Ele havia saído para passear num dia nublado. Consigo, carregava seus dois meninos: duas crianças com pouca diferença de idade entre si. Os três estavam felizes, talvez aflitos, por, finalmente, deixarem o aconchego de sua casa. Ainda que o céu não se fizesse azul e que o Sol não iluminasse todos os caminhos da cidade, sentiam que era hora de explorar o mundo lá fora. As adversidades meteorológicas não eram tão preocupantes aos pequenos, porque ambos confiavam plenamente nele e ele, como um sábio guardião, os protegia e pretendia mostrar-lhes todas as aventuras, os muitos perigos e as novidades existentes para além da rua de sua casa.
Decidiram, quando andavam pela rua principal, adentrar o antigo, mas bastante conservado, Salão Minos, lugar muito frequentado na época de sua mãe, de sua avó ou de sua trisavó. Por fora, o estabelecimento era extremamente luxuoso, convidativo e, ao mesmo tempo, imponente e intimidador. Dizia-se que, antes, a casa era parada obrigatória aos visitantes da cidade e que os citadinos espalhavam sua fama a quem quisesse ou não sabê-la. Hoje, o salão não deixou de ser visitado e admirado, mas ir lá já não é mais tão sacramental.
À entrada, foram bem recebidos por uma bela jovem, filha do antigo proprietário. “Fiquem à vontade”, disse, “caso precisem de ajuda, estarei à disposição”. O Minos se transformou numa espécie de patrimônio cultural, já não se celebrava, como outrora, a vida em seu espaço aconchegante. Tornara-se, há uns tempos, um local por onde as pessoas passam, quem sabe, por necessidade e aonde, talvez, nunca mais queiram retornar.
Já dentro do salão, os três vislumbraram um grande piso em xadrez e, no canto da parede, um longo piano de cauda, que, para surpresa dos visitantes, começara a emitir lépidas notas musicais sem que houvesse um pianista que o tocasse. Num átimo, as portas, de entrada ou de saída, fecharam-se e tudo ficou escuro, apenas três luminárias, acima do piano, concediam uma fraca luz. O menino maiorzinho achava tudo isso muito estranho, o menorzinho não se abalava. Nesse instante, começaram a soar, lentamente, as notas graves da cauda e o salão começou a ser inundado por um líquido viscoso, que então tomava a cintura do preocupado visitante. Vindo do alto, uma voz pesada se pronunciou, “Olá, meu bom rapaz. É muito bom tê-lo em casa, lugar em que você receberá conforto, carinho e proteção para todo o sempre. Aqui, tudo é seu e meu é tudo aqui”. E o guardião das crianças via que o salão ficava menor e mais apertado.
O menorzinho pensou que aquele fosse realmente um lugar muito aconchegante e protegido, longe do perigo externo, mas o outro, determinado, não via a hora de escapar do Minos, pois percebia que suas paredes se aproximavam e que o volume do líquido subia, podendo sufocá-lo. Seu maior desejo era ver-se livre daquele salão escuro e molhado.
Havia, embora a aflição, uma passagem minúscula, através de que o menino maior poderia, com alguma dificuldade, escapar, mas estava trancada e só poderia ser aberta pelo lado exterior. Por sorte, a recepcionista, reparando a demora dos que visitavam o Minos, voltou e descerrou aquela que poderia ser a única saída para o sábio guardião, para o menino menor e para o menino maior. Apenas este, porém, desejou escapar. “Por que não vem, menino?”, perguntou, “porque aqui me sinto protegido, aqui é o meu lugar”, respondeu o menorzinho. “E você, sábio guardião, não vem comigo?”, perguntou o maiorzinho, tentando entender a decisão daquele que sempre o protegera, “eu sou um guardião, você já não precisa mais de quem o guarde, pois é, agora, o guardião de si mesmo; também deixarei de existir, porque um menino está guardado, nunca mais poderá ser tocado pelo bem ou pelo mal, e o outro se guarda”.
À luz do Sol, enxergando todos os caminhos, o homem que escapou se foi com a filha do dono do antigo salão, o Minos, que espera, sempre ganancioso e de braços abertos, por mais visitas.
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