Saí do Conto de Fadas, para relatar aos adultos de hoje, minha indignação aos preconceitos sofridos na época em que eu era considerado pela sociedade animal, como um “Pato” feio.
Nasci numa família humilde, tanto de recursos financeiros, como em valores culturais. Por ser uma criatura diferente, fui desprezado pela minha mãe e consequentemente influenciada por ela, também pelos meus irmãos e por todos os outros animais. Naquela época, não se falava em inclusão, portanto, fui alienado da sociedade.
Senti-me um ser desprezível e, analisando bem, entendo que fui vítima do que chamam hoje de “Bullying”, pois passei por muitos constrangimentos que me levaram a fugir do meu habitat e viver em um lugar onde ninguém me conhecia.
Apesar de todo esse sofrimento, não me envolvi com drogas e nem com más companhias, não existia essa Associação de proteção aos animais e nem a Agência Nacional de Proteção à Criança e ao Adolescente, portanto, tive que me virar sozinho para sobreviver. Por alguns momentos, quando via meu reflexo na água, sentia que eu possuía qualidades que poderiam superar qualquer problema de aparência, era só uma questão de oportunidade para mostrar meu talento.
Todo esse processo de rejeição mexeu muito com a minha auto-estima, e levei esse trauma por muitos anos da minha vida. Confesso que andei sob sol escaldante em solo causticante, como forasteiro, como um pato errante, mesmo assim, senti saudade dos patos que me hostilizaram a todo instante.
O tempo passou e a natureza se encarregou de transformar o “Patinho feio” num cisne exuberante, no entanto, quando eu via meu reflexo na água, reconhecia que a mudança só havia acontecido por fora, pois, internamente, eu era o mesmo Pato de outrora.
Pensei em recorrer aos meus direitos de Pato-cidadão e requerer indenização por danos morais, porém desisti, pois, compreendi que o sofrimento havia amadurecido meus sentimentos e que as mudanças fizeram de mim, um Pato resiliente, o que é uma grande qualidade nos dias de hoje com tantas transformações sociais e culturais.
Um sentimento de nostalgia fez-me voltar às minhas origens, e aí, a minha maior indignação: Fui tratado como um rei, apenas pela minha aparência, valorizando muito mais o meu “ter” do que o meu “ser”.
Sempre pensei em me manifestar, mas pensei que isso pudesse interferir na história que as crianças tanto admiram. Com a produção intertextual, entendi que posso dar minha posição dos fatos, sem que o valor do conto seja alterado.
Outra coisa, ao final da história, correu um boato de que quando virei cisne, vivi feliz para sempre. Não acreditem nesta versão. Na realidade tive que fazer terapia por muito tempo até encontrar com o meu próprio “eu”.
Hoje, posso dizer que sou uma ave consciente e participante da sociedade. Tenho liberdade de expressão e estou defendendo uma tese na Universidade: “Um Pato pode ser tão importante quanto um Cisne Real”.
Atenciosamente
Cisne Real, mais conhecido como o Ex-Patinho Feio.
Autora: Silvia Trevisani
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