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O despertar das imagens
Dirce
Paulo Valença

Resumo:
Ante a imagem bonita da moça com o bebê nos braços, o velho Jair se lembra da Dirce do passado e da atual ante a dolorosa mutação do tempo. Sim, as imagens despertam.

1
A moça morena, de cabelos longos, pretíssimos, estirados, dobra a esquina, com o bebê nos braços, sob a luz forte do sol da tarde.
Alta, bem-feita, move-se com graça, feminilidade, apressada e no ponto do ônibus fica entre outras pessoas que esperam a condução.
O velho segue-a com os olhos críticos, mais analíticos agora ante a velhice. Essa jovem lembra muito a Dirce, quando também com o bebê nos braços levava-o até à parada dos coletivos e em silêncio, aguardavam o ônibus. Tanto tempo disso tudo! Será que realmente houve aqueles dias? A Dirce que hoje está também velha, sombra do que foi... Parece-lhe que o passado não lhe passa de uma farsa. Mentira dolorosa.   
O sol esquenta. Volta-se e segue em frente.
O coletivo estaciona. A moça com o bebê e as demais pessoas adentram. E a condução parte veloz.
Adiante, na calçada oposta, a figura magra, alta, meio encurvada do idoso caminha em passos lentos. O rosto avermelhado de lado, como se em busca de algo. Do que não mais existe.

2
A velha tendo preparado o jantar ( sopa, arroz, carne assada e enchido a garrafa de café) agora se senta na cadeira de balanço, no terracinho e se cadenciado devagar espera pelo marido, o Jair que, ultimamente, adquiriu o hábito de sair por aí, para estirar as pernas, exercitando-se, como mesmo ele fala, justificando-se.
- Com a velhice, adquirimos manias...
Sorri com o que diz em voz baixinha, resumindo-se. Cadencia-se.
- Boa tarde.
- Bom tarde Tadeu.
Responde ao rapaz que passa no lado oposto ao muro defronte à residência.
A mulher segue-o com o olhar curioso. Esse adolescente lembra muito o Jair de antes, muito antes, da época de quando era jovem, da época de quando ela com o bebê nos braços, o Carlinhos, ia levá-lo até o ponto dos coletivos, de quando...
- Ah, deixa pra lá!
O passado já era. Acabou-se. Ninguém vive do que não mais existe, contudo, inesperadamente, a gente se recorda, se ver. Revive-se...
- Espera aí, moleque!
O grito da mulher ao menino, seu filho, que desce a rua correndo, integrado à força da própria idade.
- Espera por mim, menino do fute!
A velha então desperta, integra-se ao presente. Lugar de gente canalha! O que julga pior na pobreza é essa falta de educação, a maneira de se falar sem nenhum freio, abertamente.
- Mas, que jeito? Faz parte.
Resume-se outra vez.
Nas residências circunvizinhas as luzes se acendem. A noite nasceu. O Jair hoje está demorando...
Balança-se, pensativa. Não querendo que o pessimismo a domine, que de repente, saiba que...
- Boa noite, D. Dirce.
A voz conhecida. Volta-se e sorri:
- Eu já estava preocupada...
Ele sorrindo:
- Você sempre encucada com as coisas!
A moça com o bebê nos braços. A cabeleira pretíssima. Morena. Bem-feita. Graciosa. A Dirce do passado e a do presente. Semelhanças. A metamorfose atual... Os passos se avizinham. A emoção com a lembrança. Adentra no terracinho. Cabisbaixo, esconde-se, enquanto ela também foge o rosto de lado, no desejo de não se trair.
- Menino da peste!
A voz novamente da mãe reclamando ao filho que sobe a rua, correndo.
- Você hoje me paga!
No rosto do casal desponta o sorriso ante a cena conhecida e que se repete.
- Vai tomar o banho homem?
- Vou Dirce. Vou.

3
A porta se fecha e macio o automóvel parte, com o homem que o dirige, indo á casa dos pais, na visita mensal.
À calçada da residência, a jovem mulher segue-o com atenção até que ele dobra a esquina a esquerda e desapareça.
O Carlinhos é um bom filho, mensalmente, visita os pais, Seu Jair e D. Dirce...
Então com a mão aberta faz círculos sobre o ventre crescido e, em voz baixinha, num sussurro:
- Nosso menino também nos visitará quando estivermos velhinhos.
Acalentada à esperança do amanhã e em passos determinados adentra na residência, enquanto a mão continua acariciando o ventre, no gesto que bem simboliza a proteção ao filho que virá.



Quando li me lembrei de João Antonio. Paulo Valença, você é um grande cronista do cotidiano dos marginalizados. É um escritor de verdade.
Comentário enviado por:
William Porto em: 19/8/2010









Biografia:
Paulo Valença é autor paraibano premiado nacionalmente com seus livros de contos e romances; Pertence a várias Instituições Literárias; Consta de diversos sites; Vive em Recife/PE.
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