidade. Comenius entende que a criança imaculada necessita de todo aprendizado para tornar-se plena em sua sociedade. Por isto a educação é de suma importância para seu desenvolvimento tanto para o bem do seu convívio ‘na’ e ‘para’ com a sociedade, como também no seu desajuste no não cumprimento daquilo que pensamos ser moralidade.
"Fique estabelecido, pois, que a todos os que nasceram homens a educação é necessária, para que sejam homens e não animais ferozes, não animais brutos, não paus inúteis". (COMENIUS, 2006, p. 76)
Rousseau compreende que o homem desde seu nascimento é bom, não como Comenius na situação de imaculado, mas sim de natureza “divina” com pensamentos e atitudes boas. “Tudo é perfeito quando sai das mãos do autor de todas as coisas: tudo é degenerado pelas mãos do homem” (ROUSSEAU, 2002, p. 86), Para o pensador a educação, ou melhor, a sociedade com suas instituições e sua cultura corrompem este individuo, dando a ele uma outra natureza ou a corrompendo. Sua visão de educação é dividida em três maneiras de aprendizagem: a educação da natureza, a educação dos homens e a educação das coisas. Sua busca é pelo equilíbrio entre as três educações com ênfase na natureza, pois esta é a que desenvolve nossas faculdades intrínsecas para o bom desenvolvimento físico e psicológico.
Os autores embora divirjam no ponto de partida desejam chegar ao mesmo ideal onde a educação dos homens pode amparar o individuo em seu convívio na sociedade. Com Rousseau surge o questionamento que a educação adestra a natureza do homem e que rompe com sua essência transformando-o em cidadão. Comenius está ciente desta capacidade da educação de fazer homens e almeja a modelagem do individuo por meio da disciplina. “Alguém definiu o homem como um animal disciplinável, porque ninguém pode tornar-se homem sem disciplina” (COMENIUS, 2006, p. 71).
O dilema da educação aqui atingiu sua maior contestação: disciplina ou moderação? Qual a melhor maneira de construir o cidadão que almejamos? Esta é a grande pergunta a ser feita diante destes dois autores. Suas propostas entendem que o individuo requer aprendizado para se situar no meio social. Porém um com maior ênfase no disciplinamento e no controle, outro propondo uma maior liberdade para interação com aquilo que está a disposição da criança para promoção do conhecimento. Entendem a instituição escola como formadora e reformadora de valores, começam a pensar e questionar o papel da família, a figura da mãe no processo de aprendizagem e qual a principal função do professor. Este trabalho como breve exercício não pretende responder este dilema, mas apenas reafirmá-lo na obra destes dois pensadores.
No texto de Comenius podemos destacar devido seu contexto histórico, a influência da religião junto ao aprendizado, segundo o autor nosso objetivo como humanos é servir a “Deus e ao próximo”, como descrito nos livros cristãos. O vínculo da igreja norteia o convívio do individuo na sociedade, talvez por isto o disciplinamento tenha tanto destaque, pois a submissão é fator importante para a religião como aglutinadora da sociedade. Seu pensamento também dá os primeiros passos no sentido de que todos devemos ter a oportunidade de aprender na instituição escolar. Isto é, todos precisamos usufruir o aprendizado educacional e o conhecimento das ciências dos homens na busca de uma formação para cidadania.
No tocante a Rousseau, algo que podemos lembrar é sua descrição alertando o exagero na proteção das crianças. Descreve o quanto elas ficavam enfaixadas e imobilizadas a fim de não correrem riscos e perigos. Incentivava a “liberdade” para interação mais plena das três educações, de certa forma como empirista percebia a necessidade do contato com as coisas e com a natureza para formação do conhecimento. Este sinal de alerta quanto à proteção excessiva na época, talvez nos pareça distante e até horripilante, ainda mais se pensarmos em repeti-los na atualidade. No entanto, quando comparamos nossas atitudes, será que não enfaixamos mais as crianças? Hoje colocamos as crianças em quartos, salas, casas ou apartamentos permanecendo isoladas das diversas experiências que poderiam ter com o meio onde vivem, pelos mesmos motivos apresentados de maior proteção e segurança. Os mais diversos aparelhos eletrônicos presentes em nossas casas que cativam a atenção de nossas crianças também aleijam ou deformam suas mentes assim como no passado as faixas deformavam seus corpos.
"Dizem que as crianças soltas poderiam ter se colocado em situações perigosas e ter movimentos capazes de prejudicar a boa conformação de seus membros. Eis um dos raciocínios inúteis de falsa sabedoria e que nunca foi confirmado por nenhuma experiência". (ROUSSEAU, 2002, P. 101)
Sua ideia passa pela capacidade de viver do homem, pois seu conhecimento advém do sentir as experiências em sua vida e não de evitá-las. “Não é ensinar-lhe a suportar o sofrimento, é sim exercitá-lo e senti-lo” (ROUSSEAU, 2002, P.97). Assim objetivava a interação constante com o meio para o pleno desenvolvimento de sua natureza e da experiência com as coisas.
Os pontos ressaltados são efervescentes em nossa sociedade atual, o caráter e papel da escola continuam a ecoar como a instituição formadora de indivíduos para a vida em comunidade, mesmo que esta formação seja influenciada pelo Estado, religião e o mercado de trabalho. O desafio ao pensar com estes intelectuais é a necessidade sempre presente do desejo de melhorar a condição do homem sem que seus interesses, sua natureza e sua essência sejam deformadas. O tipo ideal de individuo é crítico, emancipado, disciplinado e altruísta. Todas as qualidades que a educação busca incutir por meio do conhecimento que pode torná-lo um cidadão. Porém não podemos esquecer que o cidadão é apenas um dos papéis ou das máscaras que o individuo ao longo de sua vida irá representar junto a sua sociedade.
COMENIUS. Didática Magna. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2006. p. 71-76; 95-101.
ROUSSEAU, Jean Jaques. Textos Filosóficos. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2002. p. 82-103.
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