Em uma esperada sexta-feira, quando desci do último degrau do prédio em que eu trabalhava, fixei meu olhar no movimento das pessoas que passavam pela rua. Fitava-as sem qualquer motivo aparente e, à medida que percorria toda a extensão das múltiplas calçadas, meus olhos assistiram impressionantes episódios.
Diante de tão estranho cenário, parei de caminhar. Contudo, as rudes passadas dos indivíduos ao meu redor ainda se fizeram constantes, chegando até, de uma forma misteriosa, a serem aceleradas. A ignota visão intensificou-se quando, subitamente, todos os telefones começaram a tocar. Era dantesco o constante diálogo entre as pessoas e seus respectivos telemóveis, visto que além do constante castigo dado aos meus ouvidos, as conversas não possuíam fim em si mesmas. As buzinas dos automóveis, os gritos de alguns loucos presentes na rua e um estranho alarme, pareciam formar a “ignorada” base musical do vil espetáculo.
Ali, no meio daquela grande confusão, vi meu reflexo no espelho da loja que se encontrava ao meu lado. As formas eram exatamente iguais às minhas, porém o semblante que aparecia denotava uma profunda tristeza. Vez por outra, a imagem parecia tentar se comunicar comigo, não obtendo o êxito, provavelmente, por causa de meu medo de ouvi-la.
Em última instância, a imagem saiu do espelho e tentou comunicar-se com as pessoas ali presentes. As tentativas eram inúteis, porém a boa vontade vencia a aparente impossibilidade. O espectro novamente olhou para mim, e depositava todas as suas esperanças naquela tentativa. Eu, com medo, procurei resguardar-me tampando meus olhos e continuei nessa posição durante aproximadamente uns cinco segundos. Após o grande susto, dei liberdade a minha visão. O reflexo agora atendia um telefone e andava velozmente pela rua.
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