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Uma parada me movendo
Germano Anderson

Uma parada me movendo
Eu era um escritor sem nada sobre o que escrever,mas eu queria escrever,não,eu queria era escapar,de alguma forma,de algum jeito,eu queria escapar,escapar da rotina de trabalho,escapar de chefes,escapar de ordens,escapar de conversas,escapar de companhias que me façam querer pular no precipício.era tudo o que eu queria,escapar!só isso,mas talvez seja o que todo mundo quer,escapar de um amor perdido,escapar de uma memória poderosa,escapar de pais,escapar de filhos,escapar! a sociedade persegue a si mesma e isso me assusta,me assusta pra valer.era só olhar para o nosso modo de vida que eu me sentia mal,trabalhamos tão duro,suamos tanto,por uma diversão de final de semana.baseamos as nossa vidas em amizades e em amantes que não sabem amar.é difícil... ter dinheiro o suficiente para não passar fome mas não ter o suficiente para não ter que chupar o pau de algum estúpido engravatado.eu não odeio o dinheiro,mas odeio o quão facilmente desperdiçamos nossa vida por algo que só tem importância porque nós damos importância.espero que nem um pobre de verdade esteja lendo isso pois agora ele estaria dizendo ”não filho da puta,difícil é não ter dinheiro para comprar leite pro meu filho” é,talvez seja isso mesmo que seja difícil,acho que era isso que me faltava,eu nunca tinha ficado desesperado,já tinha perdido muitas coisas,especialmente sonhos e amores.mas nunca tinha me desesperado e agora nem acho que ter perdido esses dois foi algo devidamente ruim,algumas coisas devem ficar pelo meio da estrada,nascemos pelados e deveríamos morrer assim.estava deitado na cama,cinco horas da tarde,janela fechada,porta fechada,luz desligada e alguma música de algum cara com uma voz rude tocando.eu gostava mesmo era dessas músicas com esses caras,que tinham essas vozes rudes,brutas e as vezes até feias.odiava os cantores suaves,gostava era da brutalidade,de algo que me marcasse de alguma forma.mas sem gritos,você não precisa gritar para ser ouvido.minha mãe abre a porta e entra,ela se assusta com o ambiente,era de se esperar,eu tinha 18 anos,eu devia está em algum lugar com meus amigos ou namorada(se tivesse),talvez no shopping,na casa deles,no cinema,qualquer lugar menos em um quarto escuro enquanto ainda não era nem noite.mas era ali que eu queria estar,não gostava de shoppings,pessoas demais passando por mim,quando estava nesse ambiente eu começava a me sentir como eles e não havia muitas coisas tão ruins para mim como me sentir como eles.até que gostava de filmes,mas não gostava de cinema,especialmente porque na minha cidade eles geralmente ficavam dentro dos shoppings,e também as vezes tem muitos incômodos nas salas de cinema.e a casa de meus amigos,bem,eu quase não via mais eles e acho que nem queria.não me importava,eles estavam por ai,vivendo suas vidas,seguindo com seus planos e eu gostava de ter sido deixado para trás,era bom saber que finalmente eu estava sozinho de novo.talvez se toda a humanidade fosse extinta e só sobrasse eu vivo,eu acabasse pensando de forma diferente.mas enquanto tiver 7 bilhões vivos vai ficar difícil pensar assim.eu via aquele que foi meu melhor amigo uma ou duas vezes a cada dois meses,era o suficiente,ele contava as suas histórias de quase transa e eu contava minhas piadas que surgiam a parti das falas dele.eu nunca soube contar uma piada,eu só sabia dar respostas engraçadas algumas horas.eu não tinha muita história para contar ou talvez eu não soubesse como contar.minha mãe entra no quarto e fala com uma voz meio assustada.
-felipe?
-o que foi mãe?
-o que tu está fazendo nesse quarto,no escuro?
-tentando dormir...
-mas ainda são cinco horas da tarde
-é por isso que eu fechei a porta,a janela e desliguei a luz
-está tudo bem com meu filho?
-tudo certo... só queria dormir um pouco
Ela finge que se convence e deixa o quarto,estava tudo certo mesmo,eu gostava daquele ambiente,eu geralmente fazia aquilo antes de começar a escrever,a escuridão,a música,a solidão,sempre me inspiraram.mas daquela vez eu só queria dormir mesmo,mas não tinha como,não mais.me levanto e abro a janela. o sol ainda queimava lá fora.pego minha chave e abro o portão.os garotos estão jogando bola na rua,eram todos mais jovens que eu,mas eu me sentia melhor com eles.não me dava bem com os quase adultos,eles geralmente ficavam na esquina bebendo e conversando. O segundo não me agrada muito,ando um pouco e chego até os garotos com a bola.começo a jogar,muitos ano atrás eu tinha sonhado em ser jogador de futebol,sonho que acabou ao ir na minha médica e ela me dizer algo que já tinham me falado antes mas não do modo como ela me contou. “Felipe,tu não pode ser jogador de futebol,sinto muito,teu coração é frágil demais para isso,mas tu pode jogar xadrez” foi a primeira vez que senti vontade de mandar alguém tomar no cu e era uma das mulheres que ajudou a salvar minha vida.eu nasci com uma doença séria no coração,o nome era tetralogia de fallot,pelo o que eu havia entendido,significava que eu nasci com 4 defeitos no coração.me esforçar um pouco mais que o normal me levaria a morte rapidamente,mas isso nunca me preocupou antes,não até aquele dia,e nem depois dele.me lembro de vim para casa chorando dentro do carro,é uma das primeiras vezes que eu lembro de ter chorado,eu tinha nascido com uma limitação,ali eu comecei a ver que era mentira quando eles diziam “você pode ser o que quiser quando crescer”.não,você não pode,você só pode ser o que você pode ser e isso não responde nada.não importava o quanto eu me esforçasse,eu nunca poderia jogar bola como profissional,na verdade quanto mais eu me esforçasse maior era a chance de eu não conseguir fazer mais nada.era uma merda,com os meses a minha paixão por futebol foi acabando.até que por fim deixei o futsal na escola e deixei de acompanhar os jogos de futebol,e futebol deixou de ser algo emocionante para mim.mas eu ainda gostava de jogar com os garotos na rua,pelo menos era melhor do que ficar na esquina com aqueles conversadores.eu jogava bem,tinha uma certa habilidade e grande velocidade,mas ela durava pouco por causa do meu problema.meu time venceu algumas partidas,eu lembro que antigamente quando eu terminava de jogar bola na rua eu pensava “cara,eu tenho que parar de fazer isso, de desperdiçar meu tempo,tenho que fazer algo com minha vida” mas como é que se ganha tempo? A vida é uma corrida para beijar a senhora de preto. Decidi continuar jogando enquanto eu quisesse jogar.sempre que pessoas passavam na rua,nós parávamos para elas passarem.uma dessas pessoas que passaram,era um daqueles evangélicos que andam com aqueles pequenos papeis sobre Jesus cristo,falando o quanto ele nos ama e o belo futuro que tem para nós.era uma senhora,ela me entregou o papel.
-não é para amassar,viu garoto! ela me disse
-ah,a senhora quer dizer assim? Enrolei o papel em um formato de cigarro e então apertei entre minhas mãos.
-isso mesmo... e então ela se deu conta do que eu tinha feito de verdade e continuo. olha,não se faz isso.
-eu já fiz...
E então algum dos garotos que jogavam comigo,que também era evangélico,disse
“esse aqui é ateu,senhora” eu de fato não acreditava em deus mas eu me perguntei como ele sabia disso,eu nunca tinha falado nada sobre religião,para nenhum deles,bem,talvez estivesse estampado na minha cara que se deus existisse,pra mim ele não passava de um grande filho da puta egocêntrico.
-é,eu sou mesmo. Eu completei
E ela disse enquanto caminhava para longe
-deus não fez ninguém ateu.
-eu vim com defeito de fábrica
Ela se afastou sorrindo. E o outro moleque evangélico começou com sua sessão “deus existe,está ai para quem quiser ver”
-por que tu não acredita em deus?
-porque eu fui estuprado pelo meu avô tetraplégico
-tu é um louco... deus existe,cara
-tá bom...
-tu acredita nos passarinhos? Nos assovios deles?
-acredito...
-então tu já não é mais ateu,disse ele,com um sorrisinho no rosto,como se aquele fosse o maior argumento que um homem poderia pensar
-tá bom,seu porra,deus existe! foda-se,eu vim aqui foi para jogar bola e a menos que ele seja meu próximo adversário eu to pouco me fodendo pra ele.
Ele decidiu se calar e voltamos a jogar,ainda bem,se não iria ter que me juntar com os bêbados da esquina,pelo menos eu não vi nenhum deles tentando salvar ninguém com papéis que nem dava pra limpar a bunda direito.depois de uns 40 minutos o jogo finalmente termina e o sol começa a descer,eu caminho para casa,os caras conversadores ainda estão na esquina da minha porta,as vezes eu cumprimentava eles,as vezes não.esse foi um momento de não.fui para casa e tomei meu banho.logo ao terminar eu sentir uma vontade familiar,senti que precisava andar,coloquei alguma bermuda e qualquer camisa e sai pela rua,os conversadores ainda estavam no canto,dessa vez eu falei com eles.sigo andando,em um caminho que fiz muitos anos,saindo de casa,esquerda,esquerda,direita,reto,reto,esquerda,reto,reto e reto.entro em uma rua qualquer,e me sento em uma parada de ônibus,já estava escuro, e tinha algo naquela parada que me chamava atenção,talvez fosse a escuridão e solidão em torno dela,tinha um homem provavelmente com os seus 50 anos na parada,mas não dava para ver seu rosto direito,estava escuro demais.as únicas luzes vinham dos carros que passavam na avenida logo em frente,era algo marcante,aquelas luzes batendo no seu rosto que estava enfiado dentro da escuridão,fiquei ali uns bons 10 minutos. E então me dei conta do que eu estava esperando,estava esperando o horário de saída da minha antiga escola chegar,percebi que tinha alguém que eu queria olhar,era uma garota,eu tive uma relação estranha com ela em muitos sentidos durante o ano passado,nunca nos beijamos mas de alguma forma eu sentia que nos amamos,eu só sabia que queria lhe olhar e principalmente queria que ela me olhasse,não a queria de volta em minha vida,não queria dizer nada a ela,não queria que ela me dissesse nada,mas eu queria ver ela pelo menos foi isso que eu disse a mim mesmo enquanto estava sentado naquela parada poética.olhei para o relógio e faltava dois minutos para o horário de saída.continuo encarando o chão escuro e as luzes dos carros,os dois minutos se passam,mas eu continuo esperando,as vezes o horário atrasava e ela também não era do tipo que se apressava para ir embora.continuo sentado e esperando,olhei para trás,e percebi que ali era um campinho e eu já tinha jogado bola ali,muitos ano atrás,durante a tarde eu ia pra li jogar bola quando na verdade eu deveria está no reforço escolar,fiz um belo gol por ali,e levei uma bela surra por causa desse jogo,cheguei com os pés muitos sujos em casa,minha mãe pegou uma parte do carro que antes de se soltar ficava grudado do lado da porta para impedir ela de bater na parede e arranhar.foi umas piores surras que já levei,mas não lembro de ter chorado.depois eu escondi aquela parte do carro e por fim eu o queimei de alguma forma,cheguei a conclusão que era melhor apanhar de pau do que daquilo,continuei indo jogar durante as tardes e apanhar vez em quando.olhei para o relógio de novo,o tempo que eu julgava necessário passar,havia passado.me levanto da parada,dou uma olhada no velho e sigo andando. Minha ex-escola ficava a pouquíssimos metros dali. De onde eu estava dava para ver perfeitamente os alunos deixando a escola.porque mesmo que eu estivesse em outra rua,o que separava a rua que eu estava,da escola,era um campo baldio,a rua que eu caminhava possuía arvores,fui andando atrás delas e olhando na direção da escola,olhei a garota que eu queria olhar,não errei um minuto,ela saiu quando eu esperava.mas eu precisava olhar mais de perto.acelero meu passo.desço a rua rapidamente,viro a direita, e passo pela rua onde os alunos desciam,assim que eu coloquei o pé na calçada que ficava do outro lado eu pude ver ela, e tenho certeza que ela me olhou.nosso olhares se cruzaram por menos de meio segundo mas eu soube que ela me olhou.fiz cara de surpreso,como se aquilo tudo não fosse parte de um plano traçado ainda no meu subconsciente.continuo andando,tem umas três garotas na minha frente,estudavam na mesma escola que ela.eu desço da calçada para passar por essas três garotas,e assim que eu faço a ultrapassagem,eu também passo por ela,não olhei para ela e tenho quase certeza que ela não procurou me olhar também.eu dou uns cinco passos e escuto uma voz,era a sua voz. Ela dizia “ei,me espera!” eu não me viro,sabia que não era para mim,ela fala de novo”ei meninas me esperem...” ela estava falando com as três garotas que eu ultrapassei.andei mais uns 7 passos e vi uma garota da mesma escola,eu conhecia ela,na verdade anos antes ela até me declarou como seu melhor amigo,obviamente eu não era. E ela diz.
“Felipe!!” eu abraço ela,falo com o garoto que lhe acompanhava,provavelmente o seu namorado e sigo meu caminho.ando mais um pouco, e decido atravessar para o outro lado.a garota que eu queria olhar continuava parada na frente de uma farmácia.do outro lado da avenida estava uma garota,ela conseguiu atravessar antes de mim.a garota na farmácia finalmente começa a se mover, e ela anda e anda e anda,naquela sua velha velocidade velha,e eu finalmente atravesso,um carro quase pega minha perna,mas sem problema,não pegou o meu orgulho.sigo para minha casa.os conversadores já tinham saído da esquina.chego em casa banhado em uma depressão sem graça.me olho no espelho e sinto nojo do que vejo,só mais um rosto preocupado com o orgulho,que estúpido!Eu não tinha nada a dizer a ela e não acho que teria qualquer coisa que eu gostaria de ouvir em especial.mas ainda assim,aquela situação não parecia certa,tinha alguma merda no meio dela,eu tinha feito alguma merda,talvez eu devesse ter olhado ela pra valer,eu realmente não sabia o que tinha acontecido,mas fiquei com medo no ato,e isso me fazia sentir mal. Não era acostumado com o medo, e muito menos ainda acostumado com ele ganhando de mim,fui me banhar para ver se conseguia tirar o nojo de mim mesmo.terminei e me olhei no espelho de novo.a mesma merda de antes,o banho não funcionou.me deito na cama e espero o sono chegar,ele sempre demorava pra chegar quando eu mais precisava dele,me sentia humilhado diante de mim,e isso é horrível,decepcionar a você mesmo.teria sido melhor levar um chute no saco e receber um boquete de um crocodilo.


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