Sinto a música
Assim como o beijo de alguém que nos ama
Vivo-a
Como se não me restasse mais nada

Fujo das cartas de amor
Das promessas e rosas perfumantes
Em troca de migalhas de som
Ou melodia que se cante

Sou feliz com as tarolas
Minha paixão é um baixo
E ainda que se desviem as notas
Numa pauta desencaixo
O errado do certo e
Encontro a harmonia

Deliro com os solos em soprano
Das guitarras de metal
Vibro com os assobios flautistas
Que acordam a aurora boreal
E atiram a existência numa outra dimensão
Como que a actuar pros animais
E a natureza toda pára
Para sentir os acordes instrumentais

Um saxofone viu-me triste
E veio ter comigo
Soltou notas em contralto
E o momento foi infindo

Do jazz que escorregava na ocasião
Um mão pianista abraçou-me
E quando mais ninguém me entendia
A música amou-me

Diante do enfado arreigado
Na fila de espera pro autocarro
Os auscultadores falaram mais alto
Deixou-me mais acomodado
Viajo sem mexer os músculos
Caso-me e fecundo ali sozinho
O futuro não espera mais por mim
Acompanha-me no caminho

Batidas saem pelos canos
Da rítmica que combate o stress
Sinto o rosto mais macio
E a hipertensão já desce

Ainda que sustento não me dê
Naturalmente avivo o ofício
Para que vivo me mantenha
E não morra em lamentos
Implorando por benefícios.

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