O presidente do Senado, Renan Calheiros, lembra, em artigo publicado no jornal Meio Norte (Teresina, 4/9/2006), os 27 anos de promulgação da Lei da Anistia, que trouxe de volta à cena brasileira os exilados pelo terror implantado no regime militar a partir da década de 60 do século passado. O 27 de agosto de 1979 foi, diz o senador, “o primeiro passo da caminhada à redemocratização”, que ainda não se efetivou em sua totalidade porque os instrumentos institucionais brasileiros precisam evoluir.
De lá até esta parte, é claro que a situação do país, no quesito liberdade, melhorou sensivelmente. Entretanto, para uma nação conquistar plenamente a democracia é necessário que, dentre outros pilares sociais, as forças econômicas – responsáveis pela organização econômica da sociedade – encontrem um contraponto na liberdade de imprensa, respeitadas as liberdades de informação e de expressão.
Fundamental para o desenvolvimento e estabilidade de qualquer povo – porque fator de conhecimento e de construção da realidade –, a imprensa deve exercer o seu papel social, ou seja, contribuir para o esclarecimento das comunidades onde os meios estão inseridos e de onde tiram o sustento.
Vemos, de Norte a Sul do Brasil, o poder econômico dos grandes empresários e o poder político das lideranças sobressair-se em detrimento das verdades que devem ser veiculadas pela mídia. Presenciamos a bota desses poderes sobre o interesse público, principalmente nas regiões mais carentes, onde determinam os conteúdos enunciados pela mídia.
A realidade contemporânea nos apresenta o poder político e o poder econômico aliados contra o interesse público e o direito “sagrado” e constitucional de o cidadão se informar. Em que pese a penetração da internet nas residências, empresas privadas e públicas, a força da grande imprensa – a imprensa tradicional que domina o sistema de comunicação social no país – é extremamente superior às possibilidades de acesso dos menos dotados de fortuna às novas tecnologias. O jogo de interesses é travado nesses dois grandes campos ocupados por minorias postas no topo da estrutura social.
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em vigor desde 1987, normatiza, em seus primeiros artigos, que:
Art. 1º – O acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não pode ser impedido por nenhum tipo de interesse.
Art. 2º – A divulgação de informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade.
Art. 3º – A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.
Art. 4º – A prestação de informações pelas instituições públicas, privadas e particulares, cujas atividades produzam efeito na vida em sociedade, é uma obrigação social.
Art. 5º – A obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação e a aplicação de censura ou autocensura são um delito contra a sociedade.
Conflitos e acordos
Questiona-se, agora, com o professor João Carlos Correia, da Universidade da Beira Interior, de Portugal, em transcrição indireta: como conciliar a vocação da mídia para estabilizar os valores e a energia dos poderes superiores da sociedade com a tradição cultural de libertação experimentada historicamente por essa mesma mídia? A indagação deve alimentar a consciência midiática nacional. Pensar não chega a doer, mas atrapalha. E incomoda a alguns; não à grande maioria dos infelizes e injustiçados cidadãos brasileiros, “controlados” pela espetacularização das informações em detrimento das mensagens revestidas de verdadeiro interesse público.
Palavreado? Não; exigência do direito à informação, à liberdade de opinião, de expressão e de expressividade inerente à pessoa humana para viver em sociedade, em comunhão com os seus semelhantes em um país inscrito no ideal democrático.
Há espaço, sim, para os conflitos ou acordos tácitos de grupos e indivíduos livres, formadores de uma sociedade igualmente livre e agentes de um Estado soberano, autônomo, moderno, justo. Nessa relação dialógica de cidadãos, a imprensa brasileira carece firmar-se com mais dignidade e responsabilidade social.
Da imprensa ao povo
Não se desesperem, no entanto, os críticos, com as palavras acima. A nossa imprensa tem história digna de registro e orgulho. É uma instituição marcada pela coragem em muitos momentos, mesmo com percalços, com avanços e recuos. Todavia, como é nossa, é nosso dever questioná-la e dela exigir posturas mais aceites para as exigências da realidade falsamente globalizada dos dias atuais.
A categoria jornalística, integrada por pessoas que, na sua maioria, sobrevivem da profissão, em muitos casos se vê acuada. Jornalistas há que vez ou outra perdem seus empregos por desobedecerem a determinadas “ordens superiores”. Outra pergunta: quem são os superiores dos jornalistas? A resposta fica para os críticos deste artigo.
Quantos jornalistas foram presos e torturados durante o regime de exceção? Hoje, quantos jornalistas são ameaçados, assassinados, seqüestrados, demitidos por cumprirem sua tarefa de informar? A anistia a que se refere o presidente do Senado não se completou. A anistia que relembramos e comemoramos deve chegar à imprensa. E, chegando à imprensa, alcançará o povo.
Transcrito do Observatório da Imprensa
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