À cama, o corpo reduzido, de ossos furando a pele, o rosto enrugado, o nariz crescido, os olhos sem brilho, a cabeleira cheia, alva e a voz também irreconhecível, sussurrada:
- É você, Flávio?
Como sempre, em silêncio, ele avizinha-se do leito.
Disforme pela doença, o rosto cadavérico vira-se, procurando-o. O braço magro ergue-se e a mão trêmula busca, busca.
Ele entende e, como se temesse magoar essa mão aperta-a devagar e, sendo humano, sem mais se conter... permite que as lágrimas lavem-lhe as faces frias.
Próxima a velha - testemunha silenciosa da cena - apressada abandona o quarto e no corredor, joga-se nos braços do outro filho, que lhe afaga os cabelos finos, branquinhos.
- Deus quis assim, mamãe... Temos de ser fortes.
No quarto, a mão sem calor liberta a outra mão e, mais do que nunca, o silêncio interpõe-se entre pai e filho.
O último silêncio.
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