Acordo com uma fraca luz vinda da janela, o sol já está brilhando, e a sensação boa que toma meu corpo é inaudível... Me levanto preguiçosamente, olho-me no espelho, olheiras fundas e escuras demarcam meu rosto, caminho até a janela, o sol já está alto e eu o contemplo por alguns minutos.
Me recomponho e sento-me numa poltrona, saboreio uma xícara de café e biscoitos que estavam sob a mesa de centro no meu quarto, as cortinas vermelhas de seda semi-abertas mantém toda a luz solar relevante, fazendo com que o quarto fique avermelhado, pego um livro de minha estante e começo a engolir as palavras rapidamente.
Logo após essa manhã aconchegante me retiro de meu quarto, a bagunça da noitada de ontem ainda se mantém intacta, a empregada ainda não viera fazer a limpeza matinal, olho para o relógio que marcam nove horas da manhã, "está atrasada..." penso.
Volto para meu quarto, abro o armário de roupas e escolho um terno azul marinho e uma gravata vermelha, típica roupa de trabalho. Caminho até o banheiro e entro na banheira, a água morna toma meu corpo, o momento se torna idêntico a sensação da morte dela Isabel, minha noiva, fora exatamente uma manhã assim, a tristeza me invade por alguns segundos.
Logo depois disso, saio da banheira e coloco meu terno, arrumo minha gravata de um modo estranho, porém não me preocupo. Na mesa de cabeceira pego o retrato de Isabel, a mulher mais linda que eu já vira em toda minha vida, seus cabelos louros contrastavam com sua pele branca, e seus olhos que tinham uma cor azulada, lembranças me vieram a cabeça.
A forma como ela sorria, e seu olhar quando olhava para mim, sua pele ao sol, o pôr do sol atrás dela, o momento mais feliz da minha vida, ela estava exatamente assim quando eu a conheci, um vestido branco, sandálias cor bege... Eu não consigo me esquecer de tudo que passamos e como sua morte trágica ainda me abala.
Eu vivo por ela, porque ela queria isso. Em seu leito no hospital ela me fez prometer que eu viveria a vida dela e a minha, que eu estaria com ela não importasse o que fosse e que quando fosse hora de partirmos, partiríamos juntos.
Por isso ainda estou aqui, matando meus desejos carnais, as pessoas me olham com maus olhares, devem estar pensando que sempre fui assim, porém isso só me satisfaz de algo que eu não preciso, eu preciso de Isabel, e ela já não é mais algo que eu posso ter, a razão da minha existência não existe mais. A pessoa com quem eu queria passar o resto de minha vida hoje está numa cova, coberta por terra, e eu não imagino a hora em que eu posso finalmente me juntar à ela, pela eternidade.
Eu seria tão feliz, uma vida planejada, uma casa rodeada por crianças sorridentes, Isabel fazendo o almoço enquanto eu brincava com nossos filhos, indo levá-los a escola, eu sinto falta de algo que eu não tive. E o pior, sinto falta de algo que eu já tive, e que mudou minha vida.
"Eu não sou ninguém hoje, e não quero ser, não quero seguir em frente..."
Pego as chaves do carro e me dirijo à saída, dou uma última olhada na sala de estar e fecho a porta, desço as escadas e vou para a garagem, ligo o carro e coloco o cinto, ligo o rádio e começa a tocar a nossa música "What Hurts the Most" e uma das frases me fere totalmente "It's hard to deal with the pain of losing you".
Saio e pego a estrada mais próxima, a que vai para o litoral mais próximo, duas horas de viagem, eu paro o carro na beira da estrada e o oceano se torna vasto aos meus olhos, o sol está alto, sinal que a tarde já havia começado, olho para o abismo abaixo de mim.
"Perdoe-me Isabel..." digo.
E me lanço para o mar, esperando encontrá-la e esperando que não fique brava comigo por querer encontrá-la, nem que para isso me jogar de um abismo e caminhar para a morte sejam as condições para ficar com ela, pela eternidade.
|