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A MORTE DO VAMPIRO
D. RITA
Paulo Valença

Resumo:
E por que esses dentes aumentados, vermelhos? Então de repente, entende, ante a lembrança das últimas manchetes dos jornais, de corpos adolescentes encontrados...


1
D. Rita desce do coletivo e devagar caminha na rua defronte. A noite vai adiantada. Na rua pedestres e um ou outro carro transita. A mulher vai pensativa. O doutor Arthur é um homem esquisito: solteirão, calado, com aquele ar ausente... E, para completar, as mocinhas que de vez em quando, aparecem na residência murada, de primeiro andar.
- D. Rita quando a “cigarra” chamar, a senhora, por favor, abra o portão, para a cliente entrar.
Ela aquiesce, como sempre, com a cabeça, sem nada falar.
O homem dá-lhe as costas e afastando-se de volta ao escritório, na parte de cima, no primeiro andar:
- É uma jovem morena, magrinha.
Ela então quebrando o mutismo serviçal, conveniente à sua posição de doméstica, responde-lhe:
- Tudo bem, doutor.
Os passos largos sobem à escada em caracol.
Tornando a arrumar a sala de sofás, centro, e quadros nas paredes, ela reflete. Essas meninas não são clientes. São ”garotas – de – programa”, vem visitar o patrão no jogo sexual, satisfazendo-o...
- Essa é que é a pura verdade.
Diz, resumindo-se, contudo, prática busca se prender ao que faz, afinal, assim é a vida, e ninguém tem nada com a conduta moral, à vida alheia. E, quando se precisa do emprego... o sensato é limitar-se à própria função de empregada. Espana os móveis.
Pela janela ao lado esquerdo, o sol brilha com a força do verão. E sem tardar, a “cigarra” anuncia a próxima visita.
Movendo-se devagarzinho – com a idade está mais gorda - ela então vai atender, abrindo o portão que se comunica com a calçada, a rua transversal.
- Bom dia. Doutor Arthur está?
- Está. Poder entrar. Ele tá esperando a senhorita no primeiro andar.
Sorrindo a adolescente morena, graciosa passa. E ela, D. Rita censura-a intimamente.
Mocinha bonita, já entregue a essa vida errada, sem nenhum futuro...
Fecha o portão e com os olhos analíticos segue o corpo esguio entrando na sala, que o conduzirá ao andar superior, ao encontro do homem “maduro”, magro, que o aguarda.
Cabisbaixa, retrocede à sala larga. Até quando essa cena de encontros se repetirá?
- Só Deus sabe.
Resume-se, mais uma vez reentregada à lei do mundo com suas normas de comandar as criaturas.
Agora sobe a longa escadaria de degraus estreitos. Nas laterais, as residências têm os moradores às janelas, terracinhos, ou conversando com os vizinhos. Distante um cachorro late. O vento se torna mais frio. A noite amadurece. Sobe, regressando à casinha, onde o companheiro a espera, enfermo, magro, canceroso, com a filha menina servindo-lhe de enfermeira e cuidando dos afazeres domésticos.
Finda a subida, avista a figura magra, alta, a entrada da casinha, esperando-a. Um dia, numa noite, tudo estará diferente, e não mais enxergará a filha e o doente no leito também aguardando-a. Sim, numa hora futura, o que presencia e vive, não mais existirá, pois o tempo tudo altera em sua metamorfose implacável.
- Mãe hoje demorou.
- É Martinha. O trânsito. Teve um “engarrafamento” daqueles! E o José, como está?
- Naquilo mesmo.
- Sei, sei.
Entram na salinha.
Ouvindo os passos o enfermo se vira, na curiosidade natural de todas as noites.
Macios, os passos adentram no quarto.

2
D. Rita abre o portão, com a chave fornecida pelo dono da residência. Passa, fecha-o e ruma à sala, de onde galga os degraus que a conduz ao primeiro andar, mantendo a rotina de todas as manhãs. Cumprimentará o patrão.
A porta do escritório defronte à varanda, semi-aberta. Será que o doutor já saiu, não esperou que ela chegasse a fim de lhe servir a refeição matinal? Mas... Avizinha-se. Então vê o homem na cadeira, com a cabeça arreada sobre o teclado do computador. Dormindo? Avizinha-se. Perplexa depara-se com a cena do rosto muito pálido, de olhos duros, a boca aberta, com os caninos crescidos, avermelhados. Os longos braços caídos, a imobilidade... O doutor está morto. E por que esses dentes aumentados, vermelhos? Então de repente, entende, ante a lembrança das últimas manchetes dos jornais, de corpos adolescentes encontrados em locais ermos, com perfurações nos pescoços ou nucas, como se tivessem sido atacados por um animal que lhes sugara o sangue...
- Um vampiro!
Daí a explicação das visitas recebidas pelo doutor. De sua vida estranha, fechada, misteriosa...
- E agora?
O censo prático então mais uma vez a orienta e, abrindo a bolsa que conduz ao ombro esquerdo, retira o celular. Disca. Anunciando a morte. Chamando a polícia.
Depois, retira-se do ambiente e sentando-se na cadeira de balanço, na varanda, espera, com o olhar perdido nas construções bonitas, modernas, enquanto o sol esquenta.
Espera. Trêmula. Contendo-se. Fazendo-se de forte.
À esquina a viatura surge, apitando, anunciando-se.
D. Rita suspira, aliviada.
- Ainda bem que chegou.
Levanta-se. De passos lentos ausenta-se do terraço, vence a escadaria, cruza a sala e rumando ao portão, mais uma vez abre-o.
O carro estaciona ao meio-fio defronte.















Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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