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Ana Júlia
Hermélio Silva

Ana Júlia
(Publicado no livro O ABC do Vendedor, em 2000)

Baseada na reportagem de Andrew Meltzoff (“The Scientist in The Crib”), publicada na revista Veja nº 1649, de 17/05/2000, adaptamos para uma entrevista imaginária com uma criança de quatro anos de idade.

Pergunta – Um bebê quando chora está vendendo sua inquietação por alimento ou carinho, é esse o seu dinheiro? Qual sua profissão?
Ana Júlia – Somos como vendedores ou mesmo cientistas, queremos entender o mundo. Para tanto, usamos o que podemos, inclusive nossos pais como clientes ou ratos de laboratório.
Pergunta – As crianças devem ter brinquedos caros, especiais?
Ana Júlia – Se vivermos em isolamento ou na pobreza absoluta, teremos nosso desenvolvimento retardado. O ambiente influi. Nós não somos como as flores que desabrocham apenas com a água, a terra e o sol. A estimulação de que precisamos é por meio de brincadeiras e frases simples do dia a dia. Precisamos de brinquedos simples, como potes e colheres, bolas e roupas, ainda mais se bastante coloridos. Existe muita gente aí ganhando dinheiro com brinquedos, receitas de exercícios e outras fórmulas para se criar um superbebê. Também há milhares de livros que querem transformar todos nós no melhor vendedor do mundo. Claro que todas as informações são interessantes, porém devemos adaptar ao nosso objetivo. De cada exemplo tiramos algo e, depende de nós para o colocarmos em funcionamento se acharmos conveniente.
Pergunta – Se ouvir muita música na época em que o cérebro está conectando os neurônios, formando-se, a criança terá mais chance de ser um bom músico?
Ana Júlia – Não há prova científica a respeito disso. Ouvir Mozart ou Roberto Carlos não faz mal a ninguém. Nós não precisamos ouvir música para nos tornarmos músicos. A voz da minha mãe é a melhor música que há. Quando ouvimos alternância de tons e timbres, vozes diferentes, estamos aprendendo melodia. Mozart e Roberto Carlos, quando crianças, nunca ouviram cd’s de Mozart ou de Roberto Carlos. Os filhos deles podem não ser músicos. O filho de um pedreiro pode ser um excelente advogado, músico, intelectual.
Pergunta – Qual o salário de um bebê, cientista ou vendedor?
Ana Júlia – Nós, crianças, estamos profundamente engajadas na tentativa de entender o mundo físico, dos objetos, e o psicológico das pessoas. Somos como cientista, já disse antes - obviamente sou um vendedor por natureza - e queremos entender as coisas para fazermos melhores previsões. A diferença nossa é que trabalhamos pelo simples prazer da descoberta. Os outros muitas vezes o fazem pela fama, dinheiro ou promoção.
Pergunta – Cite um experimento...
Ana Júlia – O problema da permanência dos objetos é um clássico da infância. Antes de um ano de idade, nós, crianças, não sabemos que os objetos que desaparecem de nossa visão continuam a existir. Deitados no berço fazemos experiências escondendo brinquedos e passamos a procurá-los, entusiasmamo-nos quando os descobrimos e os escondemos novamente. Fazemos esse tipo de experimento por inúmeras vezes. É quando descobrimos a permanência dos objetos. Quando não vendemos os nossos objetivos ou produtos, devemos repensar nossas atitudes e partir para uma nova e mais prática estratégia.
Pergunta – Vocês são sabe-tudo?
Ana Júlia – Nascemos sabendo muito, mas não tudo. No nosso desenvolvimento já nascemos com conhecimentos, ou aprendemos com nossas próprias atividades, ou ainda, ensinadas pela cultura e por nossos pais. Isso nos faz dependentes. O carneirinho sobe montanhas pouco tempo após o nascimento. Os filhotes de codornas saem do ovo correndo à procura de sua sustentação, sem o suporte dos pais. Há espécies mais próximas dos adultos ao nascer do que nós humanos. Nós nascemos para aprender. Essa fragilidade que denotamos é uma vontade imensa para aprender rapidamente. Absorvemos o que está na cultura sem esforço. Somos dependentes, mas excelentes aprendizes. Flexibilizamo-nos, formando diferentes culturas com diferentes costumes, rituais, línguas.
Pergunta – Por que uma criança tem facilidade para falar outra língua, sem sotaque?
Resposta – Aprendemos melhor uma segunda língua entre três e sete anos de idade. Como estou com quatro anos, tenho facilidade e quero aprender logo outro idioma. A partir dos oito anos, essa facilidade tende a desaparecer. Quero aproveitar e aprender logo meu segundo idioma.
Pergunta – Por que fala com tanta convicção?
Ana Júlia – Acredito que isso ocorre porque é na infância que se criam na mente os protótipos dos sons que ouvimos e emitimos. Ao alcançarmos a puberdade, esses protótipos já estão tão formados e fixados que fica mais difícil a percepção e a diferenciação dos sons de uma língua estrangeira. Lembra daquele ditado que diz que papagaio velho não aprende a falar?
Pergunta – Aprende-se o mais importante na infância?
Ana Júlia – É na infância que aprendemos mais rápido. Quando recém-nascidos, nós mamamos e dormimos. Aos três anos, andamos, conversamos e, às vezes, contamos algumas mentiras. Temos noções de moralidade e sentimos simpatia ou antipatia pelos outros. Outra espécie não aprende tanto em tão pouco tempo como nós. Aprendemos muito mais nos três primeiros anos de vida do que quaisquer outros três anos da nossa vida. Se vocês adultos aprendessem tanto como nós, todos seriam gênios.
Pergunta – Os bebês sorriem para suas mães?
Ana Júlia – Os adultos pensam que somos folhas de papel em branco, que podem nos preencher e moldar como seres humanos. Essa ideia errada mudou com o advento da filmadora e do videocassete. Essas invenções foram para os psicólogos do desenvolvimento uma grande revolução, tal qual o telescópio para os astrônomos. Com o vídeo, os psicólogos podem estudar filmagens feitas em casa, no dia a dia. Podem considerar como evidências científicas. É verdade que bebês sorriem para suas mães. Não é uma ilusão maternal.
Pergunta – Os bebês sabem que são como os adultos e os mesmos como ele?
Ana Júlia – Nós imitamos nossos pais. Quando damos língua, demonstramos saber que somos semelhantes aos pais. Nós sabemos, sim, que somos iguais aos adultos. Nós deduzimos, tornando fundamental para o desenvolvimento moral e social.
Pergunta – O insistente dedo na tomada...
Ana Júlia – Somos como os psicólogos fazendo estudos. Nossos ratos de laboratórios são nossos pais. Ficamos a testar os limites impostos, as regras e o que os irrita. Repetimos alguns testes só para ver a reação dos nossos pais. Eu já enfiei uma agulha de crochê numa tomada. Senti uma reação esquisita. Um bruuuuurrrrrrrrrrrrr inesquecível. Fico fingindo que vou enfiar o dedo em todas as tomadas só para ver a reação dos meus ratinhos irritados. Isso ocorre para confirmar se minhas previsões estão corretas. Claro que quando adulto já devo ter aprendido essa experiência e continuarei a fazer outras, com menos intensidade. Errar é humano, mas o erro nos dá experiência para buscarmos sempre o acerto. Aprenderei com o tempo o que é o certo.
Pergunta – Se dermos um pedaço de rapadura e um jiló para um bebê de um ano...
Ana Júlia – Aos 12 meses de vida já lemos alguns pensamentos dos adultos. Percebemos que quando um adulto olha para um lugar e fica sorrindo, ele quer que nós olhemos também. Aos 18 meses já descobrimos que cada louco tem sua mania: alguns gostam de doce e outros, de jiló. Eu já conheço os dois e prefiro o primeiro. Quando adulto, o vendedor que notar que o cliente está olhando para uma vitrine, ele, o vendedor deve ver, pela menina dos olhos do cliente, qual o produto que encheu a sua íris. Daí é um pulo para concretizar a venda, usando os demais órgãos do sentido e o aprendizado da vida toda. Como diria o bom baiano Raul Seixas: que o mel é doce eu me nego a afirmar, mas que parece doce, parece.
Pergunta – Sobre o irmão mais velho?
Ana Júlia – Um irmão ou uma irmã para um bebê de dois anos é um exemplar humano muito mais encantador que os pais. A convivência com outras crianças dá bons resultados. Crianças que convivem com irmãos nessa fase aprendem mais rápido. Os irmãos mais velhos ou o filho único são, na maioria, são dominadores e ambiciosos. Os mais novos são simpáticos e sociáveis. Tenho que rebolar para convencer meu irmão mais velho a fazer o que eu quero. Uso muito astúcia. Ele se acha superior diante da minha suposta ignorância. Deixa ele...
Pergunta – Aquele jeito meio bocó de falar com os filhos traz resultados?
Ana Júlia – Você quer dizer daquela maneira amorosa e emocional, falada com melodia e simplicidade, num timbre diferente do normal? É a melhor maneira de aprendermos à linguagem. Não faz mal nenhum crianças com menos de dois anos terem pais que falam e agem como bocós. Faremos isso a vida toda.
Pergunta – E os mamanhês?
Ana Júlia – É uma forma de linguagem que aprendemos desde os seis meses de vida. Aprendemos os padrões, ritmos e sons de nossa língua apenas ao ouví-la o tempo todo. Não é uma prova de que entendemos ou de que possamos falar muita coisa antes dos dez meses de vida. Sempre aprenderemos.
Pergunta – Por que as primeiras palavras são mamã e papá?
Ana Júlia – Ao abrirmos ou fecharmos os lábios, produzimos esses sons. Muito fácil. Quando isso acontece e aspiramos o ar quase sempre pronunciamos mamã. Ao contrário falamos papá. É a própria facilidade do movimento e do ar. O restante é a prática. Experimente fazer isso e verá o mesmo resultado. O mundo aproveitou muito bem esse som e os transformou em mamãe e papai, em vários idiomas.
Pergunta – Você se lembra de fatos, coisas...
Ana Júlia – Lembramos do rosto dos pais, do brinquedo predileto; isso se treinado desde o primeiro ano de vida. Lembramos das coisas até com uma semana de intervalo.
Pergunta – E a amnésia infantil? O esquecimento do tempo de infância?
Ana Júlia – A amnésia infantil é o que se passou antes dos três anos de idade. Os cientistas não sabem a causa. Talvez seja porque as primeiras lembranças são armazenadas de uma maneira pré-verbal e é difícil traduzí-las nas representações verbais que temos ao ficarmos adultos. Também não podemos lembrarmo-nos de tudo, né? Não somos um disco rígido, um computador...
Pergunta – Qual a melhor arma de um bebê?
Ana Júlia – A meiguice é uma arma irresistível. A nossa bochecha rosada é, em todo o mundo, uma gracinha. Isso faz com que todos caiam de amores por nós. Que bom que é assim, né?


Biografia:
Consultor de marketing, produtor cultural e escritor com 14 livros publicados.
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Publicações de número 1 até 8 de um total de 8.


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