Por João Calvino
A Conversão não é um produto conjunto de Deus e do Homem.
A todos estes testemunhos interpretam cavilosamente os mais sutis, insistindo em que nada impede que nós próprios apliquemos nossas forças e Deus traga ajuda a nossas fracas tentativas. Adicionam, ademais, passagens dos profetas em que a operação de nossa conversão parece ser dividida meio a meio entre Deus e nós: “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós” (Zac 1.3).
Que tipo de ajuda nos traga o Senhor que foi citado acima, tampouco aqui se faz necessário repeti-lo. Desejo ao menos que isso me seja concedido: em vão se procura em nós a capacidade de cumprir a lei pelo fato de que o Senhor no-la ordena à obediência, quando é evidente que, para se cumprir todos os preceitos de Deus, a graça do Legislador não só é necessária, mas ainda nos é prometida, pelo que daí se evidencia que, no mínimo, se exige de nós mais do que sejamos capazes de executar.
Na verdade, não se pode diluir de quaisquer falsas razões essa afirmação de Jeremias: que foi sem efeito o pacto de Deus firmado com o povo antigo, porque o era apenas da letra; nem ser além disso estabelecido de outra maneira, que é o Espírito quem inclina os corações à obediência (Jr 31.32).
Também de nada lhes serve para firmar seu erro esta injunção: “Convertei-vos a mim e eu me converterei a vós” (Zac 1.3). Pois aí por conversão de Deus se denota não aquela em virtude da qual o coração nos renova para o arrependimento, mas aquela mediante a qual se atesta benévolo e propício pela prosperidade das coisas, assim como pelas coisas adversas às vezes indica seu desagrado. Portanto, uma vez que o povo, atormentado de muitas formas, de misérias e calamidades, se queixava de que Deus se afastara dele, responde que não lhes haveria de faltar sua benignidade, se volvessem à retidão de vida e a ele próprio, que é modelo de justiça. Esta passagem, pois, é indevidamente torcida quando é arrastada a este ponto: que a obra da conversão parece estar repartida entre Deus e os homens. Por isso, temos abordado estes tópicos mais sumariamente, porque o lugar deste assunto será mais propriamente na parte em que se procederá à consideração da lei.
Tampouco o Livre-arbítrio reabilita as promessas da Escritura.
A segunda classe de argumentos se assemelha à anterior. Citam as promessas nas quais o Senhor estabelece um pacto com nossa vontade, que são: “Buscai a bondade e não a maldade, e vivereis” (Amós 5.14); “Se quiserdes e ouvirdes, comereis as boas coisas da terra; se, porém, não quiserdes, a espada vos devorará, porque a boca do Senhor falou” (Is 1.19, 20). Ainda: “Se removeres tuas abominações de minha face, não serás lançado fora” (Jer 4.1); “Se deres ouvido à voz do Senhor teu Deus, e fizeres e guardares todos os seus mandamentos, o Senhor te fará mais exaltado que todos os povos da terra” (Dt 28.1). E outras afins. Julgam que as bênçãos que o Senhor oferece nas promessas nos são delegadas à vontade; se não estivesse em nossa mão e vontade fazê-las ou deixá-las sem efeito seria uma zombaria. É bem fácil amplificar esta matéria com eloquentes recriminações, tais como: somos cruelmente enganados pelo Senhor, quando declara que sua benignidade depende de nossa vontade, se nossa vontade não fosse algo de nossa própria alçada; esta liberalidade de Deus será mui eminente, quando ela nos propõe assim suas bênçãos, e não tem qualquer capacidade de usufruí-las; admirável seria a certeza de promessas que dependam de uma coisa impossível, de sorte que nunca se cumpram. Acerca das promessas desta espécie que têm uma condição anexa, falaremos em outro lugar, de modo que fique evidente que nada há de absurdo em seu impossível cumprimento.
No que diz respeito a esta consideração, nego que Deus nos engane de forma desumana, quando a nós, que sabe sermos de todo desprovidos de capacidade para fazê-lo, nos convida a merecer suas bênçãos. Mas uma vez que as promessas são oferecidas igualmente a fiéis e a ímpios, sua aplicação se refere a ambos. Da mesma forma que, mediante os preceitos, Deus punge a consciência dos ímpios, para que não se deliciem nos pecados de forma tão deliciosa, sem nenhuma lembrança de seus juízos, assim nas promessas lhes faz de certo modo testificar quão indignos são de sua benignidade. Pois, quem haja de negar que é mui justo e próprio que o Senhor cumule de bênçãos aqueles de quem é honrado, mas, na medida de sua severidade, castigue aos que desprezam sua majestade?
Portanto, Deus age retamente e em ordem quando aos ímpios agrilhoados pelas peias do pecado, nas promessas enuncia esta lei: que finalmente receberão então suas bênçãos, caso se apartem da depravação; ou, só por isto: que compreendam ser com razão excluídos daquelas bênçãos que se devem aos verdadeiros adoradores de Deus. Por outro lado, porque diligencia de todos os modos estimular os fiéis a que implorem sua graça, de maneira alguma será inconsistente se o que mostramos em relação a eles operar com muito fruto mediante os preceitos, isso também tente por meio das promessas. Ensinados pelos preceitos acerca da vontade de Deus, somos advertidos de nossa miséria, nós que, de todo o coração, dela tanto discordamos.
Ao mesmo tempo, somos instigados a invocar-lhe o Espírito, por quem somos dirigidos pelo reto caminho. No entanto, uma vez que nossa displicência não é suficientemente estimulada pelos preceitos, acrescentam-se as promessas para que, por um certo dulçor, a seu amor nos aliciem. Mas, de quanto maior desejo de justiça somos possuídos, tanto mais fervorosos nos tornamos em buscar a graça de Deus.
Eis como, por estas injunções, “se quiserdes”, “se ouvirdes”, o Senhor não nos atribui a livre capacidade de querer ou ouvir, nem ainda zomba de nós em razão de nossa falta de poder.
Nota do Pr Silvio Dutra: Considerando que a conversão é o ato de se voltar para Deus e associar-se a Ele pela fé, não se pode sequer imaginar que pessoas ímpias, perdidas, pecadoras, mortas espiritualmente, inimigas de Deus, possuidoras de uma natureza corrompida pelo pecado, como somos todos nós neste mundo antes de sermos revivificados por Cristo, possam produzir de si mesmas qualquer ação conjunta com Deus para operar esta aproximação inicial que lhes conduzirá à salvação de suas almas.
Ai de nós se não fosse a graça do Senhor que nos aproxima dEle, por Sua própria escolha e iniciativa! Estaríamos perdidos para sempre! Isto pode ser visto claramente em todos aqueles que resistem bravamente a qualquer tentativa de lhes expormos a graça do evangelho de Jesus Cristo. Estão cegos e cheios de si mesmos, de justiça própria em seus egos dilatados que consideram a graça de Deus como coisa desprezível e barata, e não digna portanto de qualquer apreciação.
Ora, à vista desta realidade prática que perdura ao longo dos séculos, como poderíamos sustentar que haja no próprio homem a capacidade de escolher a Deus, se Deus não o amar primeiro? “Não fostes vós que escolhestes a mim, eu que vos escolhi...” afirma nosso Senhor Jesus Cristo, e ainda assim, mesmo entre os que têm sido eleitos serão achados aqueles que, por causa desta cegueira que é remanescente neles por causa da dureza do pecado, afirmam que foram salvos porque decidiram um dia buscar a Deus, como se tal desejo tivesse partido de suas próprias naturezas mortas e caídas, e não do Deus que ressuscita os mortos.
Se até para o nascimento natural que nos trouxe ao mundo não houve qualquer escolha da nossa parte, quanto mais esta não existe naquele novo nascimento que não é natural deste mundo, mas celestial, espiritual e divino, que recebemos por meio da fé em Jesus Cristo!
Nossa parte é apenas receber pela fé o que nos está sendo dado gratuitamente.
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