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NINGUÉM ACREDITA...
Rubemar Costa Alves

Engraçado, quando uma pessoa ‘cresce’ um pouquinho na vida, nível universitário em faculdade federal, licenciatura para lecionar, em seguida emprego público......... Tem dois caminhos - contar as carências do passado (ninguém acredita!) ou contar... vantagens.
          Tenho uma AMIGA Geminiana, hoje literata, que conta vivências de um tempo bastante anterior, ninguém acredita...
          Quase seis anos de idade. Morava com papai-mamãe numa casa alugada, bairro bem perto do centro da cidade, e - acontece em muitas famílias - de repente senhoria vendeu a casa. Duas parentas moravam exatamente ao lado e ofereceram abrigo ‘temporário’ que se estendeu por uns dez anos. A sala grande ficou uma confusão-união de certos móveis em duplicata.   Ainda muito pequena para definir a palavra ‘estética’. Dramatizava radionovelas e até noticiários radiofônicos sobre guerra. Amado general Chuchu, homenzinho verde... Cantava. Dançava.
          Cresceu um pouco. A escola exigia sapato preto engraxado - uma das meninas da rua ensinou (aprendera com quem?) uma graxa vegetal, naturalíssima, a qual hoje chamaríamos de ecológica, pétalas esmagadas de duas flores vermelhas aparentadas com papoula: brinco-de-princesa e mimo-de-vênus. Outra ensinou a parte interna da casca de banana. Em seguida, escova dura. Sempre deu certo! Flores comuns nas proximidades, fácil esticar o braço pela grade do jardim alheio...
          Madrinha do pai era modista - estilista antiga - e guardava sobras de retalhos dos vestidos grã-finos que desenhava e costurava.   Sempre que visitava, havia a certeza de um pacotinho... A tia-avó, com quem moravam, unia os diferentíssimos retalhos de tecidos caros em cores combinadas e o resultado eram trajes bonitos que minha (futura) amiga exibia num total de 12 vestidos anuais (logo crescia, doava, crescia, doava...) + traje carnavalesco + traje de caipira na festa escolar. (Anos depois conheceu os quadros geométricos de Mondrian. )
          Ah, sim, houve o Natal em que a boneca antiga foi lavada, penteada, e o presente da menina foram panelinhas baratas (amou!) e... vestido novo para a boneca antiga. Chorou muito, por um minuto sentiu-se inferior às amiguinhas da rua, mas logo exibiu no corpo um vestido “original” e na boneca uma “cópia” perfeita, discursou uma filosofia de auto defesa perante as outras, ninguém ganhara igual, todas se babando de inveja................ (Minha AMIGA até hoje apresenta sempre eternos argumentos e diz que tem razão até quando não tem razão! E passa a ter. EU que não concorde???)
          Saia sempre na cor azul-marinho? Fácil. Nas férias, desmontar a saia toda, tingir no tom básico, recosturar pelo avesso do tecido, saia parecia novinha de loja.
          Jornal por dentro da blusa, arrumado bem discretinho, sob casaco de tecido fino, diminuía o frio.
          Sola furada do sapato fechado? Pelo menos por uns dias papelão por dentro. Escassez de meia enquanto lavava os dois únicos pares? Saco plástico. (Anos depois, adultíssima, gaveta com muitas meias, numa excursão a região mais fria, usou meia e plástico, ideia justa para aquecimento mais seguro. Saiu do ônibus para o lanche da madrugada, caminhou para fora, caminhou em retorno, as pessoas escutaram um ruidozinho não identificado, começaram a gritar que era sapo, motorista procurou no ônibus inteiro, ela adorou o tumulto, bem quietinha “roubando a cena”...)
          Precisava apresentar-se melhorzinha num certo momento e ambiente. Sapato um tanto usado ganhou um banho de purpurina dourada dissolvida em óleo de banana. Ah, ninguém com um sapato assim tão brilhoso e bonito! (Se não contar a outra representante do círculo feminino, tudo bem!)
          Não, nunca houve assim o dia do prato vazio, porém ela memorizou a noite de maior carência: arroz com bacalhau! Era só o que havia na panela... Se era super promoção nos mares do hemisfério norte, ninguém explicava, mas era barato, tipo assim comida de pobre, como se dizia, lista que incluía carne seca, lombo, linguiça mineira, azeitona e... ovos. Assim, feijão-arroz-etc. deliciavam, não só matavam a fome diária.
          Houve um tempo bem posterior em que ganhou certas roupas masculinas para doação na igreja católica do bairro. Entregou ao padre a maioria. Sim, mas ela estava precisando muito, numa fase sem emprego. Fácil. Mudou a face de três camisas de tecido. A parte dos botões foi virada para trás, apertou costuras laterais, tirou gola, decotou um pouquinho, enfeitou com tirinhas de outro tecido, pedacinhos de fita, ficaram lindas blusas... femininas.
          Uma otimista lição de vida para o mundo! Cabeça erguida, feliz sempre.
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NOTA DO EDITOR:
PIET CORNELIS MONDRIAN - 1872/1944 - Pintor holandês modernista. Participou do movimento artístico Neoplasticismo e colaborou com a revista Stijl. Tendência cubista geométrica - estruturas definidas por linhas pretas ortogonais, espaços preenchidos ou não com uma cor primária: amarelo, azul e vermelho.
           
                 F   I   M






Biografia:
PARVUS IN MUNDUS EST. (O MUNDO É PEQUENO DENTRO DE UM LIVRO) Ser dedicado, paciente, ousado, crítico, desafiador e sobretudo enlighned são adjetivos de um homem cosmopolita que gostaria de viver mais duzentos, ou quem sabe trezentos anos para continuar aprendendo e ensinando. Muitos de nós acreditam que uma vida de setenta, oitenta anos é muito longa, contudo refuto esse pensamento, pois estas pessoas não sabem do que estão falando. Sempre é tempo de aprender, esquadrinhar opiniões, defender, contestar ou apoiar teses, seguir uma corrente filosófica (no meu caso, a corrente kantiana), não necessariamente crer num ser superior, mas admirar e respeitar quem acredita nele. Entender a diversidade de costumes e culturas denominados de forma polissêmica nas diferentes partes do mundo, falar um ou dois idiomas, se perguntar o porquê e tentar encontrar respostas para as guerras, a segregação racial, as diferenças étnicas, o fanatismo religioso, o avanço tecnológico, o entendimento político. Enfim, apenas estes temas já levaria uma vida para se ter uma compreensão média. A leitura é o oráculo para estas informações, é ela que torna o mundo cada vez menor capaz de se acomodar nas páginas de um livro. É por isso que se diz que não há fronteiras para quem lê. Atualmente as pessoas confundem Balzac com anti-inflamatório, Borges com azeite, Camilo Castelo Branco com rodovia estadual, Lima Barreto com laranja de determinado município paulista, Aristóteles com marca de carro e por aí vai. Embora, eu tenha dissertado sobre o conhecimento culto, os meus trabalhos publicados aqui demonstram o dia a dia das pessoas comuns narrados através de divertidas e curiosas estórias. Meu público alvo são as mulheres. É para elas que escrevo, pois são elas possuidoras de sensibilidade capaz de entender o conteúdo do meu trabalho.
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