Alan está a caráter. O convite exige traje de gala. Os cem anos do clube serão comemorados com um grande baile. Não pode faltar. Passa na casa da namorada na hora combinada. Lívia veste um vestido preto, justo e decotado. Um pouco demais para seu gosto é bem verdade, mas inegavelmente é um homem de sorte: ela está muito bonita.
Chegam ao clube. O baile já iniciou. São conduzidos até a mesa, e no trajeto cumprimentam alguns conhecidos. A orquestra, um luxo que a ocasião permite, lhes parece à altura da comemoração. Tudo está bem, com exceção do smoking que o deixa meio atado, mas que não chega a tirar o brilho da festa.
O garçom usando óculos e muito solícito se aproxima:
- Boa noite. O que preferem beber?
- Vinho branco. Seco. A Lívia me acompanha. - aperta a mão da namorada, com carinho.
- Vou trazer o melhor que tivermos, Alan. – enquanto o garçom se retira ele constata sorrindo que todos o tratam pelo apelido, dificilmente o chamam por Gustavo, seu nome de batismo.
Alan olha ao redor. A decoração está maravilhosa. Predominam as cores do clube, verde e branco. O arranjo das mesas é com orquídeas. Deve ter custado uma fortuna, comenta com a namorada.
Pé de valsa, como se dizia antigamente, convida a companheira para dançar, antes mesmo de a bebida chegar à mesa. Bebem, dançam, conversam animadamente. De vez em quando, Alan toma uns goles de uísque que algum amigo lhe oferece.
E o baile corre solto. Os homens muito elegantes parecendo pingüins tanto no visual, quanto na maneira pouco à vontade de caminhar. As mulheres atraentes, cheirosas, maquiadas e macias que só elas. Perfeito.
O garçom deixa a segunda garrafa de vinho, e o baile ainda não está na metade. Alan já não se equilibra como o desejado, por ele e pela diretoria do clube.
Como todo aquele que passa do limite na bebida, acha que ninguém percebeu, assim mesmo decide sentar um pouco. Mas uma música da Ivete Sangalo não é para se jogar fora. Pega Lívia pela mão, passa o braço pela sua cintura, cola o rosto no dela e começa a cantar em seu ouvido: se eu não te amasse tanto assim... Inebriado pela música e pelo doce perfume que exala de Lívia, prepara-se para beijá-la. Ei, não é a Lívia. Me desculpe. Larga sua criatura como se a mesma tivesse uma doença contagiosa, e sai tortuosamente pelo salão. Mas que fora, e a pobre vivente nem reclamou. Também com aquela cara!
E segue a noite e o baile. Alan continua bebendo e dançando. Mas já não está tão bem. Sente-se diferente dos outros. Parece que só ele quer se divertir. Todo mundo sem graça, com jeito de gente de outro planeta. Os seguranças estão sempre no seu pé. A Lívia ficou brava com ele, não entendeu por que, e se exilou lá no banheiro. Feminino, é claro. Lugar sagrado, intocável, inviolável, misterioso, como só os banheiros femininos são. Vou bater na porta novamente, pode ser que me atendam desta vez.
- Alan, acho melhor ir para casa, o baile para ti terminou. – é a voz do segurança Manuel, velho conhecido. A voz está correta, mas o rosto totalmente desfocado.
Assim, resolve por vontade própria e por duas mãos enormes, ir para casa. A pé mesmo, pois não encontrou o carro. No caminho examina o visual: as pernas da calça estão dobradas, quase até o joelho. A camisa com três botões abertos no peito. E a tal faixa? Não tinha uma faixa? Acho que perdi, paciência. Graças a Deus tirei a gravata que me apertava o pescoço. E essa eu não perdi. Está aqui bem quietinha no bolso do casaco. Casaco? Eu estava de casaco?
Segue descendo a rua. Vê uma casa com luzes vermelhas na fachada. Para. A porta está fechada, mas há uma placa: entre. Aceita o convite. Um salão na penumbra, com paredes escuras e parecendo sujas. Música alta. Ali estão muitos homens parecidos com ele: desgrenhados, camisa aberta no peito, cabelos despenteados, cheirando à bebida. Bebem cerveja ou samba. Alguns preferem vinho barato. Mulheres coloridas e muito simpáticas. Mal entra, e uma lhe tira pra dançar. Outra passa agarradinha com um homem que tem um cigarro fumegando no canto da boca, e lhe atira um beijo. Alegria, descontração e liberdade. É só o que ele quer. Está à vontade. Não se sente mais um estranho no ninho. Agora está no lugar certo.
E a Lívia? Quem? Ah, a Lívia... Pois é, este é um problema que vou ter que resolver, mas amanhã. Só amanhã. Ou depois...
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