Para ele, é natural ser um canalha. Acostumou-se desde cedo ver a patifaria como forma de obter vantagem, a sugar do outro algo para si de forma horrenda e covarde. Se criou no reduto da podridão e da sordidez, junto com indivíduos de sua laia. Seu apogeu era fruto de todo ato sórdido e imundo que era habituado a cometer. Diante de sua reles condição de mais um miserável, fez-se perceber como um camarada perverso e violento. Vez ou outra, ainda tinha a pretensão de se debulhar em lágrimas, sofrer e choramingar suas perdas. Ora! Por que um canalha teria tais sentimentos? Se tem tais sentimentos, por que se tornar um canalha? De fato é um contra senso tremendo, um disparate difícil de compreender. Aí, vem a velha temática de sempre. Os bons que sempre tem de ajudar os maus, os justos que sempre tem de perdoar os injustos, afinal, ele é injusto por que sofreu privações na vida. Mas uma hora os justos se cansam e se fartam de tanta benevolência dedicada a quem supostamente não é merecedor dela. O grito do justo, sempre preso na garganta, uma hora tem de sair, e ele finalmente, ter o direito de por o seu ódio para fora e poder se sentir mais humano, mais desobrigado a ser um benfeitor em potencial e poder decidir, por si próprio a quem fazer o bem, ou não.
O anti-herói, sempre vitimado, mostra-se fragilizado por padecer as conseqüências de sua leviandade. Ora! Deveria alguém ter compaixão desse pobre diabo? E ele? Não deveria também ter compaixão pelo seu semelhante? Todavia temos o direito de achar natural que um injusto sofra e conforme-se com sua condição de sujeito imoral que carrega a cruz do sofrimento por ser mau. Mas sempre há quem tenha pena de um anti-herói, ou até mesmo o admire. Por que cargas d’água alguém chora por um sujeito assim? Ou o admira? Não seria por vontade de ser como ele? Intrépido, mordaz, cruel, sujo e dominante. Mas o que sente um anti-herói? Ou nada sente? Ou tudo sente? Vai saber!
Mas sua saga continua e só acaba com sua morte, ou com sua rendição. Por que um sujeito tão ruim regenera-se e torna-se bom? Se foi cruel a vida toda, sua bondade então surgiu do nada? Ou será que se cansou de fazer o mesmo papel a vida inteira? Todavia quer experimentar a sensação de ser um homem de bem. E o justo? Será que também não quer experimentar a sensação de ser um canalha? São sentimentos extremamente conflitantes, duas forças antagônicas brigando dentro de um ser humano, que ora quer ser humano ora desumano.
Nada mais estranho do que um anti-herói arrependido, que quer a todo custo fazer o bem, para apagar tudo o que fez de ruim, e parece que sua sede por justiça social nunca acaba, todavia sempre se sentirá responsável, pelo menos por uma pequena parte, das dores do mundo. Mais estranho ainda é o justo, sedento por ser um anti-herói, farto de tantos escrúpulos e benfeitorias, almeja sentir-se livre para fazer o que realmente sente vontade, mesmo que isso implique em se tornar um canalha. Contudo ele também cansou-se de fazer o mesmo papel a vida toda. Errar humano, mas acertar também é.
Como um herói, um anti-herói também deixa discípulos, legiões de seguidores, admiradores que sonham em ser como ele. Proliferam-se que nem formigas e tanto o herói quanto o anti-herói, por mais que morram, nunca deixarão de existir e fazer parte da História. Cada um tem o poder de decidir entre esses dois extremos, ou seria possível juntar os dois e sermos herói e anti-herói ao mesmo tempo? Seria isso possível?Talvez fosse humano, e não nos deixaria tão entediados, enfadados e saturados de viver.
O bem e o mal são duas faces da mesma moeda, depende da forma que você enxerga. São duas forças, que juntas são amenizadas. Todavia não vivemos numa realidade maniqueísta.
Mas independente disso, há de se conter o anti-heroísmo, para dar mais espaço ao herói que existe dentro de cada uma. Há de se punir o canalha, para que mal não faça mais. Mas há de se motivar o bom, para que não se sinta manipulado pelo sistema e livre para ser mais intrépido, sagaz e não cair no estereótipo do bonzinho.
A saga do anti-herói e do herói nunca termina, morre um, nasce outro, num mundo onde sempre haverá destruição e construção.
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