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O REPRODUTOR ANÔNIMO
Rubemar Costa Alves

Feira esotérica na praça e mais parecia Idade Média - carroças, saltimbancos, malabaristas, comedia dell’arte e, principalmente, adivinhadores de todas as espécies e religiosidades. Quase cenário do filme O SÉTIMO SELO.
          Aniversário da empresa sanguessuga, de modo que houve uma cerimônia religiosa pela manhã e um super lanche. A partir de onze horas, ‘libertas quae sera tamen’... O que fazer depois? Pequeno grupo resolveu que almoçariam juntos e depois iriam visitar a feira. ELA passou e ELE ficou impressionado - baixinha, magra, um ar doce de fada perdida num mundo cruel de machos abusados. Gigante gosta de mulher pequena - seduz, hipnotiza e......... bem no estilo descompromissado dele, quarentão sozinho por livre escolha . Coisa de um minuto. Logo o pensamento erótico se dissipou.
          A adivinhadora de longa saia azul com pequenas luas e estrelas prateadas (grega ou turca?) perguntou se aceitava consulta pública, na frente de todo mundo como fizera com os companheiros, ou íntima, sob uma árvore distante. Escolheu a segunda opção. A mulher mandou que ELE se olhasse num espelho, depois entregou uma prancheta com um papel branco e que o consulente desenhasse um olho com pestanas. A partir do desenho, a adivinhação foi que ELE era divorciado, filhos foram criados muito longe, quase adultos hoje, mas dentro de nove luas haveria mais dois filhos novamente distantes. Ficou muito nervoso, assustado mesmo, quis mentir vasectomizado (não era!), errou e disse que tinha sido... castrado. A adivinhadora riu muito... e o dispensou de pagar.
          Acontece que o fornecimento de água estava reduzido no bairro da residência, à noite economizara numa chuveirada rapidíssima, pela manhã idem, muito calor, precisaria de um novo banho de água farta. Cidade do interior paulista, porém com uma excelente rodoviária, digamos, 95% de primeiro mundo. Dirigiu-se para lá. Existem lojas de vários tipos e ELA estava justamente olhando a vitrine de roupinhas infantis, mais especificamente de recém-nascidos - interessante... Reconheceu-a, rosto suave, cabelo claro enroladinho como de anjo barroco, tal qual ELE vira em fotos das igrejas antigas de... “Que cidade mesmo? Ah, Ouro Preto responde por todas...” Arzinho de turista. Ou estaria esperando que alguém viesse buscá-la?
           ELE comprou um sabonete de amora (para o artista JORGE MAUTNER, a palavra ‘amora’, não a fruta, é feminino de amor - outro significado, mas bom presságio) e dirigiu-se ao chuveiro.
          Pela terceira vez, viu a Princesa, agora na lanchonete e em coro uníssono pediram “café pingado e 3 pãezinhos de queijo”. Lembrou-se que o 3 é significativo nos contos de fada. Três vezes viu a moça e... três vezes pensamento censurado. Agora três pãezinhos?! Riram juntos e levaram as bandejas na direção da única mesa vazia. ELA contou estar vindo de outro Estado, nem ao menos sabia nem queria saber o nome da cidade onde saltara:   “No meio da caminho da minha vida...” (ELE imediatamente se lembrou de DANTE), recitou suspirosa, a procura de um ou dois bonequinhos porque tomava um ônibus ao acaso, até onde o destino a levasse. ELE não entendeu nada, metido a adivinhar pensamento das mulheres, e esta lhe pareceu muito enigmática... ou maluca? Indicou uma loja de brinquedos, não, a moça não queria “bonecos imóveis e sem raciocínio”. Muito cavalheiro, na intenção apenas de ajudar, levantou do chão a mala um tanto pesada e a viajante falou sobre um vestido de festa, de repente poderiam convidá-la, saiote para jogar tênis, traje de banho para clube ou praia, tinha até calça de montaria... possibilidades variáveis, dependendo do ônibus que tomasse para outros lugares, bem longínquos de onde residia.
          Pediu ao homenzarrão que indicasse um hotel. Foi só atravessar a rua. Na entrada, esticaram para ELE a ficha de hospedagem, não conseguiu esclarecer que não eram um casal, voz retida na garganta, preencheu com os dados pessoais, imaginou para ELA um fictício nome poético, duplo, BEATRIZ MARÍLIA. É, uniu Dante a Gonzaga.
          Uniu??? Estranhas uniões podem acontecer de repente. No que entrou no quarto com a mala, somente para ajudar, compromisso dele com a televisão em casa, o clube São Paulo jogaria, a moça ficou na pontinha dos pés e o beijou na boca, toda oferecidinha. Três horas mais tarde, quando ELE acordou, não a viu mais.
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          Filha do prefeito da famosa cidade histórica mineira, herdeira única da fazenda leiteira do avô. Namorados ambiciosos, filhos de vereadores, ELA odiava política. Logo que se desconfiou grávida, voltou a escrever no diário abandonado desde os 16 anos. Queria filho, marido não. Só sabia o primeiro nome dele, pesquisou, guerreiro viking que a ELA pareceu um nome falso. Não importa. Fizeram juntos um filho e era só isto que ELA queria. Um filho???   Exame acusou que seriam dois - um bonequinho, uma bonequinha. Em todo caso, reprodutor anônimo, só o sabia metalúrgico, jamais descobriria a consequência do encontro casual na rodoviária, colocaria o nome dele, RAGNAR, e um nome iluminado, LÚCIA.

NOTAS DO AUTOR:
O SÉTIMO SELO - Filme sueco de 1956, logo após período traumático da II GM, do holocausto e da bomba atômica. Drama escrito e dirigido por Ingmar Bergman. Ambiente escuro e apocalíptico da Idade Média - título é remissão do livro bíblico chamado Apocalipse ou Revelação: no livro na mão de Deus, cada selo aberto implica num malefício sobre a humanidade e o sétimo seria o fim dos tempos.
LIBERTAS QUAE SERA TAMEN - Trecho retirado da primeira égloga de Virgílio. Latim - tradução: Liberdade ainda que tardia - proposta dos inconfidentes para marcar a bandeira que idealizaram para Minas Gerais, final do século XVIII.
CATOPTROMANCIA, do grego ‘catoptro’, espelho + ‘mancia’, adivinhação - Método grego de adivinhação começado por volta do século VI a. C.
“NEL MEZZO DEL CAMMIN DI NOSTRA VITA...” - Inferno, Canto I, parte do grande poema ‘Divina Commedia’, de DANTE ALEGHIERI.

                    F I M


Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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