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Letras
representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano
João Felinto Neto

Resumo:
Exagero. Foi a primeira coisa que eu disse a respeito desse título. Mas pensando melhor, o autor pôs o máximo de letras distribuídas pelo mesmo. O poeta tenta suplantar seu raciocínio, ampliando em quantidade a miniaturização dos poemas, ou seja, reduz a letras que formarão palavras reunidas em versos que darão os poemas. Eu me sinto lisonjeada ao ser convidada para prefaciar mais uma obra desse norte-riograndense que escreve pelos cotovelos. João Felinto Neto se esmigalha em letras e se recompõe em poemas que abstrai nossa imaginação, carregando o leitor por um número infinito de caminhos a cada letra reorganizada e encarregada de dar sentido ao todo; que em sua solidão seria apenas pseudo idéia de si mesma. Imagine letras dispersas como folhas pelo chão. A essa visão atribua linhas como galhos que seriam versos e um enorme caule como um poema. Que belíssima árvore esse livro. Sinto–me aprisionada por enormes cipós a essa árvore. A poesia de João Felinto Neto nos solta; em liberdade nos agracia com a expressividade do poeta quando ressalta o ritmo de cada letra no conjunto de versos e alude a si como a um maestro. A fidelidade ao seu modo de manipular as letras e dizer as mesmas coisas poeticamente diferente ou, ao inverso, da mesma maneira de assuntos dispares, faz desse poeta norte-riograndense um ícone em solidão que atravessa páginas barulhentas, em silêncio, e grita de repente, em algum verso de um poema perdido, que quer ser encontrado. Sinto-me gratificada por interpretar versos tão densos e céticos de um poeta que usa a emoção de forma tão racional que parece frio e seco, porém há um desespero oculto para ser compreendido.

Letras, representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano

Cada uma em si,
talvez não diga nada.
Ao poeta, cada,
representa uma idéia tosca,
e mesmo estando elas debandadas,
traduzem a fala
de uma poesia louca.
Letras
são representações estilísticas
de minhas idéias,
como folhas secas nas aléias
espalhadas em seu cotidiano.
São versos de um poeta mundano
que de frente ao mundo,
cala.
Letras
são para mim,
a fala,
o canto,
a casa,
a ave,
a asa,
o tudo,
o nada,
deformações de imagens retratadas,
uma musa que usa e abusa
de palavras,
um meio,
um terço,
um fim.
Letras,
talvez seja engano,
são para mim,
enfim,
representações estilísticas de idéias toscas dispersadas em poemas do cotidiano.













Prosaica vida

Chovia.
Minha mãe condenava Deus
(Que o diabo o conserve em casa).
Calça as sandálias,
o relâmpago é uma brasa
e o trovão é um adeus.
“Tem piedade de minha alma”,
estava escrito na capa
de um velho livro meu.
Crescia.
A tristeza me abraçava
como a morte se agarra
com alguém que já morreu.
O filho é ou não é meu?
Minha mãe, se escutava,
nunca o respondeu.
O meu pai bebia as mágoas
pela dor que lhe nasceu.
Como seu filho, eu também.
Nosso consolo era a bebida.
E todo o cotidiano
de minha prosaica vida
era um amém.

Atos mágicos

Que magia
assemelha-se ao amor?
A de um guerreiro
que no campo de batalha
entrega as armas,
mesmo sendo vencedor.
A de uma flor
que o seu olor exala,
mesmo arrancada
pela mão do coletor.
A de um vaqueiro
que em nome da boiada,
deixa a rês desgarrada
à mercê do predador.
A de um ator
que em meio às falsas lágrimas,
de verdade derramadas
por fingir que é sua,
a dor.





O enterro de João

A minha mãe
pôs um buquê de rosas.
O meu irmão,
o seu lindo boné.
Veio o meu pai
e pôs um par de botas.
A minha irmã
orou com toda sua fé.
E todos juntos
soterraram com areia.
Depois fincaram
uma cruz feita em madeira,
simbolizando a minha condição.
Naquela noite,
para estar a família inteira,
só faltava o João.








Luz e sombra

A sombra de meus dedos
sobre a folha de papel,
semelhante a pincel,
gera formas que conheço.
Eu pinto letra a letra
com o bico da caneta.
Às vezes, eu esqueço
que faço um poema.
Imagino uma cena
pintada em um espelho.
Letras, dedos e plurais
num singular quero mais.
Entre vogais, um segredo.
Encontros dissonantes
em meio a consoantes
e verbos casuais.
Em minha solidão,
em meio a escuridão
a sombra se desfaz.





Pingos de letras

Chuva de letras
sobre o barro branco,
papel é barranco
e as gotas, estrelas.
Um poema surge
na tinta escorrida,
letras espremidas
com as pontas dos dedos.
Escorre em palavras,
versos de enxurrada
que bóiam mágoas,
lágrimas e desejos.
Uma ou outra letra
perde-se nas nuvens,
transborda em açudes
de eterna tristeza.








Pedestal de barro

Revogo silêncio
ante palavra e voz.
Reato os nós
que me prendem ao medo.
Reavivo memórias
em busca de segredos
que já não interessam mais.
Reclamo por paz
em meio a intensa guerra.
Replanto a erva
que não nasce mais.
Relato as dores
de males e fome.
Repito o meu nome,
antes de dormir.
Reato os laços
que me prendem aqui,
ao pedestal de barro.






Um mero leitor

Para não ver a sua imagem
em um espelho quebrado
e em papéis amassados,
tornei-me um mero leitor
de cartas vazias
e escrevo tristes poesias
que falam de amor.
Retiro uma flor no jardim,
que para mim
não tem mais nenhum valor.
Porém, o intenso perfume
acende um lume,
e eu caminho na escuridão
de olhos abertos;
você tão perto
que o meu desejo é tocá-la.
Com o esforço da mão,
tudo é em vão.
Eu volto a ser um mero leitor
de cartas vazias
e escrever tristes poesias
que falam de amor.


Talvez amar não seja o bastante

Amor,
semente que o vento carrega,
cai sobre a terra
e não consegue germinar.
Talvez amar não seja o bastante.
Onde o solo é verdejante,
a amizade é o fruto que dá.
Perene e cristalina,
a verdade flui na colina
e amadurece o pomar.
Um pássaro a voar
é a liberdade.
Saudade é um vôo rasante
que consegue segurar
a semente estéril na terra.
Agora um bico a leva
a um distante lugar.
Talvez amar
não seja o bastante,
e o amor tão distante,
já não consegue voltar.



Poema propaganda

Compre um livro!
Não é oito,
nem oitenta.
O poeta
é uma peça
que sempre se movimenta.
Rabisca um monte de versos
num universo de poemas.
O livro enfim publicado,
leva o poeta, coitado,
à venda.
Compre um livro!
Não é oito,
nem oitenta.










Também sou

O louco
é apenas mal ouvido.
Seu riso,
tenebrosa gargalhada.
Sua fé,
um constante, eu duvido.
Sua mente,
uma porta escancarada.
Seu pedido de ajuda
é um grito.
Seu gemido incontido,
uma dor.
Seu amor,
um abraço emotivo.
Sem motivo,
eis que louco
também sou.







Amor e flor

Por sobre a amurada,
a flor
fazia-se perceber,
enquanto discutíamos no portão.
Eu estendi a mão
e antes mesmo de dizer,
falou meu coração,
que o amor
não passa de uma flor
despetalada.














Nos versos de um soneto

Quantos poemas falam de amor?
Talvez amor não seja tema,
seja o bico de minha pena
que toca o papel sem pudor.

Talvez seja fruto, ainda flor,
se abrindo ao sol que esquenta,
ou aquela tarde friorenta
que ao mesmo sol, vê se pôr.

Quem sabe um pranto de dor
nos versos deste soneto,
defina o que é o amor?

Ou talvez não tenha jeito
de resumir o amor
nos versos de um soneto.







O último dia

A solidão
é apenas uma parte.
O intenso frio não arde
em minha pele.
O silêncio impele
minha alma
a olhar a praça
pela janela.
Minha sombra,
minha única companhia.
Escuto a enorme euforia
e vejo a lua bela,
e o clarão que alumia
a minha janela.
Com uma chuva de pirotecnia,
termina o último dia.








Lágrimas e silêncio

Vi lágrimas em um rosto.
Lágrimas e silêncio
são sinal de grande pesar.
Uma alma presa a um corpo
que não podia andar.
Talvez, cansou de orar
pedindo sua liberdade.
Já tinha certa idade
e continuava a doer.
Perguntava por que
não tinha ninguém ao seu lado.
Num leito hospitalar,
seu corpo abandonado.
Em que acreditar,
diante de tanta tristeza?
Só tinha uma única certeza,
que jamais fora feliz.







O pediatra

Eu vejo crianças
pelos corredores.
Ouço os rumores
e suas risadas.
Esboço um sorriso
e subo as escadas.
Continuo apressado.
Meu nome explode
num eco tão alto,
que me incomoda.
Só mais uma porta;
meu paciente se encontra enfartado.












Face oculta

O espelho não diz nada,
mas escuta.
Minha imagem, ali, calada,
numa postura
imitativa.
Meu olhar,
a mim,
me fita.
Que maldita,
essa estranha face oculta.
Noto que ela me insulta
com soberba e ironia.
Fecho os olhos.
Dessa forma eu não via
a fria face da loucura.









O único que sorria

O que faço,
se entre Deus e o diabo
eu não sou promessa?
Nem é essa,
minha alegoria.
Sou apenas um poeta
que no fim do ato,
era o único que sorria.
















O poeta não vive

O poeta não sofre,
não junta no cofre,
suas economias.
O poeta não come,
não dorme,
não sente agonia.
O poeta não teme a morte,
não sofre um corte,
não ri de alegria.
O poeta não tem sorte,
não joga, não corre,
não tem companhia.
O poeta na rua, não cospe;
em casa, é hospede
sem teogonia.
O poeta
é sua poesia;
não é coisa alguma,
não vive,
delira.




Tsunami

O noticiário me espanta.
Num instante aponta uma criança:
- Mãe! Olhe a onda.
Uma tradução quase espontânea.
Qual lugar?
Sri Lanka.
Milhares de corpos na lama.
Uma catastrófica desgraça
que atingi a Ásia e a África.
A água do mar arrasa tudo.
Boquiaberto e mudo,
a imagem é minha certeza.
É o ano de 2004.
Vejo a tragédia em um quadro
pintado pela mão da natureza.









Quem é você ?

Como posso falar
com você que lê essa poesia?
Através da harmonia
com que posso escrever.
Se é manhã,
um bom-dia.
Se é tarde,
Boa-tarde, eu diria.
Se é noite,
boa noite seria.
O que posso dizer?
Meu querido leitor
ou leitora querida.
Você é filho, é pai ou avô?
É avó, mãe ou filha?
Não me diga.
Através da poesia,
eu posso lhe ver.
Você é uma pessoa que crê
que na vida,
a maior alegria
é ler.


Viagem no tempo

Sonho que alguém lê este poema
a mil anos à frente.
3004, mais precisamente.
Espero que esse alguém entenda
que em meus versos eu viajo.
Não o poeta,
pois não há espaço
na incrível nave que é o pensamento.
Vôo através do tempo,
por páginas impressas
e também virtuais.
Despercebidas a quem não interessa,
e acolhidas pelos demais.
Minhas idéias estarão presentes
num mundo que agora desconheço.
A imortalidade é o que escrevo,
embora esteja entre os ausentes.
Não importa quem eu seja,
minha face, minha igreja,
meu tormento e minha alegria.
O que importa no momento,
é meu louco pensamento
traduzido em poesia.

Escotilha

Submerso em devaneios
num mundo de fantasia,
eu mantenho a escotilha
fechada para a realidade.
Onde nadam meus anseios
nesse mar de ilusão?
No profundo coração
e na saudade.
















Cinema

A arte ensina
para que a vida aprenda.
Está em cena,
o valor moral.
O bem e o mal
diante de uma tela
que em si revela,
a vida real.
A vida é bela
não me fez chorar.
Mas me fez notar,
o quanto a vida é bela.












A seu tempo

Levei muito tempo
para descobrir tão pouco,
que o amor é outro,
um estranho em si mesmo.
Numa fração de segundos,
cronometrei esse tempo
em que o amor é resumo
do que jamais saberemos.
Agora me encontro atraído,
percebo que o amor
não é tempo perdido.












Contenda

Fui eu que a fiz triste.
As lágrimas em seu rosto
queimam minha alma
pelas tolices que me disse
ao perder a calma.
Juntar pedaços
não resolve a situação.
O que faço agora?
Pois na verdade,
não sou eu que chora,
Mas é minha,
a dor no coração.












Não teria sentido

Amor,
seu silêncio é um grito abafado;
um pedido negado;
uma dor;
um querer violado;
um jazigo enfeitado
com flor.
Uma virgem indecente;
uma reza descrente,
se for,
à distância da fé.
Como posso manter-me de pé?
Se ficar acordado
é sofrer por amor
e sentir-se perdido
sem o brilho na face,
sem cor.
Nunca, arrependido.
Não teria sentido,
não morrer por amor.




Cheiro de flor

O tanto que te amo
é pouco.
O amor é louco,
não quer saber de mim.
Não respeita meu sono,
pois te vejo, nos sonhos,
no mais belo jardim.
Não me deixa comer,
sem te ver
do outro lado da mesa.
Meu amor, com certeza,
nada sabes de mim.
Quando vejo, enfim,
a mulher de verdade,
uma enorme vontade
toma conta de mim.
De tomar-te em meus braços
e beijar os teus lábios
enquanto dizes sim.
Mas, a realidade
e a triste saudade
são resumo no fim.
Pois não tive coragem
de falar-te de mim,
desse tão grande amor,
e te vejo à distância,
só restando a lembrança
e teu cheiro de flor.























A dançarina

Ela desliza no salão
qual leve pluma
soprada ao vento
da palma de uma mão.
O seu decote,
como quem foge
na bruma,
causa anseio
ao mais frio coração.
Nos finos lábios,
o vermelho de uma túnica
que um militar
perdeu na última invasão.
Esfrego os olhos
antes que eu mesmo confunda,
se ainda é sonho
ou sua realização.







Gosto do absinto

O que eu sinto,
que me mete tanto medo,
na boca, amarga
qual gosto do absinto.
Amo,
não minto.
E com tamanho desvelo,
guardo em segredo
o nome que me é distinto.
















A gaiola

Há um canário
que canta lá fora.
Ainda agora,
estava aprisionado.
Menino chora,
olhando o estrago.
Cortou o talo
pra fazer gaiola.
Subiu no galho,
quando foi a hora.
Cantou vitória,
alçapão fechado.












Vergel

Entre flores,
ensaia-se o namoro.
Pouco a pouco,
alianças de noivado.
Uma lua de mel
num céu dourado.
O que é de um,
acaba sendo d’outro.
Muitos frutos
e um trabalho louco.
Uma rotina
de um e d’outro lado.
O pomar,
agora descuidado,
vai morrendo aos poucos.









Todo amor

Todo amor é uma história
mal contada ou vivida;
é a mais pura verdade
ou uma grande mentira;
é um conto de fadas,
uma história engraçada
ou sofrida;
é partida esperada,
um punhado de nada
e muita lida;
é a mais doce calma
ou a mais bruta briga;
é o silêncio noturno,
caminhar no escuro;
é sorriso, é lágrima;
é andar pela estrada
sem saber da chegada;
é a procura incessante;
é viver cada instante;
é esperar pela noite,
é temer pelo dia;
é correr abraçado;
é olhar para o lado
e ver sua companhia;
questionar o seu hoje
e lembrar do seu ontem,
fazer planos futuros;
é andar sobre o muro
arriscando ser vítima;
é uma roupa estendida,
uma outra passada;
é comida queimada;
é a fé recolhida;
é sinônimo de um
vezes o outro;
é também desconforto;
é uma dor esquecida;
é lembrança de casa,
é tarde demorada;
é saudade que habita;
é olhar sobre os ombros,
o abraço mais longo;
é querer redobrado;
é menino levado,
um ou outro que grita;
é a calma de antes;
é o livro na estante;
é poltrona na sala
e TV colorida;
é barriga pra fora;
é correr contra a hora,
esquecer o bom-dia;
é um dia, quem sabe;
é talvez seja tarde;
é uma bela amizade
ou uma eterna intriga.
Todo amor é, enfim,
uma enorme vontade;
é começo, é fim,
é uma realidade.


















A graça

Deus me deu o fardo
para eu achar pesado
o termo ser livre.

Deus me deu o espelho
para ver se aceito
esse meu rosto triste.

Deus me deu o segredo
para pensar, eu mesmo,
o que é ser tolice.

Deus me deu a culpa
para eu pedir desculpa
por qualquer deslize.

Deus me deu a dor
para eu sentir pavor
do seu dedo em riste.

Deus não me deu nada,
eu que faço a graça
crendo que ele existe.

Votos

Pode chamar de silêncio,
pelo dia não lembrado.
Porém, verás em mim,
bem dentro,
um parabéns atrasado.
Do eterno namorado,
um feliz aniversário.

















A última carta

Não escrevi coisas amargas
nas minhas cartas.
Nunca pedi o teu regresso.
Pois sempre em minha solidão,
estavas perto,
em letras quase apagadas.
A esperança é um te espero,
em noites que não durmo nada.
Tenho a certeza que te quero,
em mais uma carta rasgada.
Em todas as minhas palavras,
está cravado o meu dilema.
Espero que não te ofenda,
minha escrita embaralhada.
Não haverá mais contumácia;
descanso agora minha pena.
Por esta ser,
a minha última carta.






Sem diferenças           

Imagino a vida
sem risos e lágrimas.
Uma face amarga
de alma vazia.
Eu,
você seria.
Cópias xerocadas.
Ao bem,
não amava.
O mal não havia.
Tristeza e alegria,
só conto-de-fada.
Eu,
você chamava.
Você respondia.









Artesã

Admiro
a dureza do papel molhado,
reciclado em mobília.
Velhas páginas de jornais rasgados
que ontem mesmo,
eu lia.
Retorcida notícia
que talvez distorcida
nunca foi questionada.
Falam pouco da vida.
De nós dois,
quase nada.












Tragédia social

Posso habitar a minha casa,
alheia.
Na minha rede feia
de punhos amarrados,
posso acordar calado
como alguém que deita
com chuva no telhado.
Posso não ter lembrado
de servir a ceia.
Enquanto minha avó vagueia,
eu continuo aqui,
deitado.
Molambo e trapo colorido,
as sobras dessa gente alheia
ao que há comigo.
Eu sei que sou herói vencido.
Pois sobrevivo
fora da cadeia.
A fome é dama traiçoeira.
Sinto-me perdido,
um anjo que vive no inferno.
A morte
é um homem de terno
olhando para o próprio umbigo.
Em ambos os lados

As seis da manhã
no mercado,
depois do café
vem a lida.

À noite,
apesar da fadiga,
o amor encrespado.

Não sei se existir
é um fato,
diante da vida.

Um baque diário,
uma porta
em que em ambos os lados,
não vejo saída.







Batina

O seu amor por Deus
me faz dizer adeus
ao amor carnal.
Por que não posso ter
e nem tocar você
sob à luz do castiçal?
Além do bem e o mal,
há um talvez.
Se Deus assim nos fez,
pode nos castigar?
Eu sei o que é amar.
É minha triste sina.
Diante do altar,
tenho que ajoelhar
e só assim tocar
sua batina.








Versão refratada

Quantas vezes eu tive
que mergulhar no sorriso
para fugir do abismo
que é o existencialismo
de mim mesmo.
Quantos pueris desejos
entre prosaicas conversas.
Quando nada interessa,
meu mundo me dá medo.
Eu sou apenas ensejo
que o acaso consagra.
Uma versão refratada
na ilusão do que vejo.
Quando não me percebo,
é sinal de que eu mesmo
sou a soma do nada.








Enxaqueca

O que há de errado
com a minha cabeça.
Enxaqueca,
um perfume enjoado.
Pensamento areado,
não me deixa
compreender meu estado.
Uma dor imprecisa.
Compressão persistente.
Uma mistura de morte e de vida,
de fantasma e de gente.
É um vôo rasante
na loucura;
a enorme espessura
da emoção
traspassada pela fria tortura
da mais bucólica ilusão
que daqui mais um pouco,
vou deixar de ser louco
e voltar à razão.




Suspense e malabarismo

Meus pensamentos, rabisco
em estranhos versos toscos.
Nesse emaranhado todo,
há lampejos de equilíbrio.
Vendo a amplidão do circo,
sou palhaço,
sou o outro.
Numa corda bamba,
o risco.
Eu risco
esses versos como um louco.
No silêncio após o riso,
suspense e malabarismo
de um poeta que enfrenta
uma fera enjaulada.
A veemência das palmas
que estouram os ouvidos,
silencia.
Suspense e malabarismo.





Maltrapilho

Há de ser somente para mim,
o segredo dessa mãe que chora,
desde outrora,
num pranto sem fim.
Noite sem fim,
até a hora da aurora.
Hei de ser, quem sabe,
maltrapilho
que se deita sob a laje morna.
De um lado,
silencioso trilho
e do outro,
uma velha escora.
Adormeço.
Em meu sono esqueço
que sou eu,
o que foi embora.
Amanheço,
então reconheço
minha mãe, agora.
Eis que sou,
um jovem aborrecido,
que inominado maltrapilho,
acorda.
Traída

Quantos lábios eu beijei
para lembrar o que deixei
em casa.
Quantas cartas mal escritas.
Quantas noites mal dormidas.
Quantos ais.
Eu a amo até demais.
Por que se sentir traída?
Quanto mais lábios beijei,
tanto mais eu me lembrei,
o que eu perdi na vida.













Predadores indolentes

A minha mão ousada
busca teu ventre.
A tua boca melada
suga meu sangue quente.
Somos dois predadores
indolentes.
A minha mão erguida
na tua boca some.
Só a mulher engole
enquanto o homem come.
Entre nossas pernas,
membro cansado
repousa em tua mão.
Repouso em teus braços.
Em teus ardentes lábios,
rejuvenesço,
enquanto intumesço,
meu coração.






Campeonato

Não imagino o paradeiro
d’aquele que chegou por último.
Nunca pensei, um só minuto,
que não seria o primeiro.

O que levou o derradeiro,
a conquistar essa vitória,
a por o nome na história
do campeonato brasileiro?

Bola atravessada na garganta.
O gol à torcida encanta,
como também ao artilheiro.

Quem sabe, foi a esperança
e principalmente a perseverança
que o levou a ser primeiro?








Sobre as ondas da saudade

Tinta
nas bordas do tinteiro,
mela meus dedos
quando escrevo
com a pena do passado.
Um livro inteiro
por mim borrado.
Sentado no parapeito,
menino arteiro,
desocupado.
Tinta,
escorre em lágrimas
do agora,
enquanto vôo na memória
de minha idade,
com a mesma solidão
de uma gaivota,
sobre as ondas
da saudade.





Vitral

Eu não me cansaria
de ver nascer o sol.
Assim, nascem meus dias,
com chamas de alegria,
da mesma cor que havia
no fogo do paiol.
Eu não me esconderia
embaixo do lençol.
A noite enfim, partia.
A beleza que havia
me fez olhar pro sol.
Seus raios me ensinavam
que tudo valeria.
Meus olhos lacrimejavam.
Nascia mais um dia.
Enfim, eu me sentia
um pouco mais real
por ser parte da vida,
compor em harmonia,
o mais belo vitral.




Paraplegia

Afugentando pássaros
que bicam no telhado,
os grãos de semente
da árvore em frente
ao velho sobrado,
está o menino levado,
levado pra sempre.
De minha janela,
podia ver ela
olhando pra gente.
Ele descuidado.
Eu um condenado,
um homem descrente.











O carteiro

Recebi notícias
na porta de casa.
Uma certa carta
de alguém que eu não via
há tempos.
Bons ventos o trazem,
amigo carteiro.
Você do correio,
que mantém em dia
a correspondência,
que tem consciência
do constrangimento
de no vencimento
receber a conta.
De mochila pronta,
com blusa amarela,
o fôlego, a pressa
e o suor no rosto,
o carteiro expressa
a fidelidade,
me traz a certeza,
com sua destreza,
que jamais na vida
sentirei saudade.
Pombo-correio

Entre muitas pedaladas
pela rua,
sobre calçadas,
o amarelo se mistura
com as cartas;
faça sol ou faça chuva.
Peço desculpa
pelo velho cão-de-guarda.
A emoção que traz o vento,
longo tempo,
um antigo par de asas.
Sob os telhados das casas,
as notícias,
as tristezas e delicias
de uma carta.
Não descansa no batente
da igreja,
mesmo que seja,
o destinatário, Deus.
Para todos um adeus
de alguém que lembra,
que a última correspondência
é incumbência
do carteiro.
Um paradoxo

Cala, meu amor,
na boca, a voz,
quando um de nós
reconhece o próprio erro.
Pois nunca é tarde pra perdoar.
Saber amar
é mais que zelo,
é doação o tempo inteiro,
é ser primeiro e não ganhar.
Sempre tentar,
no amor, é êxito.
É a mais tola sabedoria.
Um paradoxo, o amor seria,
se não soubesse compensar.










Eu vou ler esse poema

Eu,
que estou lendo estes versos,
não sei ao certo,
pareço o tema.
Já no começo,
gostei do apreço
desse poema.
Como ao espelho,
estou falando
comigo mesmo.
Ou falo só?
Eu não leio uma linha a mais...












Humanidade

Quem sou,
entre quimeras d’aquela que vive
numa torre enclausurada?
Quem sou,
além de cada grão de pólen
de uma flor despetalada?
Sou marca
na poeira de cada batente
da mais íngreme escada.
Quem sou,
além do dedo que acusa?
Do botão de uma blusa,
o orifício de entrada.
Quem sou,
além da camisa rasgada?
O passo manco, displicente;
aquela mãe que ainda sente
as dores do parto urgente
que lhe tirou o filho fora.
Quem sou,
se não o claro da aurora?
A mão que alisa os cabelos
de uma criança quando chora.

Quem sou,
além de tristes pesadelos?
Se não o mais bravo guerreiro
que suicida-se com a derrota.
Quem sou,
se não a própria humanidade
que em busca de suas verdades
pergunta-se sempre:
Quem sou?


















Não me acorde agora

Não me deixe acordar agora,
só mais um pouco,
não demora.
Eu sei que já está na hora.
Todavia, todo louco
quer contar pro outro,
o que acaba de sonhar.
A minha vida não é breve.
O meu amor é eternidade.
Não há distância, nem saudade.
A realidade é um sonho
que não tem hora pra acabar.
Não há pedaços,
consertar
é apenas verbo desusado.
Não há futuro, nem passado.
Não há estrago, só fartura.
Não há doença ou aflição,
fome, miséria e extinção.
Não há descida, só altura.
Jamais existiu solidão.
A dor é apenas ficção
e a razão,
uma janela pra acenar
pro mundo que está lá fora.
Não me deixe acordar agora,
só mais um pouco,
não demora.
Eu sei que já está na hora.
Todavia, todo louco
quer contar pro outro,
o que acaba de sonhar.



















Cheiro

O teu perfume
ficou no jardim,
ficou em mim,
nas flores do campo.
Teu cheiro é tanto
que me assombraria.
Meu amor, eu vejo
em minha poesia,
detalhes que um dia
foram só segredos,
atos de desejos,
dúvida e utopia.












Os mesmos

Todas as vezes
que olho pela janela
e vejo o sol nascer,
aumenta a vontade de viver.
Desde a infância,
amor platônico,
até a juventude interrompida
por SIDA.
Sempre fui irônico
com a vida.
Na promiscuidade, entre braços nus,
fui anjo na cruz.
Sou uma múmia viva.
Sem bandagens,
cadavérico o meu corpo não reage.
Sofro de saudade
e em meio a solidão
lembro-me de todos os amores.
Sonhos que eram flores,
viraram pesadelos.
Como diria o meu coração:
-Seriam os mesmos,
os mesmos,
os mesmos...
Em depressão

O mal que me acomete
não tem cura.
Fiz uma jura
em segredo.
Devido ao preconceito,
me sujeito
à solidão.
A vida é uma ilusão.
Pois quando eu mais preciso,
não tenho amigos.
Amores,
nem pensar.
Em meu jardim sem flores,
o meu maior pesar
é não me acostumar
com esse fim,
e o que dói mais em mim,
é ter que me matar.






No confessionário

Padre,
em que mundo vivo?
Não me fale.
A sua realidade
me perturba.
Não quero ser apenas criatura.
Quero ser de verdade.
Eu sou a vaidade em pessoa.
Prefiro está à toa,
num mundo condenado
do que me sentir salvo
na sua fantasia.
Padre,
prefiro a noite ao dia,
a escuridão ao claro.
O meu pecado
é querer o mundo.
O seu
é condená-lo.





Quatro

Ei!
Ela?
Ei-la,
Leila.

Quatro versos, quatro letras,
quatro sinais de pontuação,
o nome de uma menina
e uma caneta na mão;
eis uma poesia concreta.














O príncipe encantado

Quando entendi
que eu seria ele,
o príncipe encantado,
o herói mistificado,
eu
que sempre fui escravo,
escravo do amor,
enchi-me de pavor,
não seria coroado.
Enquanto namorado
era só beijo e flor.
Contudo, depois de casado,
o príncipe que era escravo,
um sapo se tornou.










O conselho

Filho,
o amor que a gente sente
não é maior que ninguém.
Mas é bem maior
que a gente.
Quando for você, o pai,
saberá em quem dói mais,
uma lição.
Cada conselho que dou
traz de volta seu avô
me chamando à razão.
Minhas lágrimas contidas
são para mantê-lo na vida
com o mínimo de dor.
Filho,
vá, seja onde for,
não esqueça o que eu digo.
Eis um conselho profundo:
Não há, senão, um castigo,
o de aprender com o mundo.




Uma querela dos diabos.

Acima dos velhos degraus,
no calçadão de uma antiga catedral,
na porta principal,
havia um pedinte em uma cadeira de rodas.
Saiu dali depois de horas,
dirigiu-se para a calçada do Hospital.
Um distinto senhor
saiu de um grande corredor.
Pensando ser um doutor,
o pedinte se empolgou
e uma das mãos estendeu.
-     Uma esmola, pelo amor de Deus.
-     Você realmente acredita em Deus?
Responde uma voz de tenor.
-     Acredito, sim senhor.
-     Acha que ele é justo?
O pedinte toma um susto.
-     Sim, imensamente justo.
    com a humanidade inteira.
-     Então por que ele permitiu
        que o diabo o pusesse nesta cadeira.
-     Acredito que foi por pecado.
O pedinte estava apático.
-     Quer maior pecado que o meu,
negar a existência de Deus.
E onde está minha cadeira?
-     Talvez o diabo não a tenha dado
        para que o senhor tivesse argumento
para negar o Deus onipotente.
-     Você é muito inteligente
para ser um simples pedinte.
-     E você amigo meu
é muito burro para ser um ateu.
Dito isso, o pedinte
sobe aos céus em forma de anjo.
E no momento seguinte,
o ateu, como o demônio,
desce ao inferno com requinte.












Lerda

Minha poesia é lerda.
Merda
de poesia lenta.
O poeta cai por terra,
em cada verso que inventa.
Por mais que eu tente, sou pouco.
Se falo muito, sou rouco.
Quem me lê,
é quem agüenta.
Não quero esmola, nem troco,
por cada verso ou poema.
Leva vento, meu desgosto.
Traz de volta minha prenda.
Umas vezes, eu sou oito.
Noutras, sou mais que oitenta.









Cratera

Eu sou uma pedra
numa terra compacta,
o que restou do magma
de um extinto vulcão.

Você é a fenda
que me abre, me rasga,
é a minha erosão.

Duas mãos
se entrelaçam numa rocha dura,
se separam com os pingos da chuva
que se infiltram no chão.

Somos uma enorme cratera
que abriu-se sob os pés de Eva
e as costelas de Adão.







Você ainda vive

Eu queria que você voltasse,
mesmo em forma de uma poesia.
A folhagem que o vento bate,
sua mão seria.
E a flor que no jardim se abre
ao raiar do dia,
seria o seu sorriso.
Eu teria que honrar o compromisso
de eternamente cultivá-la.
Pela vala,
a água que escorre,
seria suas lágrimas.
O barulho que faz a foz,
seria sua voz
a chamar o meu nome.
No arbusto, o aconchegante ninho
que ao filhote esconde,
seria um carinho
feito por você
nas horas mais felizes.
Quantas vezes
surpreendo-me a dizer:
-Você ainda vive.

Entre ramos

Nós dois estamos
num caminho sombreado,
e entre ramos
de um carvalho desfolhado,
percebemos que o sol
esconde-se no horizonte.
De repente, a noite cai.
Surge a lua, e nos faz
novamente, entre ramos,
observarmos em silêncio.














Duo

Roubaste meu coração.
Na solidão de agora,
eu te vislumbro
na pouca luz do quarto.

Disseste: - Parto.
E tuas costas nuas
não me diziam adeus.

Em cada passo teu,
eu me distanciava.
Sabia que te amava.

Tão sorrateira entravas
em minha casa
que eu mal te percebia.

Nenhum dos dois queria.
A luz silenciou,
porque eu via
que tu
ainda eras eu.


Por ambos os lados

Enquadrados,
o muro e o telhado
da casa ao lado,
pela janela;
a copa de uma mangueira,
o céu azulado,
a nuvem que passeia
num estranho retrato.
O vento movimenta
o verde intenso.
O sol projeta a sombra
do muro, no extenso
corredor apertado.
Um olhar atento
do lado de fora,
verá que a essa mesma hora
estou enquadrado
pelo lado
de dentro.





Fonte

Meus soluços convulsivos,
minhas lágrimas incontidas,
nada de volta, traria
meu inesquecível amor.
Foi a mais airosa flor
no jardim de minha vida.
Minha única companhia.
Minha dama sem pudor.
Com seu jeito sedutor,
deu-me mais que alegria.
Trouxe paz e harmonia
e um revigorante calor.
Uma inesgotável fonte;
onde hoje, mais que ontem,
reconheço seu valor.









Atonia

Um emaranhado de tristezas,
a teia em que teceram meu destino.
Uma velha terra
sem caminho
para encontrá-la.
Minha mão aberta,
deixa escapar esse momento.
Uma sólida questão de tempo,
minha vala.
Dentre a solidão,
minha voz se cala.
Um imenso vão,
o meu querer.
Teimo em perguntar ao meu viver,
por que tecer
a minha dúbia e triste fala?
Quer me convencer
que a vida é sábia,
que conhece uma forma de entender.
Se a vida soubesse o que fazer,
não me ensinaria a morrer.



A serpente

O amor
é uma caverna perigosa,
onde o ciúme
é um lume
que me foca.
Então me encandeia
dando uma visão de ótica:
uma serpente que se enrosca
na areia.
Depois do bote,
o seu veneno explode
em minha veia.
Assim deliro
sob o auspício do coração
e o meu único antídoto
é a razão.








Sem volta

Eu preciso falar
que minhas horas são vazias
quando fico a esperar
com tuas fotografias.
Frias
por serem estáticas,
dramáticas
por não terem vida.
E diante dos meus olhos,
se afogam em lágrimas
que não conseguem te trazer
de volta.












Disgra

Meu coração está vazio
como uma capa pendurada.
Mas onde anda minha amada
que a pouco era em mim,
um rio
a transbordar seu leito em lágrimas?
Sou eu agora,
um estio
no qual ressecam minhas mágoas.
Uma poeira levantada,
cega meus olhos.
Em desvario,
meu corpo espera uma enxurrada.











Ditame

Não há luta
do bem contra o mal.
Nem o inverso,
um belo passatempo.
Mude
a sua vida real.
Mude
sua medida de tempo.
Não enxergue os erros desse mundo.
Corrija o engano,
que é seu.
Não precisa nem ir muito fundo;
basta fazer
como eu.










O criador de Deus

O homem é estúpido.
Por sê-lo,
não o culpo,
não o condeno.
Os mesmos degraus,
eu vou descendo.
De olhos abertos
e não vendo.
De arma na mão,
não se rendendo.

O homem é maluco.
Por sê-lo,
não o culpo,
não o condeno.
Por mais que eu tente,
não o entendo.
Por minhas ações,
o compreendo.
O homem sou eu,
o criador de Deus.



Carta anônima

Estou com ciúme do mar
por ousar seus pés, tocar;
dessa lua que teima em banhar
de luz, seu rosto em véu;
desse estrelado céu
que chama a sua atenção;
também de uma linda canção
que cita o seu doce nome
e de qualquer outro homem
que se encante com sua imagem.
Quando direi a verdade
sobre todo o meu afeto?
Seu admirador secreto.











O acordo

Hoje, vi um aperto de mão
que ficou
em minhas retinas.
Vi o ódio de uma nação
que a outra extermina.
Uma guerra
que enfim termina,
ou será uma doce ilusão?
Um efeito de televisão,
o acordo que se assina.
Talvez, seja a pacificação,
um engodo de uma mente assassina.












Paradoxo das horas

Estou só;
me apavoro.
O tique-taque do relógio,
ignoro,
no entanto, não consigo ignorar que estou só.
Um assovio que vem da rua,
me ignora.
A lua faz sombras lá fora.
Pesadas patas no telhado
que o ventilador ao lado
mal deixa escutar.
Tento sentar,
a muito tempo estou deitado.
Meu coração acelerado.
Falta-me ar.
Pé ante pé,
da sala ao quarto.
Sob o lençol,
todo enrolado,
não tenho para onde fugir.
O dia, enfim,
tem seu começo.
E só assim,
eu adormeço.
Arquivo deletado

Não tenho tempo pra falar de mim.
Talvez meu fim
seja subjetivo.
Sou virtual.
Entre o açúcar e o sal,
sou o sabor ativo.
A minha rede é de conexão.
O meu programa,
interpretativo.
Assim, navego entre o bem e o mal
num site nativo.
Sou uma fórmula
exponencial
na matemática de um mundo vivo,
um erro fatal,
deletado arquivo.








O amigo

Minha amiga,
a demora
de dizer o que sinto
é a causa que minto
até mesmo agora.
É por você que chora
esse louco varrido,
esse velho amigo
que você consola.
É o que vê na senhora
que é mãe de dois filhos,
a Vênus de Millo
a deusa da glória.











Subversivo!

Foram meus olhos
que choraram poucas lágrimas;
pois sobre mim,
caíram todos os delitos.
Fui imbuído
de lutar por minha pátria.
A liberdade criou asas
e num vôo sobre as casas,
ouço um grito:
- Subversivo!
A minha sorte foi lançada
sobre as escadas
do cortiço.
Um exilado que se abraça
ao mais grave compromisso.









Diagnóstico

O poeta sabe, agora,
que seus dias estão contados.
Contudo, não se apavora.
Uma contagem regressiva
que afugenta seu passado
e leva seu futuro,
embora.
O poeta sabe a hora.
Seu destino foi traçado.
Nos seus versos,
um retrato
sem memória.












L’amour

O amor é o riso,
é o silêncio,
é a madrugada,
é uma língua não falada,
é nada mais
que tudo isso.


















Observando estrelas

Eu me dissipo
na volatilidade das horas,
observando estrelas que agora
são pontos no infinito,
enquanto me extirpo
das entranhas do que sou.
Destarte, eu me extingo ou
aceito que existo.
















Caligrafia

Aos moços de hoje,
eu peço glória.
Aos velhos de agora,
peço perdão.
Fui um jovem, outrora.
Hoje,
um ancião.
Uso um lápis
que risca
minha humilde história,
como um laço
que prende
minha própria mão.
Letras distorcidas.
Lentes de ilusão.









Espantalho

Entre corvos,
meus olhos são bicados.
Fui por todos, traído.
Minhas roupas
condizem ao meu estado.
Ouço o vento
na plantação de milho.
Com os braços abertos,
eu não salvo.
Porém sei que existo.
Não sou a lenda Cristo.
Sou apenas,
um triste espantalho.











Ralo de ódio

Onde está o orador
que se cala
ante o corpo ferido
pela bala
de seu lindo revólver?

Onde está a juíza
que move,
com seu choro contido,
seu corpo pervertido
pelo ópio?

Onde está
o brilhante cientista
que no meio da pista
é violado?
O seu nome na lista
é o primeiro recado.

Onde está
sua irmã pianista
que perdeu-se no toque de seus dedos [mágicos?
Ela se prostitui e desperdiça
o seu dom
que era nato.

Onde está o futuro?
Ignoro.
Os seus filhos e filhas
que se afogam
nesse ralo de ódio.



















Torre de Babel      

O juiz do supremo,
Jeová,
se irrita e sai do sério,
quando seu filho Jesus
vai à noite, ao cemitério.

No boteco do Davi,
onde quem manda
é o Golias,
não há funda,
quem afunda
na cachaça, é o Isaías.

No salão do senhor Sansão,
quem faz o cabelo
é sua mulher Dalila.

As mulheres de Salomão,
o cafetão lá da vila,
choram e sentem solidão
quando estão de barriga.

Lúcifer anda arrasado,
o seu mundo virou trevas,
por ter visto abraçados,
Adão e a senhora Eva.

Noé, o velho barqueiro,
não gosta de animais.
No entanto, adora um peixe-frito
no barzinho lá do cais.

Essa torre de Babel
é o mundo em que vivemos,
onde não há inocência.
Se algum nome ou fato ofender,
é mera coincidência.














Inalcançável

Eu não sei que dia é hoje.
Não importa.
Quem saberia?
O calendário é a porta
que ao tempo fecharia.
Quem me dera,
se eu soubesse
quando o dia acabaria.
Nem mesmo sei
se começa.
Não há pressa.
Hoje, amanhã,
será ontem.
Ontem,
hoje seria amanhã.
Amanhã
é um dia inalcançável.







Madrugada II

A tua cor
morena,
quase nua.
Madrugada
que abusa
de si mesma.
Eis que o sol
mal a toca
e quase a beija;
fazendo ciúme
à lua.













Cantiga de rua

Roda, roda, roda
no clarão da lua.
Roda, roda, roda,
cantiga de rua.
Volto a ser criança
no calor da dança.
Ouço o mesmo trecho
que era o desfecho
d’aquela canção.
Roda, roda, roda
a minha cabeça.
Não deixe que esqueça,
o meu coração,
cantiga de rua.
No clarão da lua,
roda, roda, roda
minha emoção.







Endereço

Quero revê-la agora mesmo.
Saudade é o maior medo de quem ama.
Na solidão, a sua voz me chama.
Meu coração não faz segredo.

Todos os dias, saio cedo.
Um beijo em você, na cama.
O nosso filho me encanta;
o nosso amor é seu espelho.

Sua imagem me acompanha
e na distância, me aborreço.
Eis a rotina de quem ama.

Assim, jamais eu lhe esqueço.
E volto sempre à mesma cama
por conhecer meu endereço.







Cabo de marfim

No espelho, um reflexo
mal compreendido.
Nos seus olhos abertos,
o inverso de mim.
No universo,
o fim;
o fim de quem sou.
Em meu álibi,
uma suspeita morta.
Em minha porta,
há uma marca.
E assim,
no jardim,
uma cova,
uma lápide torta,
uma faca
com cabo de marfim.







Maçã podre

Por que me pedem
para cumprir deveres
em meio a seres
que não me compreendem?
Por que me prendem
com pregos
à parede,
exposto à multidão
que nunca esquece?
Por que há sede,
onde a água floresce?
Por que esquecem
os próprios sobrenomes
e nunca o meu nome?
Quiçá,
porque sejam homens,
animais dementes,
sementes
de uma maçã podre.






Entre quatro paredes

O que estou fazendo aqui
entre quatro paredes e um teto?
Sem o céu,
não consigo existir.
Sem a lua,
não tenho mistério.
Eis que páginas
se dobram em mim,
na leitura
de meus próprios versos
em poemas
que não chego ao fim,
não existe regresso.











Amiga

Ela me pede:
-Fale de amor.
Ela,
uma flor
de pétalas amarelas.
Os olhos,
pérolas
de um verde sedutor.
Seja quem for,
não direi nada.
É louca,
engraçada
e cheia de cor.













Biografia:
No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios. Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho. Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de biodiagnóstico do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia. Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991. Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.
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