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SIMPATIAS CIGANAS
Rubemar Costa Alves

ELE propôs ir sozinho às compras da quinzena e ELA concordou.
          Acordara esotérica, no mundo dos mistérios, consultou Numerologia na Internet. Tantas diferentes definições, que desistiu. Bom, fez uma lista com 21 (7x3) itens variados para a casa, diminuiu para 14 (7x2), depois 7 (o básico e tradicional em vários setores), e finalmente... apenas 3 (que indica perfeição) aquisições pessoais: um chinelo dourado, rasteiro; dois bombons de cereja ao licor; não mentiu propriamente, apenas disse “meia verdade” e deu o nome de uma revista que tem o horóscopo do mês - a ‘outra verdade’ oculta é que trazia Rezas e Simpatias... Já conhecia o conteúdo: lera numa sala de espera. Castigo: ELE que olhasse na despensa o estoque encolhido e escolhesse sozinho os mantimentos, na má intenção de não levá-la.
          SIMPATIAS DE SANTA SARA - Memorizou resumidamente a lenda. “Logo após a crucificação de JESUS, três mulheres cristãs, acompanhadas de SARA, que trabalhara como criada de patrões ricos, foram atiradas numa barca, sem rumo e sem comida, mas aportaram milagrosamente numa praia arenosa perto do rio Ródano, onde mais tarde ciganos fundaram uma igreja que virou terra sagrada, local de peregrinação, ponto de encontro de todas as tribos do mundo... Ciganos e gadjés (não-ciganos) fazem ali a Festa da Luz e assistem da praia um padre numa barca benzendo o mar, mistério ‘molhado’ que sempre atraiu os humanos. Ciganos jogam flores e perfumes nas águas, culto de Santa Sara ligado ao mar. É a protetora do amor e dos casais.”
          ELE, tipo fechado, provedor que traz o sustento e à mulher não interessa se na empresa o departamento dele fabrica parafusos quadrados, soldadinhos de alumínio ou forma de bolo triangular. “E na hora do almoço, como é e com quem?” ELE tinha vontade de inventar um quarteto (não: quinteto é melhor... ou sexteto?) de companheiras de trabalho, nada de macacão e sim shortinho jeans com a inicial do nome das garotas pintado “na montanha lá atrás”... Calava-se e a deixava com imaginário ponto de interrogação pintado na testa. “Ah, não quer contar? Pois vai fala r à força!” - pensou. Domingo tranquilo, em casa, aninhados no sofá, ELA estreou o chinelo andando de um lado a outro, sem passeio algum - mês de junho, temperatura muito fria lá fora, bem quentinha entre o casal. Na segunda-feira, abriu a revista e resolveu executar a primeira simpatia. Empresa e faculdade noturna, marido chegaria bem tarde, cansadíssimo. “Para fazer seu AMOR falar tudo que fez durante o dia:   À noite, quando ELE adormecer, ponha um chinelo sob a sua barriga e ELE vai falar tudo.” Deu desculpas que iria ainda arrumar umas roupas lavadas, varrer a cozinha, colocar feijão de molho etc. etc. etc. ELE dormiu de roncar, sussurrou-lhe delicadamente ao ouvido e conseguiu que virasse de lado, aí ficaria mais complicado colocar o chinelo na posição exata. Bom, colocou apenas encostado. Fez gestos de quem dirige um automóvel e depois outros, desconhecidos para a curiosinha, ainda sem falar, como se acionasse alavancas ou manivelas. Depois, em voz quase clara, comandos numa linguagem técnica e a mulher não entendeu coisa alguma. Agora, aula noturna, frases em latim e simulou escrever. De repente, ELE desandou a falar “eu-te-amo”, frase repetida como papagaio, virou-se na cama, barriga para baixo, prendeu o chinelo com o corpo e foi assim até amanhecer. Saiu de casa antes do sol, ELA nem viu, já percebeu a cama vazia. Não entendeu nada... mas que ELE falou, falou!
          Esperou um tempo curto, poucos dias. “Simpatia do BOMBOM enfeitiçado: Passe o bombom de cereja, representando o coração, sem papel, pelo corpo inteiro levemente, depois embrulhe-o e dê ao seu amado. O AMOR será eterno. É infalível!” Aí foi fácil. Ambos gostam muito de chocolate. Esperou por ELE acordada, bombom dele já preparado para um amor eterno. Só que o marido recusou o exato bombom que ELA ofereceu, gracejou que ‘poderia’ estar envenenado, trocou na mão da mulher. Dizer o quê? Troca pacífica.
          Ainda faltavam dois dias para o sábado e ELE estranharia se o chamasse para circular no shopping. Novamente fácil. Bom demais para ser verdade! “Simpatia de CIÚME: Para acabar com isto, que a faz sofrer, lave seus pés numa lagoa numa quinta-feira, na intenção da perda do ciúme. Dá sempre certo!” Por acaso faculdade em reunião de professores, marido teria tempo livre. “Jantar fora hoje?” “Comemorar o dia 6, data em que nos conhecemos (ELA tem explicação para tudo - diz de si própria que é a mais ‘desculpeira’ do mundo).” Foram. Não correu com ELE ‘mil’ lojas... Peixe cozido com muitos legumes coloridos, sorvete de casquinha por sobremesa, chocolate é o que menos endurece, ‘sem-querer-querendo’ fez o creme cair-lhe nos pés em boa quantidade. Sem lagoa, mas dentro do shopping uma fonte de água com enfeites de cúpidos - lavou os pés, calçou o chinelo dourado. Ótimo!
          Poucos passos, e um rapaz sorridente se dirigiu a ELA, ignorando a presença do marido: “Ah, eu soube que você veio morar nesta cidade. Estou há anos aqui...” Nossa! Colega do tempo da escola primária, ainda. Lembraram qualquer coisa sobre uma festa ou teatrinho à fantasia, o ignorado acompanhante não deu atenção. Com este, foram dez minutos de tagarelice útil-inútil. Um beijinho de cada lado. Outros bons minutos com o vendedor de uma loja, que acenou da porta mesmo, avisando sobre o novo estoque de......... O ‘proprietário nada ciumento’, convenientemente ensurdecido, nem escutou direito. Difícil saírem pois outro carro estava atravessado na frente e do estacionamento chamaram o dono pelo auto falante. Veio. Era o sujeitinho inicial, um idiota...   Foi pior (ou melhor?): tagarelice mais rápida, agora útil para conhecimento do marido, e inútil, pois o encanto antigo, apaixonadíssima pelo antigo menino, já se esvaíra há muitos anos. Festa de escola, vestida de passarinho de papel crepom, a pequena sabiá recitou o início da CANÇÃO DO EXÍLIO, do poeta maranhense GONÇALVES DIAS, emoldurando cena romântica entre o parzinho: ator-menino-poeta e uma improvisada-atriz-lourinha-desbotada. É, paixão de infância. Marido afirma que ‘não é nada ciumento’, diz que apenas cuida do que lhe pertence. A mesma cena que em verdade verdadeira verdadeiríssima ELA simplesmente a-do-ra: pegou-a pelo braço, alegou que a mulher estava “muito cansada” e foram para casa.
          Decepção. ELE acabou confessando que sabia das simpatias. Enquanto esperava no salão para cortar o cabelo, desfolhara a tal revista e.........


NOTA DO AUTOR:
RIO RÓDANO (em francês Rhône) - Importante rio europeu, comprimento num total de 812km, nasce na Suíça e acaba na França, onde deságua no Mar Mediterrâneo. Já globalização - tem sido importante desde o tempo dos gregos e romanos, principal rota comercial do Mediterrâneo para o leste-central e a Gália, ajudando a transmitir as influências culturais greco-romanas para o Ocidente e as tribos celtas próximas; entretanto, navegação difícil: correntes, bancos de areia, inundações na primavera e início do verão com o gelo derretendo e secas no final do verão.

               F I M



Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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