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Conto de uma noite de outono
Pedro Alexandre

Resumo:
"acendi um cigarro e pensei “era mais uma noite de outono...’’."

Era mais uma noite de outono, quando a lua chega cedo, trazendo o ar gelado e nuvens molhadas.
Sai do escritório mais tarde do que o de costume, o relógio já mostrava mais de 21 horas. Não posso reclamar, é um bom emprego, e afinal, o que são algumas horas?
Avistei o João na portaria, era o segurança noturno, parei para cumprimenta-lo e perguntar se sua senhora estava bem. Ela havia parido o terceiro filho do casal a menos de um mês. Pobre João, trabalhando 12 horas por dia, ganhando uma miséria, e agora com uma quinta boca dentro de casa para alimentar. Pobre ou rico? Eu havia conhecido seus outros dois filhos e sua senhora em uma confraternização, e as crianças o amavam infinitamente! Pobre ou rico?
Durante o percurso no estacionamento, pude avistar uma bela noite de lua cheia, mas com muitas nuvens que teimam em esconder aquela visão tão linda, isso mostrava uma pequena frente fria chegando. Coisa que aprendemos com os velhos, que sentem o cheiro da chuva a distancia, ou alguma dor em seus joelhos desgastados pelo tempo... nunca se sabe como é que os velhos sabem tanto não é mesmo?
Coloquei uma lista de musicas do Muddy Waters para tocar. Grande mestre do Chicago Blues. Nos embalos de suas guitarras e piano, acendi um cigarro antes de dar a partida, aquele trago representava o final de expediente e o inicio do meu momento de liberdade. Estava parando de fumar nesta época, então cada cigarro era apreciado ao máximo! Fiz uma dieta a fim de diminuir um cigarro a cada dois dias. Na intenção de que em 80 dias parasse de fumar os dois maços diários que eu havia acostumado desde a época de faculdade.
Blues, um cigarro, um carro e uma noite de lua cheia. Não havia mais nada que eu desejasse naquele momento, a não ser uma bela caneca de cerveja gelada sentado em um pub a meia luz, observando o jogo de bilhar, tendo relances de algum jogo de futebol na televisão, e principalmente olhando as mulheres entrando pela porta dupla do pub onde costumava frequentar. Mas a noite estava apenas começando para querer jogar conversa fora com Juan, o bartender do Pub Red Rock Cafe Club, que era um boliviano engraçado. Faltava-lhe alguns dentes na boca, que ele insistia em falar que os havia perdido em uma briga de cartel em sua terra natal, mas que eu desconfiava que caíram por desnutrição, pois o rapaz, apesar de seus 1,70m de altura, não devia pesar mais do que 60 quilos.
Ainda no estacionamento, tragando aquele primeiro cigarro da noite, recebi uma mensagem no telefone celular. Era da Carol, uma das mulheres que eu mantinha algum tipo de relacionamento, independente do que isso signifique. Carol era dois pares de anos mais nova que eu, deveria ter por volta de seus 22 ou 23 anos. Trabalhava em um banco renomado e cursava faculdade de economia. Mas naquela noite, havia decidido não querer assistir as aulas, e perguntou se eu estava livre.
Olhei para o telefone celular, para o céu, para o velocímetro ainda zerado, e lembrei da Rafaela. Meu primeiro e único grande amor, mulher pela qual entreguei minha vida, e que havia me largado em nome de uma aventura, no qual resultou uma gravidez, um casamento, e uma segunda gravidez. Graças aos céus, pois depois dessa aventura por parte dela, é que pude dedicar tempo a minha vida profissional, e que trouxe por consequência novos nove amores. Carol era um desses nove, e ainda esperava por uma resposta. Por que não?
Marcamos de nos encontrar em alguma estação do metrô, eu a buscaria, e iriamos para algum lugar jantar. Ambos estávamos só com o almoço em dia, e aquela hora a fome já havia aparecido.
Quando cheguei à estação de metrô, ela entrou no carro com seu jeito de menina-mulher, aqueles jeans colado, um moletom GAP largado, usando um rabo de cavalo em seu longo cabelo castanho, trazia consigo uma pequena bolsa transversal de couro onde guardava um netbook utilizado na faculdade. Sob aquele capuz de moletom estavam os olhos verdes mais lindos no qual eu já havia presenciado nessa vida. Um par de olhos de origens turcas, de terras constantinas, onde as mulheres tem a pele da cor do sol poente e olhos da cor de pedras de jade. Sob aquele capuz de moletom, Carol parecia uma modelo a paisana, escondendo sua beleza sob roupas simples.
Fui surpreendido com seu cumprimento caloroso, com seu beijo roubado e com um elogio sobre minha barba serrada que estava começando a grisar, apesar de não ter completado 30 anos na época.
Fomos a um restaurante português, onde serviam a melhor bacalhoada da cidade, dentro do meu bolso, acompanhado de um vinho verde, típico, único e deliciosamente saboroso. Nunca hesitei em pagar bem por comida e bebida, são os prazeres genuinamente mais puros que temos. Troco uma centena de noites em bordeis por uma noite em um bom restaurante, com uma bela bebida e uma bela companhia, como aconteceu naquela noite com Carol.
O maitre não gostou muito quando entrei em seu restaurante com uma mulher usando jeans e moletom, mas o sommelier era uma grande amigo meu, no qual já havíamos divididos muitos rubys e tawnys, sardinhas e costelas pelas noites a dentro. O maitre nos recebeu então da melhor maneira possível, nos colocando em uma mesa reservada.
O jantar inesperado seguiu perfeito, com muitas risadas e historias, até que Carol pediu que a levasse para casa, pois pela manhã haveria uma reunião no banco e ela precisaria estar descansada. Imaginando que eu a levasse para meu apartamento naquela noite. Concordei sem hesitar, pois apesar do seu belo par de olhos de jade, a noite estava propicia a ser finalizada com um scotch e talvez com um cubano, ou quem sabe em uma mesa de texas hold’em .
A levei para casa, um bairro nobre da cidade, onde a despedida seguiu por mais tempo do que eu esperava, mostrando todo lado menina sentimental que Carol tinha. E talvez esse fosse o real motivo pelo qual ela havia se tornado um dos novos nove amores.
Assim que Carol passou pela portaria, cumprimentei os seguranças do condomínio e me dirigi ao centro da cidade. Onde esperava encontrar uma boa mesa de texas para descontrair. Mas no caminho, o desejo de liberdade ainda falava mais alto. E desejei caminhar a beira mar sob a lua cheia.
Mas quem iria me acompanhar em uma pequena viagem de 100 quilômetros até a praia apenas para caminhar? Essa era uma das pequenas desvantagens de se viver livre, pois nem sempre há pessoas com quem dividir esses momentos ditos como “loucos”, mas que na minha opinião, só faziam bem a vida. Era a cereja do bolo.
Não basta apenas estudar, trabalhar e ter uma boa casa com uma boa aposentaria. Se eu não pudesse ver o mar, cavalgar no campo, escalar uma montanha, sentir o calor de um deserto, o ar congelante cortando a face nos Andes, surfar nos trópicos, mergulhas nos recifes, correr pelas freeways, saltar de um avião, ou me apaixonar diversas vezes, que graça teria a vida?
Decidi ligar para Giorgia, uma residente de medicina que tinha horários relativamente flexíveis. Ela vinha de uma família italiana, pele clara, olhos e cabelos negros como a noite, um ar de sedução exalava de seu corpo quando vinha em seus vestidos de festa, salto alto e um batom vermelho. Como uma boa filha de italianos, falava alto, ria alto, xingava alto, e bebia mais vinho do que eu. O que resultou diversas vezes em noites interessantes.
Giorgia era a mulher segura que os homens tinham medo, inclusive eu, mas como nunca tive nada a perder, ganhei uma excelente companheira.
Ela estava disponível aquela noite, apesar do relógio já beirar as doze badaladas. No dia seguinte ela folgaria no hospital, então poderíamos sair sem nos preocupar. Expliquei meus planos, e ela recusou. Porem, em contra partida, sugeriu um salão de dança, gostaria de dançar um pouco de zouk e tomar alguns mojitos.
Nunca fui bom em danças, sou mais do tipo de homem que conhece bons pratos de comida, boas bebidas e boas historias. Mas como a vida deve ser temperada com improvisos, fomos a uma casa de dança latina. Ao busca-la em casa, pude vê-la sair com um vestido mullet preto, salto alto, cabelo escovado e um batom vermelho. Como era linda aquela mulher. Transbordava sedução, poder, segurança. Sua maturidade era o que me encantava. No auge de seus 26 anos, era a mulher que todo homem desajaria.
Chegando à casa de dança, embalados en una musica caliente, pudemos dançar e nos divertir muito. Entre mojitos e pinas coladas, Giorgia exalava sua sedução italiana com movimentos caribenhos. Se Afrodite estivesse em terra, o nome dela era Giorgia, e ela dançava como se não houvesse amanhã.
No primeiro anuncio de fechamento do bar da casa, decidimos ir embora. A levei para meu apartamento. Era um bom imóvel, em uma região relativamente segura, com espaço para uma família de seis pessoas. Mas fiz desse imóvel meu pequeno Éden, um duplex transformado em loft, com seu pé direito duplo, sem paredes internas, e com a vista do 25º andar, faziam dele um dos melhores lugares onde já havia morado.
Embalados no ritmo latino, depois de muitos mojitos, inevitável não deixar que a paixão controle o momento. Após um longo banho juntos e um fim de noite maravilhoso, fiquei deitado com Giorgia até ela adormecer depois de nos amarmos por algumas horas.
Assim, quando o sol começava a surgir naquele horizonte frio, enrolei uma toalha a cintura, abri uma long neck, sentei na sala em frente a grande parede de vidro, acendi um cigarro e pensei "era mais uma noite de outono...".


Pedro Alexandre


Biografia:
Só mais um cara qualquer que brinca de juntar palavras.
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