Silvino, dono da cadeia de lojas Noiva Feliz, casou-se com Hilda, ex-caixeirinha da filial de Inhoaíba. Só que ele, vinte e cinco anos mais velho, aos poucos, começou a sentir doentio ciúme dela.
–Vai sair assim?
–Vou.
–De bermuda?
–Social. Fina. Puro linho.
–Te faz bunduda. Muito.
–Ih, não amola.
Dava-lhe as costas, batia-lhe na cara a porta da rua.
Ele, num destempero, procurava Rosaura, a empregada, velhota e confidente:
–Viu só? Viu só?
E quase num gemido, a voz desmaiada, de agonizante:
–Tem outro.
–Sossega, seu Silvino. Magina, dona Hilda!
Erguendo os olhinhos, o esquerdo turvado pela catarata:
–Boto minha mão no fogo.
Ele se sentou na poltrona grande da sala, puxou longo suspiro do peito chupado, balançou a cabeça, jogou verde:
–Sei não... sei não...
–Vai por mim.
Saberia alguma coisa que ele desconhecia?
–Sei nada, não.
Mas o quê?
–Olha, seu Silvino, acho melhor eu me...
Calou-se. Embaraçava-se. Então sabia. Estavam mancomunadas. Mulheres, protegiam-se.
–Ih, não tou protegendo ninguém! Que coisa! Credo!
Despropósito de resposta. Tanta veemência. Comprometia-se. Confidente dele, amiga dela. Ai, meu Deus! Estava perdido! Levou a mão à calva, pôs-se a cavucar a casquinha arroxeada da verruga.
–Então diz: onde é que ela vai toda tarde?
–E lá sei?
Sabia. Zanzando, o tempo todo em casa, o ar sonso de velhinha inofensiva, Hilda lhe confidenciaria coisas.
Jogou verde de novo:
–Pra mim, pura agonia, não vê? E já dura um tempão.
Exatamente seis meses, duas semanas e três dias.
–Sai logo depois do almoço. Só volta na hora da janta. Sem dar satisfação. Onde já se viu?
Agora ela que deu um suspiro puxado, e, os olhos perdidos no chão, as mãozinhas torcidas, a voz de menininha estonteada:
–Olha... seu Silvino... escuta...
Leve pausa:
–Ai, meu Deus! Promete que não diz nada pra ela?
O dedo dele tremeu na verruguinha:
–Dizer o quê, criatura?
–Promete?
–Ora, por que diria?
Nova pausa, ela agora encarando-o:
–Me contou que estava frequentando o culto.
–Culto?
–Toda tarde. Na Universal.
Ora, ora, disso ele estava cansado de saber. Seguira-a, vira-a entrar na sede da Igreja, no antigo cine Campo Grande. Havia mais coisa. Ah, havia. Disfarçou:
–Ela se queixou? Está com algum problema?
–Isso não sei, não senhor.
–É reza pra quê?
–Ai, meu Deus! Ai, meu Deus!
–Dinheiro não pode ser. Saúde também não. Será coisa sentimental... amor?
–Ah, seu Silvino! Faz isso comigo não. Olha, faz de conta que eu não lhe disse nada!
–Por quê?
–Ai, meu Deus!
Tentou fugir, ele lhe pegou a carne balofa do braço, apertou:
–Se não disser, conto tudo pra ela.
–Me machuca não! Vai ficar roxo!
Apertou mais.
–Ai, eu digo... digo o que o senhor quiser.
Ele, em transe, com cara de Judas de quermesse, como se recitasse uma ladainha:
–Ela sai no meio do culto. Vai pro consultório dum médico. No sétimo andar do Shopping Campo Grande. Fica lá o resto da tarde.
A voz pausada, de condenado descido da cruz:
–Trancada... sozinha... com ele...
Sacolejou-a:
–Repete!
–O quê? O quê?
Novo sacolejão:
–Repete!
–Trancada... sozinha... com ele...
–E o nome?
–De quem?
–Dele!
–Sei lá!
–Robledo! Dr. Robledo!
–Cumé que é?!
–Dou-tor Ro-ble-do!
–Ahn... meio esquisito, né?
–Repete!
–Dr.Robledo!
–Mais alto.
E o berro dela inundou todos os cômodos, e ele a soltou e ela correu. Ele se estendeu na poltrona. O eco da voz de Rosaura ainda por ali varou-o por dentro. Ele fechou os olhos, a imagem de Hilda, sua acintosa juventude, seu acintoso frescor saltou-lhe à frente. Ele então se viu dominado por uma pequenina mas insuportável vontade de se matar.
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