A letra mata?! Durante o sermão radiofonizado que foi ao ar este ano e teve por título: O Poder do Espírito Santo, o pastor Paglarin declara, Paulo já dizia: a letra mata, o espírito vivica (II Coríntios 3:6). Pagliarin que é formado em Ciências Jurídicas não deveria incorrer nesse equívoco, pois certamente deve ter tido entre suas leituras a obra de Montesquieu, Do Espírito das Leis. O apóstolo Paulo disse essa frase, sim, mas não no sentido que o pastor Juanribe Pagliarin quer dar, tentando fazer entender que a letra no caso da frase é o ato de estudar, adquirir conhecimento. Primeiro por que Cristo mesmo falou, crescei na Graça e no conhecimento; segundo, o antigo testamento em Oséias fala meu povo erra por falta de conhecimento. Mas o que é que Paulo quer dizer com a letra mata, o espírito vivifica? A bíblia interpreta a própria a bíblia. A letra a qual Paulo se refere é a letra da lei que mandava matar, por exemplo, no caso da mulher adúltera, ela teria que ser morta a pedradas por que assim dizia a letra da lei, mas o espírito vivifica, então Cristo disse: “vai, e não peques mais”. O caso da mulher adúltera ilumina o sentido da frase de Paulo: a letra mata, o espírito vivifica. Quando o rei Agripa vai ter com Paulo e fala: Paulo, as muitas letras te fazem delirar, esta frase, sim, está se referindo às letras do ensino, do aprendizado, do estudo, mas quando Paulo diz: a letra mata e o espírito vivifica, já não tem o mesmo sentido. Não podemos fazer um balaio e jogar tudo dentro como se fosse tudo uma coisa só; é preciso ter cuidado ao interpretar, nisso falha a hermenêutica de Pagliarin e como homem é natural que isso aconteça, todos nós deslizamos, uns mais outros menos, o problema é quando se é um formador de opinião e se está numa rádio ou TV falando para muitos, aí o estrago é grande por que são 300 mil pessoas ou mais ouvindo rádio Melodia, rádio X, Y, Z... É preciso ter a humildade de dizer não é bem isso o que eu disse, gente. E não é vexame por que quando abrimos livros e mais livros é comum vermos a seguinte frase: “edição revista e corrigida, revista e ampliada”. Às vezes enxergamos um assunto por um prisma, porém mais adiante passamos a ver sob nova luz, às vezes nós mesmos percebemos, às vezes vem por colaboração, por crítica, crítica construtiva no intuito de que todos se beneficiem, o mundo é uma grande oficina, ninguém sabe tudo, morremos sem saber muita coisa. “Sabe o que mais me entristece? É que justamente os pastores que mais estudaram, que fizeram teologia, PHD em teologia, os pastores que mais estudaram são os que menos sabem! Têm seminário, têm faculdade de teologia... tem pastor que estudou tanto, tanto que ele esqueceu da Língua Portuguesa ( está errado, Pagliarin mistura, deveria ter falado ou “esqueceu a língua portuguesa” ou “se esqueceu da língua portuguesa”). Com essas palavras Pagliarin arrasa com os seminários, faz duras críticas, mas ele mesmo incorre em erros semelhantes, a emenda saiu pior do que o soneto. Não sou seminarólatra, sei das dificuldades por que passam os seminários, no fundo, a educação como um todo no país, os dados avançam timidamente, mas Pagliarin ao declarar isso fortalece pessoas despreparadas a continuarem despreparadas, tornando-as presas fáceis para os lobos.
Qual o perigo de se interpretar a frase a letra mata, o espírito vivifica no sentido que Pagliarin aponta? O perigo é que irmãos em Cristo que por algum motivo não tiveram a oportunidade de estudar, tentam compensar esse carência, isso acontece muito entre os pentecostais, dizendo que não adianta ter Teologia, o negócio é “Joelhologia” e erguem o joelho quase à altura do nosso queixo, com o espírito muito próximo da ira, e surge uma divisão, os da Teologia e os da “Joelhologia” se digladiando, quando na verdade Cristo disse: Crescei na Graça e no conhecimento. Essas duas coisas são tão inseparáveis como fé e obras.
Aproveito a oportunidade para desfazer uma confusão: às vezes me chegam irmãos dizendo “Fulano prega muito, precisa ver!”, quando vou ver é só eloquência. Confunde-se muito eloquência com sabedoria. O vendedor de feira tem eloquência para vender o seu tomate, diz frases criativas para atrair, mas muitas vezes quando chegamos em casa percebemos que fomos enganados. Ele não tira os tomates dos maiores expostos na pirâmides ou retângulos conforme a arrumação. Aquele retângulo ou pirâmide na verdade funcionam como sombras para o feirante mau caráter atrás delas empurrar-nos os tomates menores e muitas vezes amassados, estragados. Quantas vezes nas igrejas saímos com tomates amassados e até estragados? É preciso separar o talento de orador do que se fala. Eloquência é uma coisa, sabedoria é outra. Aquela é veículo desta, mas com eloquência podemos veicular as maiores bobagens. E aqui um novo problema, há os que veiculam por ignorância, no sentido de não saber mesmo, e os que veiculam deliberadamente. Com estes últimos cuidado maior, são homens preparados que querem um resultado, torcem a Palavra de Deus inclusive por vaidade. O que me parece não ter sido a intenção de Juanribe Pagliarin no caso em apreço.
Lasana Lukata é poeta e escritor
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